(Princípio da prioridade registral -Oitava parte)
 
606.  O prazo da prenotação −o período de tempo de sua vitalidade jurídica− exaure-se, ordinariamente, no derradeiro dia do lapso temporal: adota-se, pois, o critério dies ad quem computatur in termino − é dizer que o dia do vencimento constitui o instante crítico (kairós) da caducidade.
 
O direito positivo brasileiro vigente acolheu esta regra no caput do art. 132 do Código civil: “Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento” −, ou seja, perfilhou-se a parêmia dies a quo non computatur in termino, sed computatur dies ad quem.
 
Esse critério já se adotara, entre nós, ao menos quanto aos prazos judiciais, por força do disposto no Livro III das Ordenações filipinas (tít. XIII, n. 1), e, adiante, confirmou-se no caput do art. 125 do Código civil de 1916. Ocorre que o Código de processo civil de 1939 inverteu a regra, ditando em seu art. 27: “Na contagem dos prazos, salvo disposição em contrário, incluir-se-á o dia do começo e excluir-se-á o do vencimento” (assim: dies a quo computatur in termino, sed non dies ad quem).  Clóvis Beviláqua observou que “a inovação não prevaleceu”, e Carvalho Santos insurgiu-se aí contra o que, chamando de rebelião contra a doutrina tradicional, considerou uma novidade das mais desastradas. O Decreto-lei n. 4.565/1942 (de 11-8) regressou à ordem mais benigna, e seu art. 3º deu esta nova redação art. 27 do Código processual de 1939: “Na contagem dos prazos, salvo disposição em contrário, excluir-se-á o dia do começo e se incluirá o do vencimento”.
 
Esse critério correntio de incluir o terminus ad quem na contagem do prazo cede passo, entretanto, à circunstância de o dies finalis do lapso temporal recair em feriado ou domingo.
 
A jurisprudência inclinara-se a que, ainda em caso de prazo peremptório, fosse ele prorrogável até o primeiro dia útil, sempre que se ultimasse em feriado, ou em que o expediente forense não se desse, ou se ele se encerrasse antes da hora normal (cf. Yussef Said Cahali), e o Código civil brasileiro de 2002 prevê, quanto à primeira parte, no mesmo sentido: “Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil” (§ 1º do art. 132). Esse preceito persevera na mesma trilha das Ordenações filipinas (“n. 1 do tít. XIII do Livro III) e do Código processual civil de 1939 (art. 27, incluso com o texto que lhe deu o Dec. n. 4.565, de 1942).
 
Frise-se que, embora a enunciação legal se refira a “feriado”, compreende-se aí a equivalência do “domingo”, porque, como salientou agudamente Carvalho Santos, a normativa (ele se referia à do Código civil de 1916) previa −e ainda prescreve− que se estenda o prazo até o dia útil seguinte.
 
Parece da mesma sorte invocável, quando menos analogicamente (para não dizer que por força do art. 15 do Código de processo civil nacional de 2015), o disposto no art. 221 desse Código no que tange com os obstáculos emergentes que venham a prejudicar o solicitante da inscrição (exs.: greve do serviço e desastres naturais).
 
Deste modo, deve incluir-se na contagem do prazo da prenotação o dia de seu vencimento, salvo se for este domingo ou feriado −ou ainda presente obstáculo em detrimento do requerente da inscrição−, hipótese em que o prazo se protrairá até o dia útil seguinte.
 
607.  Cabe agora indagar se é de admitir, no registro imobiliário, a acessio temporis protocollorum −a adição de tempo de protocolos.
 
Ou seja, suponhamos que no interregno do fluxo de uma primeira prenotação ou vencido seu prazo ordinário, logo se torne a protocolizar o mesmo título (no primeiro caso, com desistência do intercurso). Manter-se-á −esta é a pergunta− o direito posicional obtido com a primeira prenotação?
 
