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“O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as repercussões no casamento e na união estável” – por Bruna de Oliveira Araujo

Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso visa estabelecer a relevância dos direitos à inclusão social e igualdade aos deficientes de todos os gêneros, e as vantagens que a inserção dessas pessoas propícia a toda sociedade brasileira. É notório, que a família, base da sociedade, é um dos pressupostos indispensáveis para se estabelecer a inclusão, uma vez que a integração social, inicial, provém do âmbito familiar. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, no mesmo sentido, dispõe expressamente em seu Art.6º, inciso I, acerca da possibilidade de deficientes casarem e constituírem união estável, fato este que assegura a livre manifestação de vontade, dessas pessoas, mais precisamente, o exercício de seus direitos inerentes a entidade familiar. Desse modo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência será analisado no âmbito das repercussões no Casamento e da União Estável, a luz dos princípios da igualdade, inclusão social, afetividade e dignidade da pessoa humana, juntamente com as alterações na teoria da incapacidade.[1]
 
Palavras-chave: Direitos Fundamentais.; Inclusão social.; Teoria das Incapacidades.; Casamento.; União Estável.
 
Sumário:
1 Introdução.
2 Contextualização histórica dos Direitos Fundamentais.
3 Direitos de Igualdade com fundamento no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
4 As Alterações na Teoria da Incapacidade e o Direito a Inclusão Social previsto na Lei 13.146/2015.
5 O instituto do casamento e suas alterações com o princípio da afetividade.
6. A possibilidade de pessoas com deficiência constituir União Estável, após a vigência da Lei 13.146/2015.
7 Conclusão. Referências. Anexos.
 
1. INTRODUÇÃO.
 
Sabe-se, que os direitos e as garantias fundamentais ‘‘são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor condição econômica ou status social’’ (BULOS, 2012, p. 328) e estão passando pelas diversas revoluções históricas para serem aperfeiçoados as necessidades dos seres humanos. Assim, as normas buscam incessantemente representar a realidade vivenciada em cada momento histórico.
 
Dentre esses direitos e garantias, destaca-se o direito de igualdade e a dignidade da pessoa humana, encontrados e resguardados pela Constituição Federal de 1988 bem como pelas convenções e tratados internacionais. No entanto, no que se refere as convenções e tratados internacionais é necessário que o Brasil seja signatário. Uma vez que, esses possuem elevado destaque no ordenamento jurídico vigente, e devem ser protegidos de forma ampla e irrestrita, em conformidade com os ditames constitucionais.
 
Ocorre, porém, que tais direitos mesmo possuindo toda essa fundamentação e tratarem de valores supremos, são inobservados frente aos deficientes, pois esses ainda sofrem com a destinação de preconceitos e privação de direitos. Dessa forma, no dia 07 de julho de 2015 foi publicada a Lei 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, com o intuito de efetivar e promover, em condições de igualdade o exercício desses direitos aos portadores de deficiência.
 
Entretanto, após a vigência da Lei supracitada, questiona-se, com a redefinição da Teoria da Incapacidade e a possibilidade de casar e constituir união estável aos portadores de deficiência, a efetivação da inclusão social, desde que observados os princípios aludidos, será materializada de forma benéfica ou maléfica?
 
De forma a responder esta problemática, passa-se ao estudo do surgimento, definições e os preceitos basilares dos direitos supramencionados. Alcançando assim uma conclusão baseada na racionalidade lógico-jurídica para entender que as pessoas que apresentam, em caráter permanente, perdas ou reduções de sua estrutura, ou função anatômica, fisiológica, psicológica ou mental não traduz tal fato a uma cessação, mas um meio de proteção específico daqueles que necessitam, evitando-se a sua exclusão social.
 
