Tivemos nos últimos anos um avanço memorável da permissão legal na resolução dos conflitos pelos advogados e partes, valendo-se dos cartórios extrajudiciais
 
Tivemos nos últimos anos um avanço memorável da permissão legal na resolução dos conflitos pelos advogados e partes, valendo-se dos cartórios extrajudiciais.
 
A Política Pública de Resolução dos Conflitos consiste na atuação dos Poderes Públicos irmados, e entidades de prestação de serviços essenciais, com base em dados seguros, para que melhorias sejam introduzidas com a finalidade de obter resultados úteis na concretização das estratégias nas diversas áreas sociais em prol do cidadão, visando principalmente “assegurar a justiça fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. (Preâmbulo da Constituição Federal de 1988).
 
E é inegável a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil e dos Cartórios Extrajudiciais no compartilhamento de métodos mais céleres para a resolução eficiente das questões jurídicas, gerando resultados seguros, efetivos e rápidos, fundados na respeitabilidade à cidadania.
 
Essa “spertise” conjugada entre essas duas entidades de prestação de serviços públicos vem produzindo, dentro de um ambiente de consensualidade e acordo, benefícios incomensuráveis ao cidadão na resolução de questões diversas, com a marca da segurança jurídica, rapidez e eficácia!
 
Desde 2007, com o advento da lei Federal número 11.441, possibilitou-se ao Cartório de Notas, com a presença imprescindível do advogado, que o procedimento do inventário se realizasse através de simples Escritura Pública, para formalizar a partilha de bens e direitos do falecido entre seus herdeiros e legatários.
 
Faço esta afirmativa da possibilidade da Escritura Pública, ainda que haja testamento, desde que devidamente registrado judicialmente, com fulcro em recente posicionamento jurisprudencial emanado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, através de brilhante decisão, datada de 15 de outubro de 2019, relatada pelo Ministro Luís Felipe Salomão, da 4ª Turma daquele Sodalício, no REsp número 1.808.767/RJ.
 
É certo que há que se recorrer, necessariamente, ao meio judicial quando houver herdeiros menores ou incapazes.
 
Decisão recentíssima da lavra do Meritíssimo Juiz da 3ª Vara Cível comarca de Leme (interior do Estado de São Paulo), excelentíssimo doutor Márcio Mendes Pícolo, autorizou a inventariante, por alvará, a representar os Espólios e também o menor impúbere, na escritura de inventário extrajudicial, observadas as cautelas legais, escolhido pelas partes o tabelião do município de Cachoeira das Emas, da comarca de Pirassununga (SP), para lavratura do ato notarial, com partilha igualitária e em comunhão, nos bens deixados pelos “de cujus” (processo número 1002882-02.2021.8.26.0318).
 
Oxalá em futuro próximo, com os meios técnicos modernos de comunicação, possamos ter também esses inventários processados, ainda que haja herdeiros menores, pela Escritura Pública, com chancela obrigatória do Ministério Público, através da validação e assinatura eletrônica e homologação pelo Meritíssimo Juiz Coordenador do CEJUSC ou titular de Vara de Família ou Vara Cível.
 
A mencionada lei 11.441/77, também permitiu que o DIVÓRCIO e a DISSOLUÇÃO da união estável e possível partilha de bens sejam tratados em Escritura Pública, com a presença obrigatória do advogado, desde que não haja interesse de menores ou incapazes.
 
Se já resolvidas as questões atinentes à guarda e alimentos dos filhos menores, no procedimento judicial próprio, a conversão da separação judicial em divórcio poderá ser processada em Cartório, através da Escritura Pública adequada.
 
Bastará às partes, apresentarem essa Escritura Pública perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e Oficial Registrador de Imóveis, para as alterações competentes e averbações necessárias, no que diz respeito, exemplificativamente,  ao nome que passarão a adotar e à titulariedade da propriedade dos bens imóveis.
 
O desembargador aposentado Narciso Orlandi, que foi juiz auxiliar da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, no I Congresso Internacional de Direito Notarial e Registral, realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, no painel sob o título: Advocacia Extrajudicial na Prática,  “comentou a respeito da essencialidade dos advogados conhecerem e estudarem o Direito Notarial com muita leitura, a fim de contribuirem ainda mais e de forma cada vez melhor, para a realização de atos nos cartórios do Brasil”.
 
A atividade extrajudicial exercida no congraçamento com a atividade da advocacia, em vários casos, “contribui para desafogar do Judiciário brasileiro, além de mitigar custos e tempo dos requerentes e gerar economia aos cofres públicos”, na feliz expressão utilizada pela notária Rebeka, naquele mesmo citado Congresso.
 
