CSM|SP: Registro de Imóveis – Registro de escritura pública de dação em pagamento – Desqualificação – Suposta incorreção da base de cálculo utilizada para o recolhimento do ITBI – Dúvida julgada improcedente – Apelação interposta pelo Ministério Público – Atuação que extrapola as atribuições do Oficial – Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo e à razoabilidade da base de cálculo – Recolhimento antecipado do ITBI que não afronta as NSCGJ nem a legislação municipal – Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1024158-98.2015.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que são partes é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado PROGRESSO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA..
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, com a manutenção da sentença que julgou a dúvida improcedente, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 25 de agosto de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1024158-98.2015.8.26.0577

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: Progresso Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Interessado: 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos
VOTO Nº 29.792

Registro de Imóveis – Registro de escritura pública de dação em pagamento – Desqualificação – Suposta incorreção da base de cálculo utilizada para o recolhimento do ITBI – Dúvida julgada improcedente – Apelação interposta pelo Ministério Público – Atuação que extrapola as atribuições do Oficial – Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo e à razoabilidade da base de cálculo – Recolhimento antecipado do ITBI que não afronta as NSCGJ nem a legislação municipal – Recurso a que se nega provimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a sentença de fls. 118/120, que julgou improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos, permitindo o registro na matrícula nº 179.839 de escritura pública de dação em pagamento, sob o argumento de que não houve erro flagrante no recolhimento do ITBI.

Sustenta o apelante, em síntese, que o registrador tem o dever de fiscalizar o recolhimento dos tributos; e que a diferença entre o valor recolhido e o devido é gritante (fls. 124/125).

Contrarrazões de apelação a fls. 135/149.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 154/157).
É o relatório.

A apelada firmou contrato de sociedade em conta de participação, por meio do qual os sócios participantes lhe transferiram a propriedade de imóvel matriculado sob nº 179.839 no 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos. Em que pese a falta de data de celebração na cópia do instrumento acostada a fls. 54/64, pelas autenticações que lá constam, notase que isso ocorreu antes de 30 de dezembro de 2014.

Pelo contrato, a apelada ficou responsável pela implantação de loteamento em três imóveis distintos, entre os quais está o descrito na matrícula nº 179.839.
Logo após a celebração do instrumento particular, mais especificamente em 12 de janeiro de 2015 (fls. 19), a apelada promoveu o recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Dois dias depois, em 14 de janeiro de 2015, o imóvel passou a ser considerado urbano, (cf. Av.4 da matrícula nº 179.839 fls. 27), o que gerou a mudança da base de cálculo para o pagamento do imposto. E quando da lavratura da escritura pública de dação em pagamento (8 de julho de 2015) e de sua apresentação a registro (28 de julho de 2015), a base de cálculo já não correspondia àquela utilizada para o cálculo do imposto efetivamente recolhido.

Apresentada a registro a escritura de dação em pagamento (fls. 10/13), a Oficial do 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos desqualificou o título e exigiu o recolhimento da “diferença do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, devido à Prefeitura Municipal de São José dos Campos, referente ao objeto jurídico do presente título, devendo este ser recolhido tendo como base de cálculo o valor venal do imóvel” (fls. 31).

O MM. Juiz Corregedor Permanente julgou improcedente a dúvida, afastando o óbice (fls. 118/119).

E correta foi a decisão prolatada em primeiro grau.

Como já decidiu esse Conselho Superior, no julgamento da apelação nº 0002604-73.2011.8.26.0025, em voto da lavra do então Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini:

“A falha apontada pelo Oficial envolve questão de questionamento no âmbito do direito material.

Não foi atacada a regularidade formal do título nem mesmo a temporalidade do recolhimento ou o ato em si. Ao contrário, a exigência envolve exame substancial do montante do pagamento do imposto devido, que é atribuição dos órgãos fazendários competentes, sendo que seu questionamento mereceria a participação da Fazenda Pública, principal interessada.

Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal, a existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola a sua função.

Neste sentido é o parecer da D Procuradora de Justiça, citando precedente deste E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível 996-6/6, de 09/12/2088).”

