O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) tem sua previsão no art. 156, III, da CF, sendo um imposto ordinário de competência municipal e distrital.
Segundo o próprio dispositivo constitucional acima, o campo material de incidência do ISS é condicionado ao fato de não estarem os serviços compreendidos na materialidade do ICMS – como ocorre nos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – além de definição através de lei complementar.
O art. 156, III, da CF remete à lei complementar a definição dos serviços de qualquer natureza sujeitos à tributação. E tal lei complementar está adstrita à base econômica serviços de qualquer natureza. Em face da lei complementar, cabe ao Município, mediante lei própria, observada a lei complementar, instituir o tributo.
Importante trazer à baila que definir significa demarcar, determinar a extensão ou os limites dos serviços tributáveis de ISS, sendo tal fato distinto de simples conceituação de serviços.
Em 31 de julho de 2.003 fora disciplinada, através da LC 116, a nova disciplina do ISS, sendo alterada, recentemente, pela LC 157/16, trazendo a norma anterior em comento a lista de serviços sujeitos ao imposto municipal, em número maior do que a listagem anterior e, com o advento da LC 157 – já comentada – aumento de número de serviços elencados.
A lista de serviços anexa à LC 116/03 é taxativa, por imposição constitucional, na medida em que a competência é outorgada para instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza. Ademais, a redação do art. 1º da LC 116/03 também nos permite tal exegese.
Na vigência do DL 406/68 também já definia os serviços em lista e já se consolidara o entendimento do STF no sentido de sua taxatividade.
De acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado, mormente a lista de serviços ser taxativa, admitir-se-á interpretação extensiva. Segundo o julgamento do Recurso Especial 445.137/MG, de relatoria do E. Min. Castro Meira “a lista de serviços é taxativa, admitindo-se, contudo, uma leitura extensiva de cada item, a fim de enquadrar-se serviços idênticos aos expressamente previstos”.
Após breve elucidação sobre os aspectos constitucionais e legais de incidência e a determinação jurisprudencial consolidada compete-nos uma reflexão sobre a materialidade do referido imposto. Após exame sistemático da Constituição Federal, pode-se afirmar que serviço é esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial e tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial. Nas palavras do Ilustre Jurista Paulo de Barros Carvalho, prestar serviços é uma atividade irreflexiva, reivindicando, a sua composição, o caráter da bilateralidade. Em vista disso, torna-se invariavelmente necessária a existência de duas pessoas diversas, na condição de prestador e de tomador, não podendo cogitar-se de alguém que preste serviços a si mesmo.
Contudo, não é todo e qualquer fazer que se subsume ao conceito, ainda que genérico, desse preceito constitucional. Serviço é um conceito menos amplo, mais estrito que o conceito de trabalho constitucionalmente pressuposto. É como se víssemos o conceito de trabalho como gênero e o de serviço 3 como uma espécie desse gênero. De toda a sorte, uma afirmação parece vidente, a partir da consideração dos textos constitucionais que fazem referência ampla aos conceitos, é a de que noção de trabalho corresponde, genericamente, a um fazer, sendo alvo da tributação o serviço-fim, isto é, o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto.
Bem ressalta BARROS CARVALHO que examinando o conteúdo da expressão “serviços de qualquer natureza”, empregada pelo constituinte para fins de incidência desse gravame, percebe-se, desde logo, que o conceito de prestação de serviços, nos termos da previsão constitucional, não coincide como o sentido que lhe é comumente atribuído na linguagem ordinária. Na dimensão do significado daquela frase não se incluem o serviço público, tendo em vista a abrangência da imunidade tributária (art. 150, VI, da CF), o trabalho realizado para si próprio, despido que é de conteúdo econômico e o trabalho efetuado em relação de subordinação, abrangido pelo vínculo empregatício.
Para configuração da prestação de serviços é necessário que aconteça o exercício, por parte de alguém (prestador) de atuação que tenha por objetivo produzir uma utilidade relativamente a outra pessoa (tomador), a qual remunera do prestador (preço do serviço).
I – Da incidência do ISS na atividade notarial e registral
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral em matéria sobre a cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) incidente sobre as atividades de cartórios, notários e serviços de registro público. O Tribunal também reafirmou jurisprudência consolidada no sentido da constitucionalidade da incidência do tributo, ao prover o Recurso Extraordinário (RE) 756915, no qual o município de Guaporé (RS) questionava decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia declarado inconstitucionais dispositivos de lei daquela municipalidade sobre o tema.
