Direito Espanhol 
 
O sistema registral imobiliário espanhol foi inaugurado com a edição da Lei Hipotecária de 1861, que estabeleceu uma regra geral de registrabilidade dos fatos jurídicos aquisitivos, modificativos ou extintivos de direitos reais em geral.
 
No sistema então implementado, foi atribuído caráter em regra declaratório e voluntário à inscrição, que embora se mostre imprescindível para atribuir eficácia erga omnes aos direitos reais, não é requisito necessário para sua constituição. Dessa forma, constata-se uma clara cisão entre direitos reais conforme sua eficácia: de um lado, existem direitos reais com eficácia inter partes, e de outro, direitos reais com eficácia erga omnes.
 
Isso explica a amplitude da autonomia da vontade na configuração dos direitos reais pelos particulares. Vale dizer, são livremente moldáveis justamente porque em princípio valem apenas inter partes, assim como os direitos obrigacionais. Não obstante, apenas o conteúdo propriamente real dessas relações jurídicas pode ingressar no Registro, assumindo eficácia oponíveis erga omnes.
 
Embora a doutrina espanhola identifique o modo na traditio, esta não deixa de ser uma formalidade situada no campo do consenso, sendo inclusive definida pela doutrina como “um acordo de vontade das partes tendente à execução do negócio dispositivo”. Esse acordo pode tanto derivar da própria escritura (que é o que ocorre em regra, tendo em vista a presunção legal) como ser a ela posterior, mas em todo caso trata-se de um acordo de vontade, não podendo ser confundido com o conceito de modo em sentido próprio.
 
Por mais que se tente discernir na lavratura da escritura um título e um modo (negócio jurídico e traditio, respectivamente), o que há é apenas um título cuja eficácia real depende da concorrência de determinadas formalidades que permitam inferir a vontade de transmitir, que pode ser implícita na outorga de escritura pública, ou até mesmo explícita em momento superveniente. Daí poder-se dizer que essa transmissão opera pelo consenso, mas não pelo simples consenso.
 
Sendo assim, na contramão da opinião doutrinária dominante, que classifica o sistema espanhol como um sistema do título e modo (qualificado, ainda, como complexo), defender-se a sua classificação como um sistema do título complexo. De fato, ao dispensar o registro como elemento constitutivo dos direitos reais, tem-se que o sistema espanhol é regido pelo princípio do consenso, aproximando-se de outros sistemas do título como o português.
 
Trata-se, contudo, de um sistema do título complexo pois, para que ocorra a transmissão o consenso deve se revestir formalidades específicas, dentre as quais aquelas relacionadas à efetivação da traditio.
 
É então possível concluir, na contramão da opinião doutrinária dominante, que o sistema de transmissão imobiliária espanhol é do título complexo, e não do título e modo. Essa tese se amolda melhor ao arcabouço normativo desse sistema, segundo o qual a inscrição é em regra voluntária e declaratória, e grande parte dos direitos sobre imóveis se forma, se modifica e se extingue à margem do Registro.
 
O que deve ficar claro é que o princípio do consenso determina ser sistema do título, porque a propriedade se transmite antes do registro, o qual passa a ser facultativo. Ainda, pode ser considerado um sistema do título complexo na medida em que ostenta peculiaridades que o distanciam dos demais sistemas do título existentes. Essas complexidades – e até mesmo algumas perplexidades – se evidenciam sobretudo em relação ao sistema delineado pela Lei Hipotecária, ou seja, ao regime jurídico incidente sobre a propriedade já inscrita.
 
Sucede que a compreensão do registro espanhol como um sistema do título e modo repousa na concepção de que a função do modo, nesse sistema, é exercida pela traditio, no sentido tradicional de entrega do bem (que é a terminologia empregada no ordenamento brasileiro em relação à transmissão de bens móveis), que historicamente se estendiam aos imóveis, hoje substituída pelo registro. Ou seja, a despeito do caráter em regra declaratório do registro, o sistema espanhol seria do título e modo porque o modo não seria o registro, e sim a traditio.
 
Essa tese não se coaduna com a concepção de modo ora adotada, segundo a qual o modo, em matéria de direitos imobiliários, corresponde sempre ao registro. Sob este prisma, o que se entende por traditio no sistema espanhol seria, na verdade, uma etapa adicional na manifestação do consenso, necessária para consolidar a constituição do direito real independentemente do modo, ou seja, do registro.
 