Logo, o método utilizado no presente Trabalho de Conclusão de Curso será o dedutivo a partir de pesquisa bibliográfica, efetuando análises e verificações concernentes em relação ao assunto proferido. O objetivo geral é analisar a inclusão do portador de deficiência a sociedade através do casamento e da união estável, e as vantagens que esta inclusão traz não apenas aos portadores de deficiência, mas, principalmente, à sociedade como um todo, após as alterações realizadas pela Lei 13.146/2015. Objetivo esse que será desmembrado em três objetivos específicos: divulgar as alterações que revolucionaram a tradicional teoria civilista de incapacidade; interpretar como serão instituídos o casamento e a união estável para pessoas que tenham o discernimento reduzido por qualquer causa; e delinear os critérios que devem ser adotados pelo judiciário para proporcionar aos portadores de deficiência o direito à inclusão social.
 
O primeiro tópico terá seu enfoque nos aspectos introdutórios aos direitos fundamentais; no segundo tópico será exposto os direitos de igualdade e dignidade da pessoa humana; o terceiro tópico abordará as alterações na teoria da incapacidade e o direito à inclusão social; o quarto tópico terá seu enfoque no instituto do casamento e suas alterações com o princípio da afetividade, e no quinto tópico será mencionado a possibilidade de pessoas com deficiência constituir união estável, após a vigência da Lei 13.146/2015.
 
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
 
Alguns doutrinadores afirmam que os direitos fundamentais possuem uma extensa narrativa, e várias correntes contradizem em relação a sua origem. Desse modo, “há quem vislumbre suas primeiras manifestações no direito da Babilônia desenvolvido por volta do ano 2000 a. C., quem os reconheça no direito da Grécia Antiga e da Roma Republicana e quem diga que se trata de uma ideia enraizada na teologia cristã. ” (DIMOULIS, MARTINS, 2012, p.10).
Entretanto, devido a extensão teórica, esse estudo restringe-se aos direitos fundamentais na órbita jurídica brasileira.
 
 Não obstante, sabe-se que os direitos fundamentais, evoluíram demasiadamente, e são classificados essenciais para todo e qualquer ser humano.
Contemporaneamente, no Brasil, os direitos fundamentais são constatados a partir da junção do Estado, Indivíduo e Norma. O Estado, pois, trata-se de um poder centralizado, o qual controla determinado território e impõe suas decisões, é necessário para garantir e cumprir a função estatal, principalmente, a limitação do poder deste em face do indivíduo. O indivíduo, é o detentor dos direitos, e pode utilizá-los em face do Estado e da sociedade. E por fim a norma, que estabelece o nexo entre o Estado e os indivíduos, através da Constituição. Porém, é necessário destacar a possibilidade de direitos e garantias implícitos na Constituição.
 
É sabido que a Constituição norma suprema do ordenamento jurídico e possuidora de força vinculante máxima é o local apropriado para positivar os direitos fundamentais, pois são considerados o pilar de todo Estado Democrático de Direito. Mas, para entender com maior clareza, faz-se necessária à sua observação histórica, uma vez que as mudanças guardam relação de proximidade com a própria caracterização desses direitos, além de revelar a exata evolução da sociedade tal qual conhecemos hoje.
 
Desse modo, a percepção acerca de quais são os direitos reconhecidos como fundamentais modificam de tempo em tempo e de localidade para localidade. Assim, sendo, são direitos históricos, os quais evoluem conforme a necessidade e as peculiaridades da sociedade. Logo, aquele direito fundamental configurado num determinado período e numa certa nação não é fundamental em outros períodos e em outras nações.
 
Considerando a cronologia dos direitos fundamentais adquiridos pelo homem, não há que se falar em substituição, mas, aperfeiçoamento. Dessa forma, a doutrina atualizada denomina a evolução temporal dos direitos supracitados em ‘‘dimensões’’, uma vez que essa classificação compreende o feito da ‘‘dimensão’’ anterior.
 
Trata-se de direitos fundamentais de primeira dimensão, os que surgiram após as Revoluções Francesa e Norte Americana, de modo que se relacionam aos valores à vida, à liberdade de locomoção, à expressão, à segurança do indivíduo em oposição ao Estado, são direitos com caráter negativo, uma vez que impõe a obrigação de não fazer diretamente ao Estado, seu principal destinatário. Logo, apresentavam-se como uma limitação da atuação estatal, fazendo restrita sua intervenção, fato esse que não permite a violação na esfera individual do ser humano.
 