A resposta é negativa. Os lapsos de tempo da prenotação são autônomos (ainda que se prorroguem, tal, p.ex., com a suscitação de dúvida). Não se adicionam, pois, os prazos de protocolizações sucessivas de um mesmo título, de maneira que a cada sua prenotação corresponderá um direito posicional, permitindo-se que, por eventual intercorrência prenotante (i.e., de um título de direito contraditório apresentado por terceiro), adquira outrem status in itinere de prevalência sobre o título com prenotação sucessiva a uma primeira.
 
De não ser assim, além da evidência de prejuízo a possíveis interesses concorrentes e de risco à dinâmica do registro (a acessio temporis poderia mesmo paralisar o registro pelo tempo que bem entendesse um solicitante de prenotações sucessivas), estar-se-ia concedendo prazo em aberto para o saneamento de títulos.
 
608.   Pode ainda perguntar-se se a prenotação tem eficácia substantiva referente a direitos sobre imóvel para cuja inscrição não detenha competência territorial o registrador que lançou o protocolo correspondente.
 
Em outros termos: protocoliza-se, em dado ofício predial, uma escritura de venda e compra de imóvel atrativo da competência de outro ofício imobiliário. Admite-se o efeito substantivo dessa protocolização?
 
Expande-se a pergunta: e no caso da heterodoxa “dúvida inversa”, os efeitos (substantivo e formal) da prenotação contam-se do protocolo judicial?
 
Também aqui a resposta é negativa.
 
A prenotação apenas opera efeitos substantivos limitados aos que, real ou virtualmente, correspondam à esfera competencial inscritiva referível ao protocolo. Não é possível extrair uma eficácia que desborde dos lindes territoriais do ofício imobiliário em que se efetiva a protocolização. Solução diversa implicaria um excesso manifesto de eficácia: imagine-se, p.ex., que uma escritura de aquisição relativa a um imóvel situado em Santa Maria de Belém do Pará fosse levada ao protocolo de um cartório predial de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Admitido fora o efeito substantivo correspondente a essa prenotação, isto importaria em uma eficácia erga omnes praticamente incontrolável, e, demais disto, acarretaria uma atribuição territorial indefinida, o que não aparenta condizer com a necessidade de temperamento do monopólio registral.
 
Para o direito brasileiro coevo, pode solver-se a questão com o que dispõe o art. 12 da Lei n. 8.935, de 1994: “Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas” (a ênfase não é do original).
 
De resto, o protocolo judicial não é substituinte do protocolo registrário, nem este, daquele, de maneira que não se extrai nenhuma eficácia tabular, seja formal, seja substantiva, da protocolização judiciária de uma dúvida inversa. O que cumpre fazer, se admitida esta figura anômala da dúvida, é determinar a protocolização registral do título objeto, protocolo a partir de cuja data passam a existir os consequentes formal (prioridade na qualificação) e substantivo que correspondam.
 
609.  Sendo a protocolização predial ato de observância indeclinável pelo registrador (para o direito brasileiro, vidē o caput do art. 12 da Lei n. 6.015, de 1973, considerando-se ainda a exceção enunciada em seu par.único), interessa aqui referir a existência de uma atribuição ou competência dispositiva independente da competência inscritiva do registrador.
 
Com efeito, ainda que, mediando prudente qualificação abreviada, possa (rectius: deva) o registrador esclarecer o apresentante sobre a falta de sua competência inscritiva num dado caso (seja que lhe careça competência ratione materiæ, seja que lhe falte a ratione loci) −ou seja, que não haja a competência para inscrever de modo definitivo o título apresentado−, não podendo esse registrador recusar a instância do protocolo, terá competência dispositiva limitada para emanar  tanto o ato positivo da protocolização, quanto, depois, o ato negativo da inscrição perseguida, e, eventualmente, a suscitação de dúvida.
 
Assim, a falta de competência inscritiva não é, simpliciter, causa de estorvo à prenotação, competindo ao registrador o exercício de emanação de alguns atos alheios da matéria da inscrição definitiva.