(Princípio da prioridade registral -Sétima parte)
 
603. Parece de todo razoável que não se possa aplicar à prenotação tabular o disposto nos arts. 219 e 220 do Código brasileiro de processo civil −de todo aplicáveis aos prazos prescricionais−, embora, diversamente, caiba, ao tema do protocolo, admitir a possibilidade de aplicação do que dispõe o art. 221 do mesmo Código (tal se verá adiante).
 
Num sistema −assim o brasileiro− em que a inscrição predial é obrigatória (vidē art. 169 da Lei n. 6.015/1973), a consideração distintiva entre a decadência e a prescrição não é um caminho de fácil percurso se se envereda pelo tema do direito potestativo. E, sem embargo, aí está uma clave adequada: a inscrição imobiliária é, com efeito, obrigatória, em nosso direito atual, mas isto não impede que o tempo de sua efetivação seja em princípio elegível (opção temporal de exercício), o que aparenta pôr à mostra uma face potestativa no direito de registração predial.
 
Parece melhor convir o caminho de uma compreensão literal da disposição do art. 207 de nosso vigente Código civil −“Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”−, para reconhecer que, dado o caráter ordinário do impedimento de suspensão ou interrupção da decadência, a excepcionalidade legal de eventos suspensivos ou interruptivos da caducidade atraia compreensão estrita.
 
Assim, fosse de entender pertinente ao prazo de decadência a aplicação das regras dos arts. 219 e 220 do Código processual (isto por força do que prevê seu art. 15), já não se estaria diante de uma suspensão exceptiva do curso desse prazo, mas exatamente em face de uma suspensão ordinária nos dias feriados e entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, refutando o preceito comum de que “não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”.
 
Com efeito, essas regras dos arts. 219 e 220 do Código de processo civil são de direito comum e não podem aplicar-se, portanto, aos casos que, ao revés, reclamam previsão derrogatória do correntio.
 
É verdade que a relatio tabulæ é um processo, e que as regras desses arts. 219 e 220 são regras de prazo processual (cf. par.ún. do art. 219), mas regras de direito comum, de sorte que prevalece a compreensão mais estrita para propiciar a derrogação excepcional do preceito comum −bem indicado no célebre aforismo exceptio strictissimæ interpretationis est. Assinale-se, como já ficou antes referido, que as vicissitudes do prazo decadencial são mitigações −ou anomalias− de uma norma comum, não comportando o recurso à extensão analógica.
 
Em remate, do caráter decadencial da prenotação do registro imobiliário −ou seja, do predicado de estar ela sujeitada a um tempo extintivo do direito posicional e da prioridade aquisitiva resultantes do protocolo registrário− deve extrair-se o consequente de que o prazo dessa prenotação apenas pode suspender-se de modo exceptivo, na bitola das ressalvas legais estritas, sendo seu curso contínuo e não somente em dias úteis (art. 219 do Cód.pr.civ.).
 
604. O abrandamento do curso incessante do prazo de caducidade, entretanto, parece acomodar-se ao que enuncia o art. 221 do Código de processo civil brasileiro de 2015:
 
“Suspende-se o curso do prazo por obstáculo criado em detrimento da parte ou ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 313, devendo o prazo ser restituído por tempo igual ao que faltava para sua complementação.”
 
Trata-se aqui da suspensão por obstáculo criado em detrimento da “parte”, extensível −quer parecer-nos− ao plano do processo registral.
 
Ainda ao tempo do Código civil nacional de 1916 (cf. Carpenter, Carvalho Santos, Câmara Leal), entendiam-se compreendidos, implicitamente, em seu art. 169 −no qual se alistavam causas suspensivas do curso prescricional−, os obstáculos judicial e legal, arrolando-se, a tanto, o óbice da paralisação do funcionamento da justiça por motivo de calamidade pública (peste, guerra, invasões de lugares onde se presta a atividade etc.) e o do impedimento legal (p.ex., uma intercorrente incapacidade absoluta de manifestação de vontade).
 
Esses obstáculos podem empolgar o da caducidade da prenotação, ao modo −em palavras de Domingues de Andrade− de causas suspensivas do termo final.
 
Para logo, não do termo inicial −por evidente−, uma vez que os efeitos da prenotação supõem a protocolização do título e, pois, afastam o fato mesmo da inércia originária.
 
Do termo final, isto sim, quando o apresentante estiver impedido, “por evento imprevisto e estranho à sua vontade” a agir, por si ou por mandatário, para sanear um título protocolizado (tenha-se em conta um exemplo: o solicitante viu devolvido o título inscritível com a exigência de reconhecimento de firma; no último dia do prazo da prenotação, motivo de força maior interdita o funcionamento do cartório; trata-se aí de obstáculo que autoriza a aplicação da regra do art. 221 do Código processual civil brasileiro).
 
605. Quais os termos a quo et ad quem do prazo do protocolo tabular?
 
As previsões cônsonas do Código civil e do Código de processo civil brasileiros vigentes −arts. 131 (“Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento”) e 224 (“Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento”)− pareceriam confortar a orientação de que o termo a quo da contagem do prazo do protocolo do registro imobiliário fosse o imediatamente posterior ao dia do ingresso protocolar (ainda que este último recaísse em feriado).
 
Todavia, considerando-se a circunstância −de todo relevante− de que, assim o enuncia o art. 1.246 do Código civil, “o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo”, não se pode ignorar ser já a prenotação eficaz desde o tempo da protocolização e não a partir de seu dia posterior. Assim já o era no Código civil de 1916 (art. 534).
 
Deste modo, os efeitos da prioridade nascem da data do lançamento do título no protocolo, e não parece nada cômodo sustentar serem diversos os prazos −com expressão única− de eficácia material do protocolo (assinado no dia do ingresso) e de eficácia processual (ou procedimental) desse mesmo protocolo. Se o direito posicional nasce da ordem do protocolo, por que se haveria de contar seu prazo, para fins de decadência, só do dia subsequente?
 
Tenha-se em linha de conta que a norma do art. 1.246 do Código civil, no tanto em que pode contemplar o tema da decadência, tem à vista, sobretudo, o exercício de um direito, a cujo começo remete a indicação dos termini a quo e ad quem, ao passo em que, quando se trata da decadência da prenotação tabular, o direito de postular a inscrição já se exercitou, de maneira que não se cuida mais de um começo de exercício de direito potestativo.
 
Muito possível é que, de fato, a concessão de um pouco mais de tempo para a qualificação registral tenha fomentado o entendimento dos que afirmam excluído o dia do começo na contagem do prazo do art. 188 da Lei n. 6.015, de 1973. Com efeito, considere-se, a título exemplificativo, um título apresentado ao protocolo numa quinta-feira santa, pouco antes do encerramento do expediente cartorário, e já se têm quatro dias a menos para a não raro difícil tarefa de qualificação.
 
A matéria segue controversa na jurisprudência doutrinária e pretoriana, mas se considerarmos que todos os títulos devem, no protocolo, receber o “número de ordem que lhes competir em razão da sequência rigorosa de sua apresentação” (art. 182 da Lei n. 6.015), número de ordem que se deve repetir em cada título com a “data de sua prenotação” (art. 183), número de ordem, enfim, que “determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais” (art. 186), talvez mais razoável seja opinar que o prazo do art. 188 da Lei n. 6.015 se conte tanto que “protocolizado o título” −i.e., da data mesma da prenotação, momento de que emergem as repercussões substantiva e formal do protocolo.