Noutro norte, após a Revolução Industrial, à sociedade em decorrência do crescimento populacional e diferenças econômicas, passou a ter necessidade de condições mínimas de vida digna e trabalho com qualidade. Logo, era preciso uma dimensão que minimizasse as desigualdades sociais. Nesse contexto, surge a segunda dimensão dos direitos fundamentais, baseada na igualdade pelos direitos sociais, culturais e econômicos. No entanto, nessa dimensão a atuação do Estado é caracterizada positivamente, pois impõe uma obrigação de fazer, de forma a exigir deste, o fornecimento de políticas sociais, buscando assegurar a igualdade e o bem-estar em favor de todos.
 
Essa dimensão realça o princípio da igualdade material, pois a individualização dos direitos de igualdade, não se apresentou competente para tornar possível à classe minoritária a mesma oportunidade que apresentava as pessoas notadamente privilegiadas. Assim, para obter a efetividade do princípio em comento, é necessário considerar sua operacionalização, condições econômicas e fáticas. Dessa maneira, passa-se a considerar a justiça social, no âmbito das desigualdades existentes singularizadas.
 
Na terceira dimensão, os direitos são transindividuais, isto é, pertence a todo o gênero humano, não existe direcionamento específico, pois são consagrados os direitos difusos como um todo, trazendo o meio ambiente equilibrado, a vida saudável e pacífica, o progresso, a autodeterminação dos povos, entre outros direitos como o conjunto de direitos de solidariedade ou fraternidade. Nesta dimensão o Estado e a coletividade, devem atuar positivamente para preservar esses direitos. No mesmo sentido, manifesta-se o Supremo Tribunal Federal ‘‘ […] Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). […]’’.
 
No que tange a quarta dimensão, pode-se mencionar que sua fundamentação ocorre na globalização política, desse modo compreende os direitos à democracia, a informação e ao pluralismo, os quais correspondem a fase terminante de institucionalização do Estado social. Frisa-se, esses direitos não excluem os direitos previstos nas dimensões anteriores.
 
Como se vê, os direitos fundamentais não se manifestaram conjuntamente, mas em períodos diferentes de acordo com a necessidade de cada época, tendo esta consagração progressiva e consecutiva nos textos constitucionais, fato este que originou à classificação em dimensões.
 
Superada a evolução, nota-se que o surgimento dos direitos fundamentais coincide com o início do Estado de Direito, uma vez que é nesse momento histórico que se começa a questionar a respeito da indispensabilidade de proteção do indivíduo perante o Estado, atuando como um limitador ao arbítrio deste.
 
Por consequência, os direitos passaram a ser materializados e exigíveis juridicamente para os portadores de deficiência, uma vez que ‘‘antes, buscavam proteger reivindicações comuns a todos os homens passaram a, igualmente, proteger seres humanos que se singularizam pela influência de certas situações específicas em que apanhado’’. (MENDES, BRANCO, 2015, p. 156)
 
Assim, devido a materialização dos direitos fundamentais, atualmente, os portadores de deficiência de todos os gêneros, podem obter uma relação igualitária de acessibilidade, inclusão social e garantias de seus direitos independentemente das suas diferenças. Trata-se de inovação temporal, uma vez que estes eram reconhecidos como incapacitados e defeituosos, fato que impossibilitava a aquisição dos mesmos direitos e garantias da elite burguesa, brancos e outros privilegiados de poder e destaque social.
 
Quanto a aplicabilidade dos direitos fundamentais, o texto constitucional brasileiro dispõe ser imediata, conforme artigo 5º, §1º, isto é, não necessitam de nenhuma complementação para se tornarem executáveis. Entretanto, há direitos os quais precisam de regulamentação ordinária para a produção de seus efeitos, pois, estão previstos em normas de eficácia limitada.
 
Por outro lado, é estabelecida a relatividade dos direitos aludidos dado que não são absolutos, e num eventual confronto entre eles, em situação concreta, serão observados os princípios da proporcionalidade ou razoabilidade, pois deve-se buscar a conciliação através da interpretação do litígio.
 
