A capacidade para o exercício de atividade empresária e, portanto, para ser sócio de sociedade empresária encontra disciplina legal no artigo 972 do Código Civil (CC), o qual estabelece que “podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos”.
 
Dessa forma, os maiores de 18 anos, brasileiros ou estrangeiros, que se acham na livre administração de sua pessoa e de seus bens, via de regra, possuem capacidade para serem sócios, bem como o menor emancipado ou o incapaz devidamente representado, na forma da lei.
 
Todavia, a legislação prevê hipóteses de impedimento relativa à capacidade de ser sócio para pessoas em pleno gozo da capacidade civil, como em decorrência de falência (artigo 102 da Lei 11.101/05), de cargo público (magistrados e membros do Ministério Público, artigo 36, I, da LC nº 35/1979 e artigo 128, II, “c”, da Constituição Federal) e ainda aos cônjuges, entre si, quando casados pelo regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória (artigo 977 do CC).
 
Esse tema causava debates no ordenamento jurídico pátrio desde muito antes da vigência da atual codificação. O Código Civil de 1916 não continha semelhante vedação de contratação de sociedade empresária entre cônjuges, mas até determinado período histórico, havia confusão entre o patrimônio dos consortes, sendo todos os bens administrados pelo marido. Além disso, fazia-se presente preocupação entre os juristas de que a sociedade contratada entre cônjuges se constitui fraude contra credores e verdadeira “sociedade unipessoal”, sem efetiva pluralidade de sócios, em razão da identidade de patrimônios.
 
Nesse sentido:
 
“Havia também o argumento de que com a participação de esposos na sociedade, estar-se-ía burlando uma das características das sociedades limitadas, qual seja, a da individualização dos sócios, porquanto estando marido e mulher insertos na mesma sociedade seriam como único sócio. Com vistas a que em épocas passadas, quem administrava a sociedade conjugal era somente o marido, a esposa desta forma estaria sendo mera figurante nos quadros societários. Todas estas argumentações diziam respeito ao regime de comunhão universal de bens”.
 
Todavia, a evolução legislativa e jurisprudencial, de forma que desde 1941 o Supremo Tribunal Federal entendia pela possibilidade de sociedade entre cônjuges, sedimentando-se a situação com a promulgação da CF, que disciplina a igualdade entre os sexos.
 
Por esse motivo, a atual vedação trazida pelo CC é dita por muitos como verdadeiro retrocesso legislativo, sustentando-se, inclusive, sua inconstitucionalidade em razão de afronta aos princípios da igualdade e da livre iniciativa, enfrentando críticas por parte da doutrina, uma vez que interfere diretamente na autonomia e liberdade de pessoas de exercer atividade profissional e associar-se.
 
Cumpre notar que, hodiernamente, é absolutamente comum a contratação de sociedade empresária por pessoas casadas entre si, as quais optam por exercer e desenvolver atividade empresária em comunhão de esforços. Entretanto, questiona-se se sustenta a necessidade de manutenção do impedimento legal erigido no artigo 977 do CC, que representa verdadeiro entrave aos casados pelos regimes da comunhão universal e da separação obrigatória.
 
Importa perceber que tal discussão não é meramente teórica, uma vez que o CC estabelece séria consequência prática para aqueles que, legalmente impedidos, ainda assim exerçam de fato a atividade empresária à revelia da norma legal, qual seja, a de responder pessoalmente pelas obrigações contraídas (artigo 973 CC).
 
Ao estabelecer tal vedação, o legislador presumiu a existência de fraude contra credores e/ou meação, confusão no que tange ao patrimônio das pessoas físicas e da pessoa jurídica, além de infundada “sociedade unipessoal”, argumentos estes que não se sustentam na atualidade do ordenamento jurídico.
 
Em primeiro lugar, porque a ocorrência de fraudes contra credores ou contra a meação não pode ser simplesmente presumida, considerando a separação da personalidade jurídica da sociedade empresária. Ainda, é seguro dizer que o ordenamento jurídico pátrio já evoluiu suficientemente para socorrer eventos de utilização da pessoa jurídica como instrumento de fraude, com a incorporação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (artigo 50 do CC).
 
Em segundo lugar, não é possível falar-se em confusão patrimonial, uma vez que os valores patrimoniais aportados na sociedade empresária a título de integralização do capital social passam a pertencer a sociedade e se prestam ao exercício de seu objeto social, não mais compondo o patrimônio pessoal dos sócios, o que igualmente decorre da autonomia da personalidade jurídica da sociedade empresária regularmente constituída.
 
Por fim, ainda que não se levasse em conta tal autonomia patrimonial e a própria subsidiariedade e limitação da responsabilidade dos sócios que contratam entre si sociedade empresária limitada, na eventualidade de se considerar que a contratação de sociedade entre cônjuges casados pelo regime da comunhão universal ou da separação obrigatória como verdadeira sociedade unipessoal, já evoluiu o ordenamento jurídico brasileiro no sentido de admitir a contratação de sociedade consigo mesmo, para fins de marginalizar a corriqueira prática de sociedades “de fachada”, onde um dos sócios figurava como mero “laranja”, “testa de ferro”, para fins de compor a pluralidade do quadro de sócios anteriormente exigida por lei (artigo 1.052, §1º, CC).
 
Dessa forma, parece acertado dizer que não se susta, atualmente, qualquer justificativa para a vigência do artigo 977 do CC, verdadeiramente ultrapassado e frontalmente ofensivo ao princípio da igualdade, da autonomia privada, da livre iniciativa e até mesmo da proteção da família, pois interfere injustificadamente na margem da autonomia privada dos cônjuges no que tange às formas de melhor gerir suas atividades profissionais, seus patrimônios e de administrar, conjuntamente, a família.