Introdução
 
Este modesto artigo não tem o objetivo de esvaziar todos os percalços que o tema exige, mas tão somente levantar algumas reflexões sobre a aceitação das procurações feitas no estrangeiro para utilização nos atos notariais no Brasil.
 
Com a globalização, há uma enorme quantidade de documentos trafegando entre os países. Essa circulação extraterritorial envolve diferentes sistemas legais, alguns culturalmente mais próximos outros mais remotos.
 
Nosso sistema notarial, do tipo latino, envolve um tipo documental que é elaborado sob um enfoque legal e de forma totalmente distinto de países com estrutura jurídica distante, como é o caso do sistema Common Law.
 
Diante desse emaranhado de procedimentos e sistemas legais, o notário – com a sua percepção e técnica – emprega a profilaxia legal ao documento estrangeiro, buscando a segurança nos atos que elabora.
 
Para uma profilaxia eficaz, algumas questões devem ser levantadas, tais como: validade, eficácia, autenticidade, forma (regularidade extrínseca) etc. do documento produzido no estrangeiro para efeitos e uso nos atos notariais no Brasil.
 
Outro aspecto importante, o notário, ao receber qualquer documento estrangeiro, deve proceder a verificação da existência de convenção, tratado ou acordo multi ou bilateral existente com o país que regule a questão.
 
Nesta seara, o Brasil tem acordo com Argentina, Paraguai, Uruguai (decreto 2.067/1996), Bolívia, Chile (decreto 6.891/2009), Espanha (decreto 166/1991), França (decreto 3.598/2000) e Itália (decreto 1.476/1995) para a desoneração de trâmites em documentos produzidos em um país para ser válido e eficaz no outro1.
 
Há outros de caráter mais abrangente, como a Convenção Interamericana aprovada na cidade do Panamá, em 30 de janeiro de 1975, que trata do Regime Legal das Procurações para utilização no exterior2 e a Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros3.
 
O notário, no seu fazer notarial, deve verificar a procedência do documento e analisar a existência de algum sistema legal que permita ser aplicado ao caso concreto, não havendo, aplicar-se os requisitos legais internos (arts. 108, 215 e 657, CC) com o abrandamento dos requisitos extrínsecos (§ 1º, do art. 9º, da LINDB).
 
Identificação das partes no ato notarial
 
A identificação das partes4 faz parte do trabalho do notário e é seu dever legal (art. 215, § 1º, II, CC), bem como reconhecer a capacidade civil (e a sã consciência) das pessoas envolvidas no ato notarial5.
 
Identificar é estabelecer a identidade (ou individualidade) de um fato, uma pessoa ou uma coisa, diferenciando-as dos demais para que não se confundam com os da mesma espécie ou seus semelhantes.
 
Em matéria notarial, é o início, é a mola propulsora para realização de qualquer ato, exceto autenticação de cópias, cartas de sentença ou apostilamentos.
 
A identificação se relaciona com o princípio da imediação notarial. Princípio pelo qual há o contato direto do notário com as partes. A atividade notarial sempre ocorreu com imediação. A captação da vontade das partes; a elaboração, a crítica e a reedição contínua da minuta para leitura, assim como a presença pessoal das partes perante o tabelião, exemplificam a ocorrência da imediação6.
 
Entre nós, o modo seguro de identificar a pessoa natural é o documento de identificação original, sem qualquer indício de adulteração ou sinal indicativo de fraude7.
 
Caso a fotografia gere dúvidas sobre a identidade do portador do documento, o tabelião de notas poderá solicitar outro documento que satisfaça a identificação e gere segurança ao ato8, do contrário, ato será negado.
 
Abaixo alguns documentos que constituem identidade:
 
Brasil
 

– Carteira de Identidade9 emitida pelas Unidades da Federação.
 
– Identificação Civil Nacional (ICN)10
 
– Carteira de Identidade emitida pelos órgãos fiscalizadores de exercício profissional instituídas por lei11 (OAB, CRM, CRO, CRC etc.)
 