Segundo o relator do RE, ministro Gilmar Mendes, o assunto já foi objeto de diversos julgados no STF, tanto em controle concentrado, na Ação 4 Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3089, como em recursos extraordinários. Ficou fixada a posição segundo a qual a atividade em questão não se enquadra na imunidade recíproca entre os entes federativos prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal .
Segundo o entendimento da Corte Suprema, “ainda que os serviços notariais e de registro sejam prestados, na forma do artigo 236 da Constituição, por delegação do poder público, essa condição não é suficiente para resguardá-los da possibilidade de sofrer tributação”. Segundo a decisão do STF na ADI 3089, a atividade notarial, cartorial e de registros é tributável porque, ainda que exercida por delegação, tem caráter lucrativo. Conforme consta do acórdão deste julgamento, “a imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados”.
A inclusão do item 21.01 na lista anexa à LC 116/03 traz a atividade notarial e registral como passível de tributação e, conforme já salientado, já definido pela Corte Suprema como devido o ISS.
II – Da natureza jurídica das custas e emolumentos cartorários
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade.
Assim, uma vez que o enquadramento das custas e emolumentos como taxa de serviço, aplicamos o regramento constitucional inscupido a partir do art. 145, II, da CF e dos artigos 77 a 80 do CTN, sujeitando-se, conforme já 5 analisado, a todo o regime de competência tributária e limitações constitucionais impostas.
III – Da Base de Cálculo do ISS na atividade notarial e registral
Não se pretende através desse singelo artigo, discutir sobre a utilização da base de cálculo fixa, prevista no art. 9º do DL 406/68, tão já debatido por inúmeros juristas de peso no Brasil e já julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2ª T, AgRg no AREsp 296.647/RS) mas, tão somente, analisar o que deve compor a base de cálculo da referida exação.
A base de cálculo do imposto é o preço do serviço, sendo a alíquota fixada por lei municipal entre os limites mínimo de 2% (nos termos do art. 8º da LC 116/03, modificado pela LC 157/16) e máximo de 5%, conforme art. 156, §3º, I, da CF.
O Município de São Paulo, através da Lei nº 13.331, de 26 de dezembro de 2.002, dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, em face das disposições da Lei Federal nº 10.169/00.
Reza o art. 1º da Lei 13.331/02:
“Art. 1º. Os emolumentos relativos aos serviços notariais e de registro têm por fato gerador a prestação de serviços públicos notariais e de registro previstos no art. 236 da CF e serão cobrados e recolhidos de acordo com a presente lei e as tabelas anexas”.
No que tange à base de cálculo incidente, dispõe a norma em comento:
“Art. 4º – As tabelas discriminam a base de cálculo dos atos sujeitos à cobrança de emolumentos e são integradas por notas explicativas.
Art. 5º – Os valores dos emolumentos são fixados de acordo com o efetivo custo e a adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados, levando-se em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, atendidas, ainda, as seguintes regras:
I – os valores dos emolumentos constam de tabelas e são expressos em moeda corrente do País;
II – os atos comuns aos vários tipos de serviços notariais e de registro são remunerados por emolumentos específicos, fixados para cada espécie de ato;
III – os atos específicos de cada serviço são classificados em:
a) atos relativos a situações jurídicas sem conteúdo financeiro;
b) atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro, cujos emolumentos são fixados mediante a observância de faixas com valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro.
Não é forçoso ressaltar que, uma vez que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, o alvo da tributação do ISS e a composição da base de cálculo deve levar em consideração a atividade realizada pelo prestador de serviços, apresentada através de uma obrigação de fazer. Trata-se do elemento caracterizador da prestação de serviços. Assim, só será possível a incidência do ISS se houver um negócio jurídico mediante a qual uma das partes se obrigue a praticar certa atividade, de natureza física ou intelectual recebendo, em troca, remuneração. E será esta remuneração que integrará o preço do serviço, base de cálculo da referida exação tributária.
Não se pode admitir liberdade do legislador na deslocação dos aspectos de incidência do tributo, observando-se a estrita dicção constitucional empregada.
E quando a base de cálculo do referido imposto incide sobre o montante que não corresponde ao serviço efetivamente prestado: tal aspecto quantitativo pode prevalecer?
