Nesta semana, tratarei de mais um tema referente às pessoas casadas e àquelas que pretendem, futuramente, casar. Trata-se da adoção do sobrenome do cônjuge no casamento. O sobrenome do marido é costumeiramente adotado pela mulher, mas o homem também pode adotar o sobrenome de sua esposa.
 
Primeiramente, cabe mencionar que, ao contrário do que pregam as enganosas teorias em defesa da eliminação da culpa nas relações de casamento, a culpa é elemento essencial para colocar limites nas pessoas em todas as relações jurídicas, inclusive as de casamento.
 
De acordo com a psicanálise, a culpa é um sentimento fundamental para estabelecer limites e possibilitar o convívio em sociedade. Esse sentimento permite que as pessoas aceitem a ética e as regras morais impostas pela cultura de cada povo, limitando os impulsos instintivos. Segundo esses estudos da psicanálise, aquele que não sente culpa em relação aos seus atos é classificado como psicopata.
 
A culpa no Direito, inclusive no Direito de Família, é o descumprimento consciente de deveres conjugais estabelecidos pelo ordenamento jurídico, o que tem em vista também limitar a conduta das pessoas, em razão da aplicação de sanções a quem assim age.
 
Se na psicanálise, o sentimento de culpa é um instrumento interno para que a convivência entre as pessoas seja viável, no Direito, por sua vez, trata-se de elemento externo, ou seja, é a própria lei que sanciona o descumprimento de determinados deveres, em razão da culpa, possibilitando a convivência entre as pessoas.
 
Os deveres conjugais são aqueles estabelecidos pelo Código Civil brasileiro: o dever de respeito e consideração mútuos; o dever de mútua assistência, seja material, seja imaterial; o dever de fidelidade recíproca; o dever de vida em comum; e o dever de sustento, guarda e educação dos filhos.
 
Nesse sentido, em se tratando de obrigações dos cônjuges, caso sejam descumpridas, aplicam-se as sanções previstas em lei, tais como a perda do direito à pensão alimentícia plena, e, também, a perda do direito ao sobrenome conjugal, além da condenação do culpado pelo descumprimento dos deveres conjugais quando ocorre dano moral ou material no pagamento de uma indenização ao outro cônjuge.
É exatamente a sanção da perda do direito de uso do sobrenome conjugal que passo a examinar.
 
Cumpre ressaltar que o sobrenome consiste num importante atributo da personalidade. É o elemento responsável pela ligação entre o indivíduo e a sua família, identificando-o perante a sociedade em geral, de acordo com os ensinamentos do saudoso Professor Carlos Alberto Bittar. Em suma, o sobrenome, que faz parte do nome da pessoa, identifica-a em todas as suas relações sociais e profissionais.
 
Assim, quando um indivíduo adota o sobrenome do cônjuge e, portanto, de outra família, as suas condutas serão associadas diretamente ao sobrenome dessa família, mesmo após a dissolução do casamento. Diante disso, caso esta pessoa aja de forma incorreta, desleal ou imoral, perpetuar-se-á a ofensa à honra do ex-cônjuge e, indiretamente, pela via reflexa, à família deste.
 
Importa mencionar, no entanto, que a perda do direito de uso do sobrenome do ex-cônjuge em decorrência da violação de dever conjugal nem sempre ocorre, admitindo exceções. É o que ocorre, por exemplo, quando o nome trouxer notoriedade no campo das relações sociais ou profissionais. Nesses casos, o cônjuge que adotou o sobrenome do outro poderá ter grande interesse na sua manutenção, visto que a sua retirada poderá acarretar-lhe prejuízos na vida profissional, bem como lesar a sua identidade social.
 
Imaginemos, por exemplo, uma mulher que tenha função política notoriamente conhecida pelo sobrenome de seu marido e que, um dia, separa-se dele. Fica claro, neste caso, que a perda do direito ao sobrenome adotado, da família do marido, acarretaria um significativo prejuízo em sua vida profissional.
 
Além disso, outra importante exceção refere-se ao risco de distinção manifesta entre o nome de família do ex-cônjuge e dos filhos havidos da união dissolvida. É comum que os filhos tenham apenas os sobrenomes de seus pais, e não de suas mães. Assim, antes de ser determinada a perda do direito da mulher ao uso do nome de família de seu cônjuge, deve ser verificado se haverá distinção significativa entre o seu sobrenome e o de seus filhos. Nesse sentido, a mãe tem o direito de manter o elo de identidade com os seus filhos por meio da manutenção do nome do ex-marido.
 
O casamento é, sem dúvida, instituição importante para a comunhão de duas vidas. Contudo, não haverá a unificação das personalidades na união conjugal. Desse modo, sendo importante atributo da personalidade o nome da pessoa, recomenda-se aos que pretendem casar que conservem seus sobrenomes de família, ou seja, que não adotem o sobrenome do cônjuge, para evitar problemas referentes à continuidade do seu uso em caso de dissolução do casamento. Muito embora o divórcio não seja a expectativa dos que se casam, é preciso conhecer o que aqui foi exposto para evitar eventuais e futuros desgastes.
 
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.