É de se ressaltar a utilização, nos últimos anos, do planejamento sucessório nessa conjugação das atividades do notário e do advogado, em prol de clientes que procuram tomar providências, em vida, para futura divisão da herança, evitando conflitos, dilapidação de patrimônio e descontinuidade de empresa familiar. São exemplos do planejamento sucessório: a)  o testamento (público ou privado), b) a holding familiar (torna os herdeiros sócios e evita uma possível interrupção das atividades empresariais) e c) as doações em vida (com ou sem direito de usufruto), os quais podem ser viabilizados através de simples Escritura Pública confeccionada no Tabelionato e Notas, dentre outros.
 
O Conselho Nacional de Justiça, em recente publicação citou mais de 156.706 inventários celebrados em 2020, através dos Cartórios de Notas, com a participação obrigatória dos advogados, número superior a duas vezes os 62.944 feitos em 2008, um ano completo após a vigência da lei 11.441/2007.
 
“Viu-se, também, no campo da extrajudicialização do direito de família, a edição do Provimento 63/2017 do CNJ, que inovou no cenário da filiação socioafetiva, trazendo a possibilidade de se reconhecer a paternidade ou a maternidade diretamente, sem intervenção do Poder Judiciário, nos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais – RCPN.
 
Nesta trajetória, de forma paradigmática, foi editado o Provimento 73/2018 do CNJ, que em seu Artigo 2º nos trouxe: “Toda pessoa maior de 18 anos completos habilitada à prática de todos os atos da vida civil poderá requerer ao ofício do RCPN a alteração e a averbação do prenome e do gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida”.
 
Logo mais, à guisa dos ditosos resultados, foi editado também o Provimento 82/2019 do CNJ, possibilitando a alteração do nome do genitor diretamente no RCPN.
 
Ainda na contramão da cultura da excessiva judicialização, o Código de Processo Civil de 2015, trouxe à baila novos ideais para a resolução de litígios e conflitos, dentre eles, a mediação e a conciliação. Nesse diapasão, o Provimento  67/2018 do CNJ, permitiu aos serviços notariais e de registro a realização da mediação e conciliação na esfera administrativa, oferecendo assim alternativa mais célere aos cidadãos e o afrouxamento das excessivas demandas da máquina judiciária.
 
Destarte, também por meio do Código de Processo Civil de 2015, tivemos a possibilidade da realização da Usucapião Administrativa que, regulamentada pelo Provimento 65/17 do CNJ, inovou o procedimento desta forma de aquisição originária da propriedade que, indubitavelmente, sempre se tratou de processo oneroso, burocrático e que se alongava por anos nas prateleiras do Judiciário.
 
Nesse desiderato, temos importante Projeto de lei 6.204/19, de autoria da senadora Soraya Thronicke, que visa implementar na competência dos Cartórios de Protesto de Títulos a função de “agentes de execução” para processos pendentes no Judiciário que já possuem títulos exequíveis.    
 
Registra-se, finalmente, nesta tendência da extrajudicialização, a brilhante inovação do CNJ, por meio do Provimento 100, que possibilitou a prática dos atos notariais eletrônicos, por intermédio da plataforma e-Notariado, pela qual as partes podem à distância, mediante videoconferência e assinatura digital, efetuar atos notariais diversos”.
 
Permito-me colocar entre “aspas' e no 'itálico”, esse trecho do brilhante artigo subscrito pelo digno Tabelião Substituto do 15º Oficial de Notas da cidade do Rio de Janeiro, doutor Thiago Maciel, inserto no “Migalhas” 5.163, datado de 11 de agosto de 2021, sob o título “Medidas desjudicializantes”, valendo destacar o tópico final em que o ilustre tabelião pondera, com percuciência ímpar:
 
 “….denota-se que a tendência das medidas desjudicializantes, por meio das Serventias Extrajudiciais, é fato irrefreável, sem o qual, hodiernamente, o direito fundamental do acesso à justiça sobejará mitigado para grande parcela da população que, ciente de tais benefícios, já utiliza tal ferramenta como forma adequada e eficiente para consecução de seus direitos e o alcance da autonomia privada (Art. 421 do CC). Logo, revela-se imprescindível que o legislativo brasileiro e os operadores do direito de modo amplo, busquem novos meios para o exercício pleno do acesso à justiça como vetor axiológico da manutenção do Estado Democrático de Direito”.
 
É preciso que advogados e notários ajam com humildade no compartilhamento de métodos mais céleres e que possam gerar resultados seguros, efetivos e eficientes, em prol dos cidadãos, visando retirar do Judiciário aqueles conflitos que possam ser resolvidos pelos meios pacíficos.
 
