Com a morte do beneficiário o gravame de incomunicabilidade se extingue e a viúva pode sim receber o bem a que estava privada em vida, em sede de meação, agora a título de herança
 
Gravar bens com cláusulas é uma excelente estratégia em termos de proteção e blindagem patrimonial. Dentre as diversas cláusulas que já falamos aqui, uma delas em especial é a cláusula de incomunicabilidade, segundo a qual, o patrimônio não se comunicará com o cônjuge/companheiro do beneficiário, qualquer que seja o regime de bens de eventual casamento ou união estável – ainda que seja o regime mais abrangente (e grave) de todos, que é o regime da comunhão universal de bens.
 
Segunda a imortal e lapidar doutrina do ilustre Registrador Imobiliário, Dr. Nicolau Balbino Filho (Registro de Imóveis – Doutrina, Prática e Jurisprudência. 2010),
 
“Incomunicabilidade é a cláusula que particulariza os bens de cada cônjuge, independentemente do regime adotado por ocasião do casamento. Pode ser aposta em conjunto com as demais ou revestida de caráter autônomo, embora possa alienar-se ou ser penhorada”.
 
Certo que o bem não integrará o patrimônio comum do casal – mesmo na comunhão total de bens – fica a dúvida: o bem nessa condição havido, pode virar herança em favor da (o) viúva (o)?
 
É preciso ter em mente que a disposição de incomunicabilidade protege o beneficiário em sua vida e não pode ultrapassar essa ocasião – ou seja, com seu falecimento, ela perde a razão e livre o bem se converte em herança em favor daqueles legitimados pela ordem de vocação hereditário (que sob a égide do CCB/2002 encontra-se estatuída no art. 1.829). Nesse sentido, os bens gravados com incomunicabilidade são reputados bens particulares e nessa condição podem sim ser recolhidos pela VIÚVA a título de herança dentro das regras do art. 1.829 e seguintes do CCB.
 
O STJ já se debruçou sobre esse caso, assim ementando sua acertada decisão:
 
“STJ. REsp. 1552553/RJ. J. em: 24/11/2015. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. BEM GRAVADO COM CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. CÔNJUGE QUE NÃO PERDE A CONDIÇÃO DE HERDEIRO. 1. O art. 1829 do Código Civil enumera os chamados a suceder e define a ordem em que a sucessão é deferida. O dispositivo preceitua que o cônjuge é também herdeiro e nessa qualidade concorre com descendentes (inciso I) e ascendentes (inciso II). Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge herda sozinho (inciso III). Só no inciso IV é que são contemplados os colaterais. 2. A CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE imposta a um bem NÃO se relaciona com a vocação hereditária. Assim, se o indivíduo recebeu por doação ou testamento bem imóvel com a referida cláusula, sua morte NÃO IMPEDE que seu herdeiro receba o mesmo bem. 3. Recurso especial provido”.
 
O STF, na década de 1970, em primoroso acórdão assinado pelo ilustríssimo Ministro Barros Monteiro, assentou a lição:
 
“STF. RE 70403/SP. J. em: 19/11/1970. 1) CLAUSULAS DE INALIENABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE IMPOSTAS EM DOAÇÃO. EXTINGUEM-SE COM A MORTE DO DONATÁRIO. TRANSMISSAO DOS BENS, LIVRES, A MULHER, A FALTA DE DESCENDENTES OU ASCENDENTES. (…). 3) RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO”.
 
Não devemos nunca esquecer que o cônjuge pode virar herdeiro (e que é também um tipo de herdeiro necessário, cf. art. 1.845 do Códex). Para tratar essa hipótese uma solução mais sofisticada deve ser adotada pelo (a) interessado (a), em sede de planejamento patrimonial e sucessório – com a óbvia assistência do seu advogado especialista.