Panorama geral sobre o instituto da usucapião, explorando especialmente a modalidade extrajudicial
 
Com a introdução do artigo 1.071 da Lei 13.105/2016 (Novo Código de Processo Civil ou CPC), a usucapião pela via extrajudicial foi introduzida no artigo 216-A na Lei 6.015/1973 (LRP), conforme modificado pela Lei 13.465/2017 e regulamentado pelo Provimento nº 65, expedido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 14.12.2017 (Provimento 65/2017), como medida importante para o fortalecimento das vias extrajudiciais de resolução de conflitos envolvendo os direitos de propriedade e posse.
 
O presente artigo tem por objetivo oferecer um panorama geral sobre o instituto da usucapião, explorando especialmente a modalidade extrajudicial, de forma a indicar suas especificidades, o procedimento para o seu reconhecimento e a documentação exigida para tanto.
 
Panorama da usucapião antes do Novo Código de Processo Civil
 
Forma originária de aquisição da propriedade, a usucapião é instituto por meio do qual o tempo determina a aquisição de direitos reais (como o de propriedade; razão pela qual o instituto também é chamado de prescrição aquisitiva), sendo resultante da conversão da posse prolongada no tempo, sem oposição de terceiros e com a devida observância dos demais requisitos legais pertinentes.
 
Pela análise dos artigos 1.238 e seguintes da Lei 10.406/2002 (Código Civil), é possível mapear cinco modalidades distintas de usucapião, conforme resumidas abaixo:
 
Usucapião Ordinária: a posse contínua do imóvel deve ocorrer por, no mínimo, 10 anos, com justo título e boa-fé; ou por cinco anos, na hipótese em que o possuidor estabeleça no imóvel usucapiendo sua moradia habitual, ou tenho nele realizado obras ou investido em serviços de produção, desde que o imóvel tenha sido adquirido onerosamente conforme registro em cartório cancelado posteriormente (art. 1.242);
 
Usucapião Extraordinária: a posse contínua do imóvel deve ocorrer por, no mínimo, 15 anos, independentemente de justo título e boa-fé; ou por 10 anos, na hipótese em que o possuidor estabeleça no imóvel usucapiendo sua moradia habitual, ou tendo nele realizado obras ou investido em serviços de produção (art. 1.238);
 
Usucapião Especial Rural: a posse contínua deve ser verificada em imóvel rural com área não superior a 50 hectares, devendo ocorrer por, no mínimo, cinco anos, na hipótese em que o possuidor não tenha qualquer outro imóvel e estabeleça no imóvel usucapiendo sua moradia habitual, tornando-o produtivo por seu trabalho ou de sua família (art. 1.239);
 
Usucapião Especial Urbana: a posse contínua deve ser verificada em imóvel urbano com área não superior a 250 m2, devendo ocorrer por, no mínimo, cinco anos, na hipótese em que o possuidor não tenha qualquer outro imóvel e estabeleça no imóvel usucapiendo sua moradia habitual (art. 1.240) e
 
Usucapião Especial Familiar: a posse deve ser verificada em imóvel urbano com área não superior a 250 m2, devendo ocorrer por, no mínimo, dois anos, na hipótese em que o possuidor estabeleça no imóvel sua moradia habitual, cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar (art. 1.240-A).
 
A usucapião extrajudicial
 
Com a introdução do artigo 216-A na LRP, foi facultada ao interessado a possibilidade de reconhecer, extrajudicialmente, a usucapião sobre determinada área.
 
É importante que o pedido de reconhecimento extrajudicial seja único, em relação à totalidade ou parte do imóvel em que se pretenda reconhecer a usucapião. De acordo com o Provimento 65/2017, na hipótese em que o imóvel em que se pretenda reconhecer a usucapião seja objeto de mais de um pedido extrajudicial de usucapião, o primeiro prosseguirá normalmente, enquanto os pedidos posteriores permanecerão sobrestados até o acolhimento ou a rejeição do pedido anterior. Caso o pedido anterior se refira à parcela do imóvel usucapiendo, aplica-se o mesmo raciocínio, prosseguindo-se com o procedimento em relação à parte incontroversa do imóvel, permanecendo sobrestada a prenotação quanto à parcela controversa.
 
Dito isso, o artigo 216-A da LRP contém o procedimento que deve ser seguido pelo interessado, diretamente perante o Cartório de Registro de Imóveis responsável pela circunscrição em que o imóvel usucapiendo estiver situado, mediante requerimento de reconhecimento da usucapião pelo interessado, o qual deve estar, obrigatoriamente, representado por advogado.
 