Exemplo bastante evidente quanto a relatividade dos direitos fundamentais é a decisão do Superior Tribunal Federal no RE 643362 DF, conforme pode-se observar no trecho: “[…] não há direitos fundamentais absolutos, de modo que eles podem ser limitados quando e na exata medida em que confrontarem/afetarem a preservação de outros valores constitucionais de igual hierarquia […]”.  (TOFFOLI, 2014)
 
Portanto, é possível compreender por meio das elucidações acima mencionadas que os direitos fundamentais são figuras notórias dentro do ordenamento jurídico vigente adaptadas constantemente para garantir sua aplicabilidade a todas as pessoas, conforme a necessidade e interesse do presente momento. E através deles se derivam regras e princípios que regem o ordenamento jurídico moderno. Dessa forma, passa-se ao estudo de um dos princípios originários dos direitos de fundamentais: os direitos de igualdade com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.
 
3 DIREITOS DE IGUALDADE COM FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
 
Etimologicamente, a palavra igualdade tem origem do latim ‘‘aequalita’’​, o que significa ‘‘ser igual’’, semelhante.
 
Segundo dicionário online de português, tem-se por igualdade a ‘‘falta de diferenças; de mesmo valor ou de acordo com mesmo ponto de vista, quando comparados com outra coisa ou pessoa; princípio de acordo com o qual todos os indivíduos estão sujeitos à lei e possuem direitos e deveres; justiça. ’’  (SANTOS, NEVES, CABRAL, 2016)
 
No âmbito jurídico, trata se de um princípio segundo o qual todos os indivíduos de um determinado Estado estão subordinados as mesmas regras do ordenamento, isto é, possuem os mesmos direitos e deveres.
 
Sob a égide da Constituição Federal de 1988, deflagra-se que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, é o que preconiza seu art. 5º ‘‘caput’’.
 
Destarte, é pacífico o entendimento de que, no contexto de um Estado Social garantista, não se busca apenas uma igualdade formal, mas também uma isonomia material.
 
Nesse sentido, Aristóteles, em suas sábias palavras, pontua que, cabe ao exegeta o dever de tratar igualmente ou iguais e desigualmente ou desiguais na medida de suas desigualdades.
 
É notório que não só a importância dos princípios enquanto normas, mas também a sua incidência em todo ordenamento jurídico. Pontua-se, a todo ramo do direito. O Min. Celso de Mello, ao retratar a importância do princípio da dignidade humana, em decisão do HC 85988-PA/STJ – 10.06.2005, defende ser a dignidade humana o princípio central de nosso ordenamento jurídico, sendo significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país, além de base para a fundamentação da ordem republicana e democrática.
 
No mesmo sentido, pela complexidade, importância e incidência, tem-se:
“A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. ” (MORAES, 2005, p.128)
 
Assim, o princípio da igualdade, consubstanciado pelo princípio da Dignidade da pessoa humana, vincula a atividade estatal tanto no âmbito judicial, quanto executivo e legislativo.
 
Neste contexto, a luz do artigo 1º do atual Código Civil, o qual confere que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, o Estado deve se abster de tomar determinadas medidas quanto ao poder sobre as imposições e limitações individuais, aqui compreendido, não intervenção estatal. Vislumbra-se, no que tange a tomada de decisão por parte do indivíduo, vigora o princípio da liberdade individual, pautado na autonomia da vontade, isto é, a independência da escolha seja no âmbito do matrimônio ou outra decisão.
 
Em contrapartida, a fim de conferir a igualdade entre os desiguais, o poder legislativo, em consonância com o que preconiza o artigo 1º, III, da Constituição Federal, bem como seu artigo 5°, “caput”, com o objetivo de eliminar as desigualdades perpetradas historicamente e acumuladas no tempo, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, estas, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros, editou a Lei 13.146/2015, a qual destina-se aos portadores de deficiência de todo  e qualquer tipo e, objetiva-se  assegurar e promover o exercício de seus direitos  em par de igualdade com os demais cidadãos.
 