– Carteira Nacional de Habilitação – CNH12, válida e vigente13
 
– Registro Nacional Migratório – RNM14, válido e vigente15
 
– Passaporte Nacional16, válido e vigente
 
– Passaporte Estrangeiro17, válido, vigente e com visto não expirado
 
– Salvo-conduto e Laissez-passer, desde que, conjuntamente, seja apresentado, pelo estrangeiro, documento pessoal que permita a sua segura identificação18
 
– Autorização de retorno, carteira de identidade de marítimo, carteira de matrícula consular; certificado de membro de tripulação de transporte aéreo19
 
– Documento de identidade civil ou documento estrangeiro equivalente, quando admitidos em tratado20
 
– Carteira de Identidade das Forças Armadas (Aeronáutica, Exército ou Marinha) e a Carteira de Oficiais e dos Policiais Militares do Estado de São Paulo21
 
– Cédula de identidade Portuguesa22
 
– E se algum dos comparecentes não for conhecido do tabelião, nem puder identificar-se por documento, poderão participar do ato pelo menos duas testemunhas que o conheçam e atestem sua identidade.23

 
Argentina24
 

– Cédula de Identidade expedida pela Polícia Federal, válida e vigente
 
– Passaporte, válido e vigente; com visto de permanência não expirado
 
– Documento Nacional de Identidade, válida e vigente
 
– Libreta de Enrolamiento, válida e vigente
 
– Libreta Cívica, válida e vigente

 
Paraguai25
 

– Cédula de Identidade, válida e vigente
 
– Passaporte, válido e vigente; com visto de permanência não expirado

 
Uruguai26
 

– Cédula de Identidade, válida e vigente
 
– Passaporte, válido e vigente; com visto de permanência não expirado

 
Bolívia27
 

– Cédula de Identidade, válida e vigente
 
– Passaporte, válido e vigente; com visto de permanência não expirado

 
Chile28
 

– Cédula de Identidade, válida e vigente
 
– Passaporte, válido e vigente; com visto de permanência não expirado

 
Colômbia29
 

– Passaporte, válido e vigente; com visto de permanência não expirado
 
– Cédula de Identidade, válida e vigente
 
– Cédula de Extranjeria, válida e vigente

 
Equador30
 

– Cédula de Ciudadanía, válida e vigente
 
– Cédula de Identidade (para estrangeiros), válida e vigente
 
– Passaporte, válido e vigente; com visto de permanência não expirado

 
Peru31
 

– Passaporte, válido e vigente; com visto de permanência não expirado
 
– Documento Nacional de Identidade, válida e vigente
 
– Carné de Extranjería, válida e vigente

 
Sugere-se a máxima cautela na aceitação de documentos dos países do Mercosul, buscando conhecer os itens de segurança que permeiam cada documento no país de origem.
 
As carteiras funcionais não constituem documentos de identidade, tendo por finalidade tão somente identificar seus titulares no exercício de suas funções (são exemplos, assessor parlamentar, fiscal de tributos, operador de tráfego, polícia civil etc.).
 
De igual forma, a carteira de identidade expedida pelo antigo DOPS (tipo livrete) é inválida e não pode ser aceita, por não conter os requisitos de validade fixados na lei 7.116/83.
 
Nos casos em que o nome divergir entre o documento de identidade apresentado e o nome escrito na ficha-padrão, ou ainda, entre o estado civil lançado na ficha e o documento de identidade apresentado, a parte deverá apresentar outro documento atualizado ou a certidão de casamento (não precisa ser atualizada, exceto se houver indícios que a macule).
 
A pessoa jurídica é identificada por meio do contrato social32, sua consolidação ou eventuais alterações (arts. 45, 985 e 1.150, CC), devidamente registrado nos órgão competente, e de igual forma, não deve conter indícios de adulteração ou sinais indicativos de fraude. É necessário apresentar da inscrição no CNPJ/MF (Dec. 3000/99, art. 146).
 
É recomendável a conferência do contrato social apresentado junto à respectiva Junta Comercial do Estado, para as sociedades empresárias e empresários33 ou solicitar certidão expedida pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas, para as sociedades simples, associações e fundações)34.
 