Com o objetivo de regulamentar o procedimento da usucapião extrajudicial e complementar as disposições já trazidas no CPC, o CNJ editou e publicou o Provimento 65/2017.
 
O artigo 216-A da LRP, juntamente com o Provimento 65/2017, contém o rol de informações e documentos que devem instruir o requerimento a ser apresentado ao Cartório de Registro de Imóveis competente, cuja documentação poderá ser apresentada nas vias originais ou em cópias, incluindo, mas não se limitando, (i) à ata notarial, contendo informações da posse, tais como, tempo, características e forma de aquisição, descrição do imóvel e identificação registral, entre outras; (ii) à planta e ao memorial descritivo, caso aplicável, assinados por profissional legalmente habilitado e pelos titulares de direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo ou dos imóveis confinantes, ou pelos ocupantes; (iii) às certidões negativas dos distribuidores, da Justiça Estadual e Federal, em nome do requerente e dos cônjuges, do proprietário tabular do imóvel usucapiendo e dos possuidores anteriores e respectivos cônjuges, se aplicável; (iv) ao justo título ou documento relativo à ocupação, (v) ao instrumento de mandato ou à declaração outorgando a capacidade postulatória e (vi) às certidões demonstrativas da natureza do imóvel (i.e., se rural ou urbano).
 
Das notificações e publicações de edital
 
Como parte do procedimento para reconhecimento da usucapião de forma extrajudicial, as normas que o regulamentam exigem a notificação dos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou dos imóveis confinantes, bem como dos órgãos públicos pertinentes, conforme abaixo descrito.
 
Isso porque, com relação à planta ou ao memorial descritivo, nos termos do art. 216-A, § 2º, do CPC, e do Provimento 65/2017, caso tais documentos não contenham a assinatura dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel, ou nas matrículas dos imóveis confinantes, e não for apresentado documento de anuência expressa, estes serão notificados pelo registrador competente, para que manifestem seu consentimento no prazo de quinze dias, considerando-se sua inércia como concordância, ou por edital, na hipótese em que as notificações anteriores forem infrutíferas.
 
Quando o requerimento estiver regularmente instruído, o registrador competente dará ciência à União, ao Estado, ao Município e ao Distrito Federal, conforme aplicável, para que estes se manifestem também no prazo de 15 dias, sendo que a inércia não impedirá o regular andamento do procedimento, conforme descrito no Provimento 65/2017.
 
Ademais, conforme adiantado anteriormente, na hipótese em que alguma das partes notificadas (i.e., titulares de direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo e imóveis confinantes, entes públicos ou terceiro interessado) impugnarem o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião e, ainda, sendo infrutífera a conciliação promovida pelo registrador, este remeterá os autos ao juízo competente, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequação ao procedimento comum, conforme descrito no art. 216-A, § 10º, do CPC, e no Provimento 65/2017.
 
Registro da aquisição
 
Sem prejuízo da eventual elucidação de quaisquer pontos de dúvida, a qual poderá se dar mediante diligências realizadas pelo próprio registrador ou escrevente habilitado, estando em ordem a documentação e não havendo impugnação, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, abrindo-se nova matrícula ou averbando-se a aquisição na matrícula existente, conforme aplicável.
 
Como demonstrado brevemente, a usucapião é fundamentada não apenas na juridicidade de situações fáticas cuja existência prolonga-se no tempo e espaço, mas também na função social da propriedade, cuja proteção como garantia fundamental é prevista por meio do art. 5º, XXIII, da Constituição Federal, de forma a harmonizar os interesses da coletividade e do proprietário de bem imóvel.
 
Ao deslocar a competência do Poder Judiciário aos órgãos extrajudiciais, tais como, as serventias notariais e registrais, busca-se desafogar o Poder Judiciário e conceder mais uma alternativa ao interessado de alcançar a segurança jurídica quanto à titularidade de determinado bem imóvel. Nesse sentido, o instituto apresenta potencial para ser bastante utilizado, pelos interessados, para a solução de conflitos possessórios, como alternativa ao Poder Judiciário.
 
Desta forma, a usucapião extrajudicial se junta ao inventário extrajudicial, à retificação extrajudicial de registro imobiliário e ao divórcio extrajudicial, para contribuir com a desjudicialização de conflitos envolvendo os direitos de propriedade e posse, idealizada a partir de um procedimento robusto, mas célere, por meio do qual se declara (ou não) a aquisição da propriedade ou os direitos a ela relacionados.