No caso, o valor do tributo recolhido foi de R$948,80; com a base de cálculo modificada, após o imóvel ser considerado urbano, o recolhimento seria de R$113.156,21 (fls. 5).

Essa diferença de valores – que não é pequena – fundamentou a desqualificação do título. No entanto, isso não se justificava.

Preceitua o artigo § 4º do artigo 5º da Lei Complementar nº 383/09 do município de São José dos Campos:

§ 4º. No caso de imóveis ruraisa base de cálculo do imposto será o valor constante do instrumento detransmissão, respeitado, no mínimo o valor da declaração para fins de lançamento do Imposto Territorial Rural, do exercício da transmissão, atualizado monetariamente. (grifei)

Considerando que o valor da transação que constou na escritura de dação em pagamento foi o mesmo utilizado para o cálculo do imposto de transmissão (R$47.440,00, cf. fls. 11 e 19), percebe-se que, no momento do recolhimento, que ocorreu antes do imóvel ser considerado urbano, o valor estava correto.

A pergunta que deve ser feita é se o imposto de transmissão poderia ter sido recolhido em janeiro para um negócio cuja escritura só foi lavrada em julho, mesmo mês que o instrumento foi levado a registro.

Dispõe o item 15 do Capítulo XIV das NSCGJ:

15. O Tabelião de Notas manterá arquivos paraos seguintes documentos necessários à lavratura dos atosnotariais, em papel, microfilme ou documento eletrônico:

(…)

b) comprovante ou cópia autenticada do pagamento do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis, de direitos reais sobre imóveis e sobre cessão de direitos a sua aquisição – ITBI e do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, quando incidente sobre o ato, ressalvadas as hipóteses em que a lei autorize a efetivação do pagamento após a sua lavratura;

Pelas Normas de Serviço, salvo autorização legal expressa, o comprovante de recolhimento de ITBI deve ser apresentado no momento da lavratura da escritura de compra e venda.

Assim, ainda que o fato gerador do ITBI ocorra somente com a transmissão da propriedade – o que ocorre com o registro do título na serventia imobiliária –, fato é que as NSCGJ exigem que o tributo seja recolhido, em regra, de forma antecipada, no caso, antes mesmo da lavratura da escritura pública.

E se por um lado o artigo 12 da Lei Complementar nº 383/09 do município de São José dos Campos preceitue que “o Imposto Sobre a Transmissão “Inter Vivos” de Bens Imóveis será recolhido até a data do ato de transmissão de bens ou direitos reais” – o que autorizaria o recolhimento após a lavratura da escritura ; por outro, não existe dispositivo legal que proíba a antecipação do recolhimento do tributo para momento anterior à lavratura da escritura.

Destaque-se que o recolhimento não foi feito em data aleatória. Ocorreu poucos dias após a assinatura pelos interessados de contrato de sociedade em conta de participação, por meio do qual os sócios participantes assumiram a obrigação de transferir à apelada a propriedade do imóvel matriculado sob nº 179.839 no 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos (fls. 19 e 54/64).

Note-se que o próprio município, sujeito ativo da obrigação tributária, quase dois meses depois de o imóvel da matrícula nº 179.839 ter sido considerado urbano (cf. Av.4 da matrícula nº 179.839 fls. 27), por meio da certidão acostada a fls. 18, não questionou o valor recolhido pelos contribuintes a título de ITBI.

Desse modo, embora zelosa, a atitude da registradora vai além de suas atribuições normais, pois não lhe cabe aferir se o montante do tributo recolhido está correto, devendo apenas zelar pela existência de recolhimento e pela razoabilidade da base de cálculo utilizada.

E não se está aqui afirmando que o recolhimento está correto. O município, caso entenda que houve recolhimento a menor, poderá efetuar o lançamento da diferença e, se entender necessário, ajuizar execução fiscal.

Reitera-se apenas o entendimento segundo o qual não cabe ao registrador agir como agente fiscal, exigindo a complementação de tributo, cujo recolhimento, em princípio, nem o ente tributante parece questionar (fls. 18).

Por todo o exposto, nego provimento à apelação, com a manutenção da sentença que julgou a dúvida improcedente.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 20.09.2017 – SP)