Importante se faz está indagação, tendo em vista a distribuição de recursos realizada pela Lei Municipal 13.331/02 e o aspecto quantitativo do ISS, senão vejamos:
“Art. 19 – Os emolumentos correspondem aos custos dos serviços notariais e de registro na seguinte conformidade:
I – relativamente aos atos de Notas, de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas e de Protesto de Títulos e Outros Documentos de Dívidas:
a) 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) são receitas dos notários e registradores;(grifo nosso)
b) 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização;
c) 13,157894% (treze inteiros, cento e cinqüenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado;
d) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias;
e) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços;
II – relativamente aos atos privativos do Registro Civil das Pessoas Naturais:
a) 83,3333% (oitenta e três inteiros, três mil e trezentos e trinta e três centésimos de milésimos percentuais) são receitas dos oficiais registradores;
b) 16,6667% (dezesseis inteiros, seis mil seiscentos e sessenta e sete centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado.
Ar. 20 – A receita do Estado, prevista na alínea “b” do inciso I do artigo 19, será destinada:
I – 74,07407% (setenta e quatro inteiros, sete mil e quatrocentos e sete centésimos de milésimos percentuais) ao Fundo de Assistência Judiciária;
II – 7,40742% (sete inteiros, quarenta mil, setecentos e quarenta centésimos de milésimos percentuais) ao custeio das diligências dos oficiais de justiça incluídas na taxa judiciária;
III – 18,51851% (dezoito inteiros, cinqüenta e um mil, oitocentos e cinqüenta e um centésimos de milésimos percentuais) à Fazenda do Estado.
Não há qualquer ilegalidade na distribuição dos recursos recebidos à título de emolumentos, vez que não há qualquer vedação constitucional ou na lei complementar do ISS a tal respeito. Contudo, questiona-se: a base de cálculo do ISS deverá incidir sobre o montante de 100% (cem por cento) das custas e emolumentos ou sobre o montante relativo ao serviço efetivamente prestado, em conformidade com a materialidade já amplamente debatida em tópicos acima?
Ora, para se estabelecer a relação de prestação de serviço para a materialidade do ISS é obrigatória a existência de um prestador e um tomador de serviço, sendo que a base de cálculo deverá refletir no serviço efetivamente prestado, sob pena de se incluir na base de cálculo montante não referível a prestação de serviços propriamente dita.
O art. 19, I, a, da Lei Municipal 13.331/02 estabelece que a receitados notários e registradores equivale a 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) dos valores cobrados na Tabela de Custas e Emolumentos. Ora, se este é o montante destinado ao prestador de serviço, a base de cálculo do tributo deverá corresponder ao serviço efetivamente prestado, sob pena de deslocar o aspecto matricial de incidência do ISS por lei municipal, descaracterizando a segurança jurídica determinada pela Constituição Federal.
Se a incidência da alíquota máxima de 5% (cinco por cento) ocorrer sobre a totalidade da tabela de custas e emolumentos fixada, temos uma total inconsistência, pelos motivos abaixo assinalados:
a) o valor do serviço prestado pelo notário e registrador constitui receita equivalente a 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) dos valores cobrados na Tabela de Custas e Emolumentos, sendo esta a única composição da base de cálculo do referido imposto;
b) se 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização, a incidência do ISS mostra-se, de plano, indevida, uma vez que a referida tributação recai sobre receita do Estado, afrontando a imunidade tributária recíproca, nos termos do art. 150, VI, a da CF;
c) se 13,157894% (treze inteiros, cento e cinquenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, qual o serviço prestado pelo IPESP (Instituto de Previdência do Estado de São Paulo) responsável pela administração da Carteira de Previdência, vez que sua finalidade, nos termos do art. 2º do Dec 30.550/89 é assegurar pensão mensal aos beneficiários, administrar sistemas de previdência de grupos profissionais diferenciados e operar Carteiras de Previdência? É fato que não há por parte do instituto nenhuma prestação de serviços que condiz com a incidência do referido imposto, além de afrontar a imunidade recíproca de entidades autárquicas e fundacionais, nos termos do 10 art. 150, §2º da CF, sendo de igual aplicação as demais distribuições de recursos.
A base de cálculo de ISS sobre 100% (cem por cento) dos valores da tabela de custas e emolumentos fixada mostra-se indevido, vez que a incidência correta deve se dar sobre o montante de 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento), sendo que este é o montante destinado pelo serviço prestado. Se o Oficial Registrador ou o Notário são obrigados ao recolhimento do ISS em sua totalidade, há flagrante inconstitucionalidade e total insegurança jurídica, demonstrando a Municipalidade de São Paulo fúria arrecadatória em descompasso com preceitos fundamentais de nossa Constituição.