Representação e presentação nos atos notariais
 
Cabe aqui distinguir representação de presentação. Na primeira, há sempre dois sujeitos, um representante que age em nome do representado. Na presentação, o sujeito age em nome da empresa, manifestando a vontade da pessoa jurídica ou órgão, vez que essas não podem, de outra maneira, expressar a sua vontade.
 
Quando uma pessoa não pode comparecer pessoalmente ao ato notarial, ela elege um representante que agirá em seu nome por meio de procuração com poderes suficientes.
 
Pela dicção do art. 653, do Código Civil, opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses, sendo a procuração, o instrumento do mandato.
 
E, para negócios jurídicos com valor superior a 30 salários mínimos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis a escritura pública é da substância do ato35. Ou seja, é requisito essencial da própria existência do ato sem o qual implica a nulidade36 do negócio entabulado pelas partes. Com isso, a lei prove segurança as pessoas e ao trafego imobiliário.
 
A forma pública é indispensável para a validez do negócio jurídico e a utilização de procuração nesses casos – pelo princípio da atração da forma37 – também deve atender a forma pública, inclusive seu substabelecimento.
 
É de se consignar que, o art. 655 do Código Civil não se aplica aos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. A regra esculpida no citado artigo é para atos jurídicos em geral, não afastando a incidência do art. 108.
 
Ad solemnitatem x Locus regit actum
 
Em países nos quais há consulados brasileiros ou notariado do tipo latino é possível levantar a forma pública para as procurações a serem empregadas nos atos notariais no Brasil -, em atendimento ao princípio da atração da forma.
 
No entanto, suponhamos que a procuração tenha sido feita nos Estados Unidos em um estado onde não há consulado brasileiro. Essa procuração poderia ser aceita no Brasil para utilização numa escritura de venda e compra? A resposta é um desafio.
 
Pelo art. 657, CC, a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. E se este ato é a escritura pública, se faz necessário que a procuração seja pública, inclusive o substabelecimento, pois a forma pública – no Brasil – é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
 
A Convenção Interamericana sobre o Regime Legal das Procurações para serem utilizadas no exterior38 adotada na cidade do Panamá, em 30 de janeiro de 1975, nos arts. 2º e 3º, informa que:
 

“Art. 2º As formalidades e solenidades relativas à outorga de procurações que devam ser utilizadas no exterior ficarão sujeitas às leis do Estado onde forem outorgadas, a menos que o outorgante prefira sujeitar-se à lei do Estado onde devam ser exercidas. Em qualquer caso, se a lei deste último exigir solenidades essenciais para a validade da procuração, prevalecerá esta lei.”. (grifo nosso)
 
“Art. 3º Quando, no Estado em que for outorgada a procuração for desconhecida a solenidade especial que se requer consoante a lei do Estado em que deva ser exercida, bastará que se cumpra o disposto no artigo 7º desta Convenção.”

 
A Convenção, em seu art. 6º, informa que em todas as procurações, o funcionário que as legalizar deverá certificar ou dar fé do seguinte, se tiver atribuições para isso:
 

a) a identidade do outorgante e a declaração do mesmo sobre sua nacionalidade, idade, domicílio e estado civil;
 
b) o direito que tiver o outorgante para dar procuração em nome de outra pessoa física ou natural;
 
c) a existência legal da pessoa moral ou jurídica em cujo nome for outorgada a procuração;
 
d) a representação da pessoa moral ou jurídica, assim como o direito que tiver o outorgante para dar a procuração.

 
Extraímos, ainda que, quando o Estado no qual o poder é concedido desconhecer a solenidade especial exigido pela lei local, é suficiente cumprir o disposto no artigo 7º da citada Convenção, ou seja, quando o local de emissão da outorga não conhecer os requisitos formais da lei do local da prestação, é suficiente para atender requisitos do artigo 7 º, vejamos:
 
“Se no Estado da outorga não existir funcionário autorizado para certificar ou dar fé sobre os pontos indicados no artigo 6º, deverão ser observadas as seguintes formalidades:
 

a) constará da procuração uma declaração jurada ou uma afirmação do outorgante de que diz a verdade sobre o disposto na alínea “a” do artigo 639;
 
b) juntar-se-ão à procuração cópias autenticadas ou outras provas no que diz respeito aos pontos indicados nas alíneas “b”, “c” e “d” do mesmo artigo40;
 
c) deverá ser reconhecida a firma do outorgante;
 
d) serão observados os demais requisitos estabelecidos pela lei da outorga.”

