ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0002290-08.2014.8.26.0160, da Comarca de Descalvado, em que são partes são apelantes MILTON JORGE NAMURA e VENTURA DELVA NAMURA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE DESCALVADO.
 
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
 
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
 
São Paulo, 14 de março de 2017.
 
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
 
Corregedor Geral da Justiça e Relator
 
Apelação nº 0002290-08.2014.8.26.0160
 
Apelantes: Milton Jorge Namura e Ventura Delva Namura
 
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Descalvado
 
VOTO Nº 29.725
 
Registro de imóveis – Escrituras Públicas de venda e compra – Negativa de Registro – Dúvida julgada procedente – Matrícula pretensamente cancelada – Impossibilidade dos registros, seja por ausência de suporte tabular, seja por conta da quebra do princípio da especialidade objetiva – Necessidade de retificação da área, com eventual abertura de nova matrícula – Recurso desprovido, com observação.
 
O Oficial do Registro de Imóveis de Descalvado suscitou dúvida, porque os interessados quiseram registrar duas escrituras públicas de venda e compra que, no seu entender, já se encontram registradas. Daí a razão da recusa.
 
Os recorrentes, após traçarem um histórico da cadeia filiatória do imóvel, alegam que a matrícula onde registradas as escrituras foi cancelada e, portanto, os títulos precisam ser novamente registrados.
 
A sentença manteve a recusa do Oficial, julgando procedente a dúvida.
 
A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.
 
É o relatório.
 
Decido.
 
O recurso não comporta provimento.
 
Vejamos, primeiro, quais são os títulos que se pretende registrar e quais os seus objetos. Trata-se de duas escrituras públicas de venda e compra.
 
Pela primeira (fl. 25), a CESP Companhia Energética de São Paulo vendeu, em 11/10/95, a Carolino Xavier de Oliveira, casado com Iracema Xavier de Oliveira, uma gleba de terras, localizada na Fazenda Graciosa, Lote ‘A’, com área de 23,7554 hectares. Referida gleba de terras chegou ao domínio da CESP, em maior porção, em decorrência de fusão patrimonial, celebrada com a Sociedade Anônima Central Elétrica Rio Claro, transcrita em 26/01/71, transcrição nº 8.305, filiada à transcrição nº 5.215, de 15/05/61. Ao final do título, consta a observação de que a transmissão se dá “pelo corpo”, conforme a descrição da escritura, ainda que a área calculada divirja da enunciada no título e registros, que é de 19,36 hectares, restante da gleba com a denominação “Lote A”, após deduzida a área de 290,40 hectares, transmitida a Martinho da Silva Coelho (transcrição nº 9.153).
 
Pela segunda (fl. 10), Carolino Xavier de Oliveira, casado com Iracema Xavier de Oliveira, venderam o mesmo imóvel a Milton Jorge Namura e Ventura Delva Namura.
 
Pois bem. Ambos os títulos foram devidamente registrados na matrícula nº 12.496. Basta ver os registros R.1 e R.4. No R.1, consta a alienação da CESP a Carolino Xavier de Oliveira, casado com Iracema Xavier de Oliveira. No R.4, consta a alienação de Carolino Xavier de Oliveira, casado com Iracema Xavier de Oliveira, a Milton Jorge Namura e Ventura Delva Namura. Em ambos os registros está aposto que a qualificação do título foi feita diretamente pela MMª. Juíza Corregedora Permanente, em ação de retificação de registro.
 
Os registros foram feitos nessa matrícula nº 12.496 porque ela foi aberta em razão da averbação 4 da Transcrição nº 8.305. Consta dessa Av. 4 (fl. 43vº): o remanescente do imóvel da transcrição, após retificação, passou a ter uma área de 64,7257 alqueires paulistas ou 156,6366 hectares, descrito e caracterizado na matrícula 12.496.
 
Em termos simples: a matrícula 12.496 é originária de ação de retificação de área, averbada na transcrição 8.305, na Av. 4.
 
No entanto, como se vê da Av. 9 da matrícula 12.496, houve “cancelamento de retificação de registro imobiliário”, por meio de ação ajuizada, justamente, por Milton Jorge Namura e Ventura Delva Namura. Determinou-se, nessa ação, o cancelamento da “retificação de registro imobiliário, objeto da averbação nº 4, da transcrição nº 8.305, da qual originou a matrícula 12.496, ficando consequentemente prejudicados todos os demais atos praticados após aquela retificação”. É isso o que está escrito na Av. 9 da matrícula 12.496.
 
Baseados nisso, os recorrentes entendem que toda a matrícula está cancelada e, via de consequência, também estão cancelados os registros das escrituras, ou seja, os R.1 e R.4.
 
De fato, salvo melhor esclarecimento do juízo prolator da decisão, se a matrícula 12.496 se originou da retificação objeto da Av. 4, da Transcrição 8.305 e se essa Av. 4 foi cancelada, por meio de outra ação judicial, “prejudicados todos os demais atos praticados após aquela retificação”, parece que a matrícula 12.496 foi mesmo cancelada. E, ao dizer que estão “prejudicados” todos os demais atos, isso também parece significar o cancelamento dos registros feitos na matrícula.
 
Isso não quer dizer, no entanto, que os registros das escrituras possam voltar a ser feitos. Aliás, questiona-se: onde, em que suporte tabular, seriam feitos os registros? Se, como defendem os recorrentes, já não há a matrícula 12.496, onde pretendem registrar seus títulos? Sequer eles esclarecem essa indagação.
 
O fato é que, além da ausência de suporte para registro dos títulos, a providência afetaria, absolutamente, o princípio da especialidade objetiva.
 
Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Reg de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro.
 
Nem mesmo o registro feito na matrícula 12.496 obedecia a esse princípio. Veja-se que, enquanto as escrituras referem-se a um imóvel de 23,7554 hectares, a matrícula retratava um imóvel de 156,6366 hectares. Vale dizer, sequer o título correspondia à matrícula, o que leva a crer que o cancelamento era mesmo devido.
 
Não há, portanto, nenhuma possibilidade de registro atual dos títulos. Precisa haver retificação das áreas, localização do imóvel e eventual abertura de nova matrícula, possibilitando os registros.
 
Nesses termos, pelo meu voto, nega-se provimento ao recurso, com a observação acima.
 
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
 
Corregedor Geral da Justiça e Relator
 
(DJe de 23.05.2017 – SP)