A Conferência de Haia de Direito Internacional Privado é uma organização internacional de caráter permanente que tem por escopo uniformizar as regras de direito internacional privado e estabelecer mecanismos de cooperação jurídica internacional entre os Estados soberanos.
 
A Conferência de Haia tem relevante atuação na uniformização das regras de conflito de leis no espaço – garantindo maior segurança jurídica aos negócios jurídicos de caráter transnacional – e busca fomentar a cooperação administrativa e judiciária entre os países, como garantia para o fluxo efetivo de relações jurídicas entre particulares vinculados a ordenamentos jurídicos diferentes.
 
Para atingir seus objetivos, de uniformização das regras de direito internacional privado e de cooperação administrativa e judiciária entre os países, a Conferência de Haia negociou e elaborou vários acordos (tratados) chamados de “Convenções”.
 
Um destes acordos foi concluído e firmado em 1961 e recebeu o nome de Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros.
 
Assumindo que um documento público expedido em um determinado país precisa produzir efeitos em outro Estado soberano para viabilizar negócios jurídicos que se desenvolvem entre dois ou mais territórios estatais, a Convenção firmada em 1961 eliminou a exigência de legalização para documentos públicos estrangeiros provenientes dos Estados que sejam parte desse tratado. Em outras palavras, a Convenção permite que um documento público elaborado por um Estado Soberano signatário do Tratado seja reconhecido e produza efeitos no espaço territorial de outro país que também seja parte da Convenção, sem a necessidade do procedimento de “legalização”.
 
De acordo com o artigo 2º da Convenção, a legalização significa apenas a formalidade pela qual os agentes diplomáticos ou consulares do país no qual o documento deve produzir efeitos atestam a autenticidade da assinatura, a função ou o cargo exercidos pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou carimbo aposto no documento.
 
Ou seja, antes da Convenção, para um documento ser reconhecido e produzir efeitos em um Estado estrangeiro, ele precisava ser levado à uma repartição diplomática ou consular do Estado a que se destinava, incumbindo à autoridade estrangeira a legalização destes.
 
Com a Convenção, a legalização do documento público estrangeiro via autoridade consular ou diplomática foi afastada e a única formalidade que pode ser exigida (entre os Estados partes do Tratado) para atestar a autenticidade da assinatura, a função ou cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou carimbo aposto no documento, consiste na aposição da apostila.
 
Mas, o que é apostila?
 
“Apostila, etimologicamente, originou-se da frase latina Post illa verba auctoris (depois das palavras do autor). Um de seus significados semânticos, não o mais usual no Brasil, é: breve acréscimo a documento com o intuito de esclarecê-lo ou certificá-lo.”
 
Assim, apostilamento nada mais é que o acréscimo aos documentos públicos de um selo (chamado pela Convenção de “apostila”) para certificar seu reconhecimento por um dos Estados parte na Convenção.
 
A apostila é documento sucinto, cujo modelo em termos padronizados está anexado à Convenção, com título obrigatoriamente em Francês: Apostille (Convention de la Haye du 5 octobre 1961).
 
Na prática, a aposição de apostila é a formalidade pela qual alguém, designado pelo Estado parte na Convenção, diz, em seu nome e no nome do próprio Estado a que representa, que aquele documento é autêntico, que a assinatura é da pessoa que o documento diz tê-lo assinado e que tal pessoa agia no exercício da função ou cargo que ela afirmou desempenhar. “O procedimento é semelhante a um reconhecimento de firma no âmbito internacional.”
 
A Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros refere-se ao apostilamento de documentos públicos. Assim, à primeira vista, pode parecer que documentos privados não são passíveis de serem apostilados. No entanto, o artigo 1º da Convenção considera também documento público “as declarações oficiais apostas em documentos de natureza privada, tais como certidões que comprovem o registro de um documento ou a sua existência em determinada data, e reconhecimentos de assinatura”. Assim, por exemplo, um documento particular assinado e que tenha tido a firma de seu autor reconhecida, pode receber uma apostila que declare que o ato de reconhecimento da firma ali lançada constitui-se em ato autêntico.
 
O Brasil é país membro definitivo da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado desde 2001, mas a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, celebrada na Haia, em 5 de outubro de 1961 (Convenção da Apostila), só foi formalmente internalizada no ordenamento jurídico brasileiro em 2015, pelo Decreto Legislativo nº 148, e promulgada em 2016, pelo Decreto nº 8660.
 
O artigo 6º da Convenção estabelece que cada Estado Contratante designará as autoridades às quais, em razão do cargo ou função que exercem, será atribuída a competência para emitir a apostila, e que esta designação deverá ser notificada pelo Estado Contratante ao Ministério das Relações Exteriores dos Países Baixos.
 
Assim, através da Resolução nº 228/2016, do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil estabeleceu que as autoridades competentes para a aposição de apostila em documentos públicos produzidos no território nacional, são: I – as Corregedorias Gerais de Justiça e os Juízes Diretores do foro nas demais unidades judiciárias, comarcas ou subseções, quanto a documentos de interesse do Poder Judiciário; e, II – os titulares dos cartórios extrajudiciais, no limite das suas atribuições.
 