 
Contudo, o art. 5° estabelece que os efeitos e o exercício da procuração ficam sujeitos à lei do Estado onde for exercida, em consonância com a parte final do art. 2º.
 
Indaga-se: o princípio da atração da forma estaria mitigado por tal Convenção? A resposta também é um desafio.
 
Os países têm consagrado o princípio que vem das origens do direito internacional privado e se expressa na máxima locus regit actum, ou seja, o lugar determina o ato. Isso significa que o local de concessão do ato é que regula os aspectos extrínsecos.
 
No Brasil, como vimos, exige-se a forma pública como elemento essencial a validade dos negócios jurídicos de valor superior a 30 salários mínimos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis.
 
Para Eduardo Gallino, notário argentino, quando o lugar de execução e constituição de um direito real sobre um bem de raiz exige a forma ad solemnitatem (formalidade que a lei exige para a validade de um ato ou negócio jurídico), o princípio lex rei site (lugar onde se encontra a coisa) prevalece sobre o princípio locus regit actum (o local de concessão do ato é que regula os aspectos extrínsecos).
 
E complementa: Não importa o que diga a lei do lugar de celebração ou outorgamento do ato, que suponhamos admita o instrumento privado para transferir direitos reais sobre bens de raízes em seu país, mas quando se pretende fazer valer esse mesmo instrumento do ponto de vista formal, exige-se uma qualidade documentária superior – a forma pública. Isso significa que, a forma é ad solemnitatem prevalece sobre o princípio locus regit actum.
 
Ressaltamos que o § 1º, do art. 9º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro admite as condições da lei estrangeira sobre a forma para as obrigações a serem executadas no Brasil, conforme se verifica do texto legal:
 

“Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.

 
Assim, se o local de realização da procuração não conter a previsão legal da forma ad solemnitatem, e prevendo a lei local outra forma, recobre de plena validade o princípio locus regit actum.
 
Podemos citar o cônjuge norte-americano que necessita prestar anuência nos casos de alienação de bem imóvel no Brasil, ou seja, a lei local não prevê forma ad solemnitatem, mas a LINDB e a Convenção Interamericana sobre o Regime Legal das Procurações para serem utilizadas no Exterior põem a salvo a procuração realizada pelo Notarý Public (art. 6º da Convenção c/c a parte final do art. 9º da LINDB).
 
Uma procuração privada feita por brasileiro no exterior não pode ser aceita para os atos notariais no Brasil, exceto se não houver consulado ou notariado tipo latino, já que a lei local pode admitir outra forma.
 
Concluímos que:
 

a) nos países que possuir consulado brasileiro: brasileiros = procuração pública.
 
b) nos países que possuir notariado: estrangeiros e brasileiros = procuração pública.
 
c) nos países que não possuir consulado brasileiro nem notariado: brasileiros e estrangeiros = procuração na forma que dispuser a lei local.

 
A título de exemplo, a procuração feita por americano, com a intervenção de um Notary Public41 (nos Estados Unidos da América) atende os preceitos da Convenção, art. 6º, bem como a parte final do § 1º, art. 9º, da LINDB e supre a exigência legal brasileira da forma pública (aspecto extrínseco), diante da intervenção do Notary Public na certificação da identidade e capacidade do mandante, leitura e assinatura feitas em sua presença, já que a lei local assim prevê.
 
Poderes gerais x expressos e especiais
 
Inúmeras são as procurações apresentadas nos tabelionatos de notas do Brasil para a celebração de negócios jurídicos que, por descuido, não apresentam os poderes especiais e expressos exigidos pelo art. 661, § 1º, CC.
 