4   AS ALTERAÇÕES NA TEORIA DA INCAPACIDADE E O DIREITO A INCLUSÃO SOCIAL PREVISTO NA LEI 13.146/2015.
 
Como já abordado no tópico anterior, o atual Código Civil, no seu art. 1º menciona que ‘‘toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil’’. Nesse tópico passa-se a explicar a personalidade jurídica, capacidade e a teoria da incapacidade e suas alterações juntamente com o direito a inclusão social.
 
É sabido, que para atuar na qualidade de sujeito de direito é necessário possuir personalidade jurídica, isto é, pessoa capaz de titularizar direitos e incumbir deveres. Entretanto, na época da escravidão os vassalos em tempo algum possuíam a denominação de pessoa, mas de “coisas” eram tratados como objeto de propriedade, e estavam fora da obtenção da personalidade e não poderiam atuar na qualidade de sujeitos de direito.
 
Mas, não há como deixar de registrar que o ser humano atualmente possui valor fundamental em si mesmo, sendo inigualável sua relevância, independentemente de sua origem.
 
A rigor, diversas teorias buscam explicar o início da aquisição da personalidade, para destinar a proteção dos direitos consagrados aos seres humanos. Considerando o Código Civil de 2002, em seu artigo segundo, é possível compreender que a constituição da personalidade civil da pessoa é estabelecida com o nascimento com vida, momento esse já previsto na codificação de 1916, revogada.
 
Porém, ainda se debate se o nascituro possui personalidade. No ordenamento brasileiro, este adquire desde o momento da concepção, uma vez que lhe é inerente o direito a nascer com vida, ser reconhecida a filiação dentre outros direitos na ordem jurídica. Assim o nascituro já possui direitos da personalidade. Não é pacífico esse momento. Alguns doutrinadores mencionam que “ o valor da pessoa humana, que reveste todo o ordenamento brasileiro, é estendido a todos os seres humanos, sejam nascidos ou estando em desenvolvimento no útero materno”. (FARIAS, ROSENVALD, 2012, p. 303)
 
É forçoso lembrar que o direito à vida é conferido ao nascituro também no Art. 5º da Constituição Federal de 1988 e no Art. 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, impondo maior segurança ao nascimento deste. Logo, ser pessoa e consequentemente possuir personalidade, é pressuposto básico para obtenção de direitos e deveres em conformidade com o Art.1º do Código Civil de 2002.
 
Assim, pode-se definir a capacidade como a medida jurídica da personalidade. Isto é, todas as pessoas detentoras de personalidade jurídica, possuem capacidade de direito, pois são capazes de adquirir e usufruir de direitos e ainda assumir deveres. Entretanto, é um conceito relativo, ao contrário da personalidade que é absoluta.
 
Nesse seguimento, é possível mencionar o posicionamento de Orlando Gomes:
“A capacidade de direito confunde-se, hoje, com a personalidade, porque toda pessoa é capaz de direitos. Ninguém pode ser totalmente privado dessa espécie de capacidade. E mais adiante: A capacidade de fato condiciona-se à capacidade de direito. Não se pode exercer um direito sem ser capaz de adquiri-lo. Uma não se concebe, portanto, sem a outra. Mas a recíproca não é verdadeira. Pode-se ter capacidade de direito, sem capacidade de fato; adquirir o direito e não poder exercê-lo por si. A impossibilidade do exercício é, tecnicamente, incapacidade”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 137)
Noutro norte, a capacidade é dividida em três subespécies. A primeira, é a capacidade de direito também conhecida como capacidade de gozo, trata-se da capacidade de adquirir direitos sendo reconhecida sem distinção para qualquer pessoa. A segunda, conhecida como capacidade de fato ou de exercício é capacidade de exercitar seus atos conforme sua vontade, que irá produzir efeitos jurídicos. E por fim, a capacidade total também chamada de capacidade plena, ou seja, aquele que possui juntamente a capacidade de direito e a de fato, pode, sozinho, adquirir e exercitar livremente seus direitos.
 