A importância desse congraçamento entre notários e advogados resultará, por certo, na sensível diminuição dos conflitos judiciários que têm origem na época antes de Cristo, e que foram repudiados por Confúcio, filósofo chinês, que defendeu com veemência ao longo de toda sua trajetória  (551 a 479 AC), os princípios da moralidade pessoal e governamental, buscando o ideal de Justiça, por meio da ética na conduta individual. Afirmava que cada um deve ser responsável por fazer o bem e respeitar o próximo (e aqui reside a virtude humana). Se —  e somente se – esses valores não pudessem ser alcançados, é que se buscaria o direito positivo através da judicialização, situação essa que beirava a desonra.
 
A virtude é um hábito e, portanto, deve ser exercitada frequentemente.
 
O indivíduo que está em contato com suas virtudes, sempre estará forte para tomar decisões justas, conscientes e acertadas.
 
Referindo-se à nossa cultura demandista, o professor e desembargador aposentado Aloísio de Toledo César, quando Secretário da Justiça no Estado de São Paulo, teve a oportunidade de recepcionar no gabinete do Excelentíssimo Governador, o ministro japonês e dele apreendeu algo surpreendente: “para um japonês, … é motivo de humilhação ter de recorrer ao Judiciário e fazer o Estado gastar, porque representa a confissão de que não teve competência para resolver o seu problema pessoalmente. Fiel a essa conduta e a essa cultura, o japonês se esforça para obter conciliação e, assim, evitar a vergonha de ter de acionar juízes e provocar trabalho e despesas para o Estado. A dignidade, no caso, está em evitar o processo judicial, e não em provoca-lo”.
 
Não é o conflito que gera a discórdia; o conflito tem origem antecedente repousando na inveja, no ódio, na miséria e na ambição.
 
E é justamente nessa disseminação, que vem sendo feita por advogados e notários, da cultura da pacificação, que reside o meio próprio do desafogo do Judiciário na busca da solução dos conflitos.
 
Com muita propriedade a professora Márcia Ferreira Alves Pereira, anota que: “a própria correria de todos os dias, o ritmo acelerado faz com que as pessoas desenvolvam a impaciência, a intolerância nos vários tipos de relacionamentos, fato este que leva ao aumento de conflitos sejam sociais, familiares, no trabalho, consumeristas, enfim, o diálogo e a busca amigável por ambos os lados me parece que está se distanciando, de maneira que o processo ainda é visto como solução. … Como dito, apesar de ser direito de todos acessar a Justiça, há que se colocar em mente que a cultura de levar “quase tudo” ao juiz deveria ser substituída, sempre que possível, pela pacificação, meios amigáveis de solucionar conflitos, pois no fim o objetivo maior de um processo judicial é justamente este: o alcance da paz social, assegurando a segurança jurídica”.
 
É preciso deixar que o Judiciário só se ocupe dos conflitos que, necessariamente, só podem ser resolvidos pelo meio adjudicado da sentença.
 
Os conflitos que permitam solução através dos meios pacíficos, devem ser estimulados à essa resolução pelos advogados e notários  pelos métodos mais céleres como a Escritura Pública e a mediação extrajudicial.
 
Aqui, a declaração da vontade se faz presente guiada pelo bom senso, pela ética na conduta individual e, acima de tudo, pela fraternidade que se constitui e continuará se constituindo no único caminho para elevação da vida humana!
 
Mais de oitenta por cento (80%) dos conflitos levados à barra dos Tribunais, no Brasil, poderiam ser resolvidos pelos meios pacíficos.
 
Tivemos grande avanço, nos últimos anos, mas precisamos de mais e mais!
 
O sonho maior que nutro, como cartorário nos idos de 1962 a 1972 (quando a serventia era não oficializada no interior do Estado de São Paulo), advogado no lustro seguinte e juiz por trinta e sete (37) anos, volvendo à advocacia/mediação depois da aposentadoria, agora por mais outro lustro, é de que os Cartórios de Notas e também os de Registro Civil e tabelionato por lei, nos distritos e municípios pequenos, se sirvam do advogado/mediador/conciliador para lavrar instrumentos próprios de resolução dos conflitos, através de escrituras públicas ou instrumentos próprios no procedimento de mediação, subsidiados estes e aqueles pelos Convênios, instituídos entre a Ordem dos Advogados do Brasil, o Colégio Notarial e as entidades de direito público Municipais e Estaduais, em prol da nossa coletividade sofrida e pobre, como exemplo da fraternidade humana, agora mais aguçada depois da experiência global provocada pela pandemia.