Mas o que é poderes especiais e expressos? A doutrina vem desmistificando tais requisitos de espectro tão genéricos:
 
Cláudio Luiz Bueno de Godoy leciona que, poderes expressos identificam, de forma explícita (não implícita ou tácita), exatamente qual o poder conferido (por exemplo, o poder de vender). Já os poderes serão especiais quando determinados, particularizados, individualizados os negócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, o poder de vender tal ou qual imóvel).42
 
Pontes de Miranda diz que, mandato expresso e mandato com poderes especiais são conceitos diferentes. É expresso o mandato em que se diz: 'com poderes para alienar, hipotecar, prestar fiança'. Porém não é especial. Por conseguinte, não satisfaz as duas exigências do art. 1.295, § 1º, do Código Civil (atual 661, § 1°) que fala de 'poderes especiais e expressos'. Cf. o Código Comercial, art. 134, 'in fine', poderes expressos são os poderes que foram manifestados com explicitude. Poderes especiais são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados. Não pode hipotecar o imóvel 'a' o mandatário que tem procuração para hipotecar, sem se dizer qual o imóvel: recebeu poder expresso, mas poder geral, e não especial.43
 
Carvalho Santos esclarece que, o Código exige não só poderes expressos, mas também especiais, o que vale dizer: para que o mandatário possa alienar bens do mandante faz-se mister que expressamente a procuração lhe confira poderes para tanto, com referência a determinado ou determinados bens especializados, ou concretamente mencionados na mesma procuração.44
 
Silvio Rodrigues, numa interpretação mais consentânea à realidade e dinâmica dos negócios imobiliários ensina que, se o outorgante confere ao procurador poderes para vender ou hipotecar bens imóveis sem dizer quais os bens que o representante pode alienar ou hipotecar, assume o risco de que este venda ou hipoteque os que entender. O que é perfeitamente justificável, tendo em vista que o mandato é um negócio com base na confiança que o constituinte deposita no representante. Querer interpretar de maneira excessivamente estrita as cláusulas do mandato constitui uma tentativa descabida e injusta de tutelar o interesse de pessoa capaz, que não encontra fundamento nem na lei nem no interesse social.45 (Grifo nosso)
 
Neste sentido, Clóvis Bevilaqua ressalta que, o mandato geral, ainda que declare que o mandante terá todos os poderes, libera administratio, somente confere os da administração ordinária. O mandato para conferir direitos, que excedam da administração ordinária, deve ser especial, isto é, devem os poderes referir-se, expressa e determinadamente, ao negócio jurídico. “O mandato relativo a todos os negócios do mandante, omnium rerum não se restringirá aos atos de simples administração, desde que expressamente conferir poderes para os diferentes atos que os exigem especiais”.46 (Grifo nosso)
 
Carvalho Santos, citado por Arnaldo Marmitt, rechaça as dúvidas e assevera a necessidade dos poderes expressos e especiais para poder o mandatário alienar bens de propriedade do mandante resulta, também, a necessidade de constarem na procuração os bens a serem vendidos, devidamente individualizados, a não ser que os poderes abranjam todos os bens do mandante.47 (Grifo nosso)
 
O Superior Tribunal de Justiça vem deliberando nesta mesma linha de pensamento, sobre a necessidade de poderes expressos e especiais: REsp. 79.660-RS, j. 25/11/1996, rel. nin. Waldemar Zveiter; REsp. 262.777-SP, j. 5.2.2009, rel. min. Luís Felipe Salomão; REsp. 31.392-SP, j. 25/08/1997, rel. nin. Waldemar Zveiter; RE 84.501-RJ e RE 90.779-3-RJ, é de ressaltar, neste último, o seguinte trecho:
 

“Não nega vigência ao art. 1.295, § único, do Código Civil, o acórdão que anula doação feita com procuração que não especifica o bem a ser doado, nem o donatário, quando o mandatário, às vésperas do desquite, usando procuração genérica com poderes para alienar os bens do casal, doa parte do imóvel da esposa ao filho do casal, à revelia da mandante, com quem era casado pelo regime da separação absoluta de bens”.