Assim, se define a capacidade jurídica como “a aptidão para adquirir direitos e assumir deveres pessoalmente. Mais especificamente, significa que as mais diversas relações jurídicas […] podem ser realizadas pessoalmente pelas pessoas plenamente capazes ou por intermédio de terceiros pelos incapazes. ” (FARIAS, ROSENVALD, 2012, p. 314)
 
Vê-se, com fácil compreensibilidade, que a capacidade de fato ou exercício possui restrições, mencionando ‘‘incapazes’’. Entretanto, o que é incapacidade nesse contexto?
 
Acredita-se que pessoas que possuem parciais condições de discernimento para praticar seus atos da vida civil e que, por isso, precisam de auxílio de um assistente para exercer a maioria de seus direitos são incapazes relativamente, é o entendimento extraído do art. 4º do Código Civil de 2002.
 
Já no art. 3º do mesmo código é prevista a incapacidade absoluta, que ocorre quando uma pessoa não tem nenhuma condição de discernimento, para a prática de atos da vida civil, assim nestes casos, o representante legal é quem realiza os atos em nome do incapaz. De igual forma, estabelece Pablo Stolze “nem toda pessoa, porém, possui aptidão para exercer pessoalmente os seus direitos, praticando atos jurídicos, em razão de limitações orgânicas ou psicológicas. ” (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p.137)
 
Entretanto, a incapacidade é exceção, pois, entende-se como minoria as pessoas alcançadas com os direitos de proteção específica, sendo que a regra consiste na capacidade plena.
 
Desde o Código Civil de 1916, era possível encontrar restrições absolutas para a prática pessoal dos atos da vida civil, sendo elas previstas para os menores de dezesseis anos, loucos de todo gênero, surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade e os ausentes declarados tais por ato do juiz.
Já o Código Civil de 2002, modificou o contexto da restrição, visando maior amplitude dos direitos e igualdade de condições, logo passa a dispor que são absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; e os que ainda por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
 
Por outro lado, os considerados relativamente incapazes, os quais merecem proteção, porém menos abrangente, também eram previstos na legislação de 1916 em seu art. 6º, o qual dispõe:
 
“Art. 6º São incapazes relativamente a certos atos (art. 147, nº I), ou à maneira de os exercer:       
 I – Os maiores de 16 e os menores de 21 anos (arts. 154 e 156).        
II – Os pródigos.     
III – Os silvícolas.      
Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País”.  (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 1962)
 
A legislação de 2002 dispõe no seu art. 4º “o maior de 16 e menor de 18 anos de idade; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos; os que por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido, os excepcionais, sem desenvolvimento completo e os pródigos”. Esses podem se manifestar, porém assistidos.
Mesmo com a evolução dos artigos supracitados, não é possível mencionar uma aplicação adequada ao princípio da igualdade, uma vez que as referidas “exceções” são consideradas como causas de exclusão, e não se aproximam da realidade vivenciada nos dias atuais.
 
Desse modo, busca-se interruptamente a inclusão social e igualdade em todos os atos praticados por pessoas seja no âmbito familiar, patrimonial e outros.
Com o mesmo objetivo, foi publicada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei.13.146/2015) a qual é digna de destaque, pois, revogou integralmente os incisos do art. 3º do CC/02, que mencionava os absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Também foi alterado o “caput” que passa a estabelecer “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”. Logo, no ordenamento jurídico brasileiro, não mais existe pessoa absolutamente incapaz que possui maior idade.
 
Por consequência, a hipótese de incapacidade absoluta por causas psíquicas não mais irá dispor de previsão legal. Entretanto, se a pessoa possuidora de deficiência prevista no Art. 2º da Lei 13.146/2015 não conseguir exprimir sua vontade, o ato não poderá ser praticado. Excetuando, a condição de curatelado. Contudo, nas causas transitórias se for capaz de expressar sua vontade, os atos da vida civil poderão ser praticados.
 
No mesmo sentido, o art. 6º da Lei 13.146/2015 assegura que o fato de uma pessoa apresentar deficiência não afeta sua plena capacidade civil, assim busca-se à inclusão social, com ênfase ao princípio da dignidade da pessoa humana e igualdade.
 