Assim, tem-se que por um lado o sistema espanhol é um sistema do título, regido pelo princípio do consenso, mas por outro adota o princípio da separação, assim como na Alemanha. Afinal, para que produza efeitos reais, o consenso no sistema espanhol é manifestado em duas etapas: o contrato propriamente dito, ou seja, o negócio jurídico obrigacional, e um acordo de vontade tendente à transmissão do direito real (traditio), que exsurge como um negócio jurídico dispositivo.
 
Outra característica que aproxima o sistema espanhol do alemão é a robusta proteção conferida aos terceiros, sobretudo em nome da fé pública registral.  Com efeito, muito embora o sistema espanhol adote o princípio da causalidade entre o negócio jurídico obrigacional e o júri-real, e entre aquele e o registro, essa causalidade encontra suas balizas na proteção dos terceiros. Ou seja, a possibilidade de invalidação do registro por inexatidão é limitada pela regra protetiva do terceiro hipotecário, cuja inscrição não será afetada por causas relativas aos titulares anteriores na cadeia dominial que culminou na constituição do seu direito.
 
A análise da regra protetiva do terceiro hipotecário pelo sistema espanhol conduz à conclusão de que a inscrição do título no Registro não apenas gera sua oponibilidade erga omnes como também implica uma espécie de efeito resolutivo, extinguindo eventuais direitos reais inter partes incompatíveis ou contraditórios anteriormente constituídos sobre o imóvel. Pode-se até mesmo afirmar, nessa linha, que a inscrição implica uma abstração relativa.
 
Essa forte proteção conferida aos terceiros hipotecários tem como epicentro a norma do art. 34 da Lei Hipotecária espanhola, e decorre do fato de que, assim como o sistema alemão, o sistema espanhol é baseado na segurança do tráfico jurídico, ou seja, na segurança dinâmica. Assim, embora tutele a segurança estática (sobretudo pela consagração do princípio da legitimação), há uma clara prevalência da segurança dinâmica nas hipóteses de colisão entre ambas. É essa é a chave de compreensão do sistema arquitetado pela Lei hipotecária.
 
Na Espanha, a doutrina e jurisprudência majoritárias – inclusive do Tribunal Supremo – entendem que o sistema ordinário de transmissão de imóveis se consuma no âmbito extrarregistral, sendo regido pelos arts. 609 e 1.095 do Código Civil. Nesse sentido, o registro serviria sobretudo como instrumento legitimador de aquisições a non domino, em determinadas situações previstas em lei.
 
Nessa concepção, os efeitos produzidos pelo registro seriam restritos, a saber: i) a inoponibilidade (art. 606 do Código Civil e 32 da LH); ii) presunção iuris tantum de titularidade e posse conforme consta no registro (art. 38 LH); iii) proteção de determinados adquirentes a non domino, legitimando sua aquisição em prol da segurança jurídica do tráfico imobiliário (art. 34 LH).
 
Essa interpretação restritiva do alcance da fé pública registral, inspirada na tradição romana, se deve ao fato de que seus preceitos implicam um sacrifício ao direito do verus dominus, ou seja, aquele que adquiriu anteriormente sob a égide do art. 609 do Código Civil. Por isso, tal proteção deveria ser excepcional e plenamente justificada, de modo que ficaria restrita às situações de dupla disposição sucessiva de um mesmo bem pelo titular registral.
 
No entanto, uma corrente minoritária defende que o papel da fé pública no sistema espanhol é mais amplo, já que ela tem diversas funções e produz efeitos mesmo quando não há dupla disposição. Vale dizer, embora o registro tenha por função, em determinados casos, legitimar aquisições a non domino, tal não é sua única nem principal finalidade.
 
Aliás, essa seria uma função extraordinária do registro, cuja função ordinária se mostra na realidade cotidiana, em que na maioria dos casos há coincidência entre o titular registral e o titular negocial (verus dominus).
 
Quanto à natureza jurídica do procedimento registral, predomina o entendimento de que não é propriamente administrativa nem judicial, sobretudo por tratar de questões civis e não envolver litígio entre as partes. Por isso, é geralmente considerado uma modalidade de administração pública dos interesses privados, mais especificamente um procedimento de jurisdição voluntária.