 
O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, sinaliza nesta mesma direção:
 

“Apelação Cível 524-6/3 – Serra Negra – j. 03/08/2006, Apelação Cível 982-6/2 – Capital – j. 17/03/2009 e Apelação Cível 990.10.473.290-5 – Capital – j. 07.07.2011.
 
Apelação Cível 0024552-06.2012.8.26.0100 – Capital – j. 02/04/2013, rel. des. José Renato Nalini, prestigiando os precedentes administrativos a respeito, anotou o seguinte extrato do voto do Exmo. Des. Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça à época, na Apelação Cível n. 524-6/3, j. 03/08/2006″

 
Assim, podemos concluir que:
 

a) Os poderes especiais e expressos (citados no § 1º do artigo 661 do Código Civil) são requisitos distintos. Os expressos são aqueles mencionados no mandato, sem margem a táciticidade (por exemplo: vender, hipotecar, dar em pagamento, etc.). Os especiais correspondem ao objeto, é a especificação (e está intimamente ligado aos poderes expressos), por exemplo: vender o imóvel Y, doar o imóvel X em favor do donatário W etc.;
 
b) A procuração que conste poderes expressos para vender ou hipotecar, sem identificar o objeto do negócio jurídico a ser realizado, vale dizer, sem poderes especiais, não deve ser aceita, sob pena de nulidade;
 
c) A procuração que conste poderes gerais expressos para alienar, de modo a abranger todos os bens imóveis do mandante, é desnecessária a especialização (descrição) de cada um dos bens, pois o mandante, ciente dos poderes expressamente outorgados, consentiu em todos e quaisquer bens.

 
Apostilamento, legalização (ou consularização) e tradução
 
Desde 14 de agosto de 2016 os documentos vindos do exterior devem estar apostilados e registrados em RTD48 para terem validade no Brasil.
 
Apostilar é um ato de concessão de uma apostila ao abrigo da Convenção da Apostila. O documento para o qual uma Apostila tenha sido emitida nos termos da Convenção é referido como tendo sido “apostilado”. A emissão de uma Apostila substitui o processo de legalização. Mais informações, aqui.
 
A Legalização (ou consularização) ainda persiste para os países que não integram a Convenção da Apostila, necessitando o documento, neste caso, ser consularizado no consulado Brasileiro no país de origem e registrado em RTD49. Veja quais são os países signatários.
 
Traduzir é converter o texto em uma língua estrangeira para a língua nativa. E quando é da língua nativa para a língua estrangeira, é chamada de versão.
 
Há acordos, dos quais o Brasil é signatário, que dispensa a tradução para a aceitação do documento estrangeiro em solo brasileiro, porém, a teoria não se aplica a prática. Para nós, a tradução é elemento de inteligibilidade que possibilita ao destinatário a exata e fiel compreensão do documento.
 
Por mais que possamos empregar esforços intelectuais para traduzir e compreender o conteúdo de um documento estrangeiro, tal esforço pode ser uma zona perigosa, podendo afetar questões técnicas e legais.
 
O professor Marco Antonio Greco Bortz em seu r. artigo sintetiza50:
 

“A exigência da tradução acompanhando o documento decorre de sua própria conceituação, como representação cognoscível ao destinatário .”

 
A tradução pública, também conhecida como tradução juramentada, é realizada por pessoa habilitada (em concurso público) e cadastrada na Junta Comercial das respectivas Unidades da Federação – nominado tradutor público.
 
O documento em idioma estrangeiro, para ter validade no país, deve ser acompanhado de sua tradução juramentada (art. 224, do Código Civil51, art. 18, parágrafo único52, do decreto Federal 13.609/1943 e Item 4.3.2, do Manual do Serviço Consular e Jurídico).
 
Não é demais lembrar que, nos locais onde não há tradutores públicos e o tabelião entender o idioma, prescinde-se de tradução, aplicando por analogia o § 4º, do art. 215, CC, devendo tal circunstância ser indicada no ato notarial.
 