Isto posto, houve a repersonalização da tradicional teoria civilista de incapacidade, pois será absolutamente incapaz unicamente o menor de dezesseis anos. Logo, a ação de interdição absoluta foi abolida do sistema civil brasileiro, uma vez que os menores não são interditados.
 
O art. 4º do CC/2002, também sofreu modificações, o inciso segundo, o qual deixou de fazer menção às pessoas com discernimento reduzido, excluindo estes do rol dos relativamente incapazes, como exposto anteriormente. Também foi alterado o inciso terceiro, o qual não menciona os excepcionais sem desenvolvimento mental completo. Assim, o artigo ficou composto por quatro incisos, porém modificados, os quais constam os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos, os ébrios habituais e os viciados em tóxico, além daqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade e os pródigos.
 
Verificada as alterações, percebe-se, de plano, uma desconstrução ideológica do conceito de incapacidade civil, proporcionando maior flexibilidade, o que será analisado com base nas situações particularizadas, mas sempre em benefício da inclusão das pessoas com deficiência, resguardando a inclusão social e dignidade.
 
 Observe-se que o art. 84 da Lei 13.146/2015 menciona que “ a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.  Sendo assim, uma das novas capacidades asseguradas para os portadores de deficiência é o direito, e o exercício do vínculo matrimonial, que após a vigência da Lei supradita não é vedado para aqueles que possuíam restrições advindas dos artigos 3º, 4º e 1548, I, do CC/02, pois perde-se o fundamento legal, o que de fato inviabiliza a decretação de nulidade do casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil.
 
Portanto, toda pessoa com deficiência passa a ter plena capacidade civil em regra, como prevê o Art. 6º, I, da Lei 13.146/2015, “inclusive para casar-se e constituir união estável” dentre outros direitos.
 
5   O INSTITUTO DO CASAMENTO E SUAS ALTERAÇÕES COM O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.
 
Passa-se, assim, ao estudo do instituto do casamento e suas alterações com o princípio da afetividade, tópico fundamental para resposta da problemática proposta nesse trabalho.
 
É notório que o casamento desde a criação do universo com Adão e Eva é essencial para a construção da sociedade e se trata de uma instituição histórica, pois desde os primórdios de Roma, já era considerado uma instituição com finalidade de continuação familiar.
 
Nesse período, o homem ‘‘pater familia’’ era considerado o poder central da instituição familiar, e exercia essa função sobre a esposa e os filhos, no âmbito econômico, jurisdicional, político e religioso. Porém, no decorrer do tempo e transições o ‘‘pater’’ gradativamente perdeu a autonomia em relação a cônjuge e seus descendentes.
 
Posteriormente, estabeleceu-se uma idealização cristã da família, de modo que os romanos passarão a considerar a indispensabilidade de afeto, não apenas no momento da celebração do casamento, mas também em toda a sua permanência. Assim, o casamento passou a ser considerado um sacramento, não sendo o homem capaz de desfazer a união concretizada por Deus. Por consequência, principiou o reconhecimento da afetividade como elemento necessário na união matrimonial entre dois seres.
 
Acerca disso, Carlos Roberto Gonçalves menciona a definição de família nas sábias palavras de Sérgio Resende de Barros “ é uma espécie de afeto que, enquanto existe, conjuga intimamente duas ou mais pessoas para uma vida em comum. É o afeto que define a entidade familiar. Mas não um afeto qualquer. Se fosse qualquer afeto, uma simples amizade seria família, ainda que sem convívio”. (GONÇALVES, 2015, p. 47)
 
Dessa maneira, a afetividade contribuiu para a expansão e transformação do casamento, pois somente com a celebração do matrimônio seria possível constituir uma família legítima. De modo que as famílias não instituídas em conformidade com a igreja e o Estado, eram consideras ilegítimas e não possuíam a tutela jurídica familiar.
 
O Código Civil de 1916, em conformidade com as influências religiosas também instituía que o casamento era indissolúvel e infindável, e ainda considerado uma instituição jurídica e social. O que possuía relevância era o atendimento das formalidades e prescrições legais, não considerando a prot