A emissão de apostilas passou a ser obrigatória em todas as capitais do país a partir de 14 de agosto de 2016 e cartórios em todo o Brasil passaram a oferecer o serviço com rapidez e segurança. Recentemente, alguns cartórios do interior, a exemplo do Tabelionato do qual é titular o autor deste artigo, também passaram a emitir apostilas.
 
A escolha dos cartórios como autoridade competente para emitir apostilas foi sinalizada por João Grandino Rodas como um “passo a frente” antes mesmo da Resolução 228, de junho de 2016, assim determinar. Isso porque, segundo ele, em muitos países já avança o sistema digital de apostila (e-Apostille) e os cartórios, no Brasil, já estão se integrando eletronicamente.
 
De fato, o Brasil adotou um sistema eletrônico de apostilamento, o “SEI Apostila”, como sistema único para emissão de apostilas em território nacional.
De acordo com o artigo 8º, §2º, da Resolução nº 228/2016, “a apostila será emitida em meio eletrônico, mediante solicitação do signatário do documento ou de qualquer portador, atestando a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele aposto”. Além disso, segundo o §3º do mesmo artigo, a apostila deverá ser impressa em papel seguro fornecido pela Casa da Moeda do Brasil e aposta ao documento ao qual faz referência, carimbada e rubricada em campo próprio pela autoridade competente.
 
Ou seja, já de início, valendo-se da expertise e tecnologia dos cartórios, o Brasil adotou um sistema híbrido de apostilamento que fornece um duplo grau de segurança: a emissão da apostila em meio eletrônico e impresso.
 
James W. Adams Jr., em artigo intitulado “The Apostille in the 21st Century: International Document Certification and Verification”, publicado no Houston Journal of International Law, em 2012, noticiou um problema crescente na época envolvendo fraudes com apostilamentos (nos países que já realizam emissão de apostilas). Segundo James, as fraudes estavam relacionadas às apostilas emitidas apenas em meio impresso ou às apostilas emitidas em meio eletrônico não eficaz.
 
James, então, apresenta no artigo um programa denominado “electronic Apostille Pilot Program (e-APP)”, lançado pela Conferência de Haia de Direito Internacional Privado (em cooperação com a Associação Nacional Notarial dos Estados Unidos), em 2006, que oferece mecanismos efetivos de combate a fraudes e eleva o nível de segurança das apostilas. O e-APP tem dois componentes: a emissão de apostilas eletrônicas (“e-Apostilles”) e a operação dos registros eletrônicos (“e-Registers”). No programa e-APP, a autoridade competente utiliza a tecnologia PDF para emitir apostilas em meio eletrônico (“e-Apostilles”) e assina estas apostilas com o uso do certificado digital. Já o “e-Registers” permite que a autoridade competente registre a apostila que é emitida de forma que ela fique acessível online. Assim, a existência e autenticidade da apostila pode ser verificada eletronicamente.
 
O Brasil, ao implantar o “SEI Apostila”, combinou os sistemas de segurança propostos pelo “e-Apostille” e pelo “e-Register”. O documento a ser apostilado é digitalizado em formado PDF e a apostila correspondente é emitida em meio eletrônico, tudo com a utilização do certificado digital da autoridade competente pela emissão. A apostila é também impressa, em papel seguro fornecido pela Casa da Moeda do Brasil, e aposta ao documento ao qual faz referência, carimbada e rubricada em campo próprio pela autoridade competente. Na apostila impressa há um QR Code e um número que permite a verificação eletrônica de existência e de autenticidade, assim como conexão com o documento apostilado.
 
O sistema “SEI Apostila”, implantado no Brasil para apostilamentos de documentos brasileiros a serem utilizados no exterior, é, portanto, um sistema que oferece segurança e evita fraudes, além de ser um processo de legalização mais simples e menos burocrático do que o sistema de legalização via diplomática ou consular.
 
O que era antes quase uma “via-crucis” da legalização, que incluía ida ao Itamaraty ou a escritórios regionais do Ministério das Relações Exteriores, a tradução e o encaminhamento do documento à autoridade consular do país onde seria utilizado, hoje tornou-se um procedimento simples, rápido e bem menos custoso, sem, contudo, perder a segurança jurídica que é tão crucial às relações e negócios jurídicos transnacionais.
 
Hoje, para que um documento tenha validade no exterior (desde que o país de destino seja parte da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros), basta ir a um cartório extrajudicial autorizado a realizar a aposição de apostila em documentos públicos produzidos no território nacional. São os cartórios, mais uma vez, contribuindo com a desburocratização e simplificação de procedimentos, com a redução de custos, com a celeridade dos atos, contribuindo para que os cidadãos tenham acesso facilitado a procedimentos complexos, sem descuidar da segurança jurídica, tão importante em qualquer relação jurídica.