É de rigor ressalvar, a dispensabilidade de tradução de documentos provenientes de países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Inclusive este tema foi objeto do Pedido de Providências nº 0002118-17.2016.2.00.0000, no CNJ, onde recomendou-se a não exigência de tradução de documentos estrangeiros redigidos em língua portuguesa, conforme os arts. 224 do Código Civil brasileiro e 162 do Código de Processo Civil, bem como da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
 
Procedimento de consulta de procurações lavradas nos Consulados brasileiros
 
Em consulta escrita aos 188 (cento e oitenta e oito) consulados brasileiros espalhados pelo mundo, para a nossa grata surpresa, obtivemos respostas positivas sobre a possibilidade de confirmação da situação do ato notarial consular de procuração, tais como revogação, substabelecimento ou renúncia.
 
Segundo as informações obtidas, os pedidos de confirmação podem ser enviados por e-mail com o nome das partes (mandante e procurador), a data de lavratura e os números de livro e folhas. A rede consular brasileira pode ser consultada via internet, acesse.
 
Apesar da obrigatoriedade legal, temos recebido inúmeras informações de que os consulados do Brasil no exterior não expedem certidões dos atos consulares lavrados, a não ser para as próprias partes do ato, o que tem ocasionado grandes entraves.
 
A norma consular é expressa e não condiciona a emissão a terceiros:
 

4.1.1 A Autoridade Consular expedirá unicamente documentos que forem de sua competência, previstos no MSCJ, e deverá expedir certidão dos termos que lavrar, quando requeridos pelos interessados ou por terceiros.53 (Grifo nosso).
 
Alternativa é alterar as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo conforme sugestão abaixo:
 
15. O Tabelião de Notas manterá arquivos para os seguintes documentos necessários à lavratura dos atos notariais, em papel, microfilme ou documento eletrônico:
 
e.1) traslados de procurações e substabelecimentos outorgados em consulados e notários estrangeiros, cujo prazo não poderá ser superior a 180 dias, exceto se for precedida de confirmação de procedência e eficácia do ato, por intermédio de meio idôneo, cujo comprovante de remessa e recepção também deverá ser arquivado, e constar do ato a realização do procedimento.

 
Quadro Sinótico de Procurações públicas oriundas do estrangeiro para efeitos no Brasil
 
Para visualizar o quadro, clique aqui.

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1 FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger, RODRIGUES, Felipe Leonardo Rodrigues. Coleção Cartórios – Tabelionato de Notas. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 69. 

2 Decreto 1.213/1994. 

3 Disponível aqui

4 Os vocábulos parte ou partes designam os particulares que buscam os serviços notariais. 

5 Numa interpretação sistêmica, arts. 83, 84, §§ 1º e 2º, 85, §§ 1º e 2º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência c/c os arts. 3º, 4º, 215 e art. 1.767, I, do Código Civil, os notários deverão reconhecer capacidade plena às pessoas com deficiência (física ou psíquica) quando elas puderem exprimir sua vontade sobre o ato notarial solicitado. 

6 FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger e RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial Doutrina, Prática e Meio de Prova. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 49. 

7 Até porque, em nosso Estado, é vedada a abertura de ficha-padrão com documentos de identidade que contenham aspecto que não gere segurança, como p. ex.: documentos replastificados, foto em desacordo com a aparência real/atual da parte, documentos abertos, de modo que a foto se encontra de forma irregular etc. 

8 Art. 1º, lei federal 8.935/1994. 

9 Lei 7.116/1983 e seu decreto regulamentador 89.250/1983. 

10 Lei 13.444/2017 (em fase de implementação). 

11 Lei 6.206/1975. 

12 Lei 9.503/1997. 

13 Para nós, a expiração da validade de permissão para dirigir não invalida o documento de identidade. 

14 Lei 13.445/2017 (Institui a Lei de Migração), antigo RNE. 

15 Os estrangeiros que tenham completado sessenta anos de idade, até a data do vencimento do documento de identidade, ou deficientes físicos, ficam dispensados da renovação (lei9.505/1997