(Princípio da prioridade registral – Décima-quinta parte)
 
628. Permuta de prioridade, de anterioridade, de lugar, de posto, de posição, de grau no protocolo, permuta de status de preferência, estas expressões referem-se à permutação da ordem no livro do protocolo do registro.
 
Rotineiramente, a questão é tratada no campo da “cessão de grau hipotecário”, ou seja, versada somente numa das espécies da permutação de ordem: esta é um gênero de que aquela, referente à hipoteca, é uma parte subjetiva.
 
Assim, lê-se na doutrina de Afrânio de Carvalho:
 
“A prioridade, resultante da ordem em que os direitos ingressarem no registro, pode ser alterada por mútuo acordo das partes, mediante a troca de grau entre eles, contanto que fiquem a salvo os direitos de terceiros. O grau é considerado um direito adjunto e independente que, como tal, pode ser objeto de negócio jurídico separado, venda, doação ou outro, A mudança de grau faz-se mediante requerimento das partes e averbação no registro.”
 
Sem embargo desta mais comum redução da matéria ao âmbito da permuta de graus hipotecários, não se pode negar símile possibilidade de permutação de ordem no protocolo registral quando se trate de títulos diversos da constituição de hipoteca.
 
Neste sentido, vejamos a doutrina de Nussbaum e de Hedemann, logo, porém, observando que o direito alemão possui norma expressa acerca do tema (§ 880 do BGB), o que falta ao direito brasileiro posto.
 
Nussbaum acomoda-se à maior amplitude dessa permuta, ao dizer que “a lei admite também a possibilidade de trocar de posição dois direitos inscritos”.
 
Prossegue o autor:
 
“Essas alterações ou «concessões de posição preferencial» −a que antes se dava o nome de «cessões de prioridade»− só podem introduzir-se por meio de acordo entre os titulares dos direitos respectivos…”.
 
Mais claramente, nesta linha, diz Hedemann:
 
“A possibilidade de trocar a posição [no protocolo] tem muita importância na construção científica: a posição aparece como um direito adjunto e independente que pode ser objeto de negócios jurídicos separados, p.ex., uma venda, uma doação (relação causal).”
 
Roca Sastre, após uma didática explanação acerca do relacionamento entre o princípio de prioridade e a ordem de apresentação do título ao registro −falando, então, numa hierarquia ou prelação de grau ou posição melhor “en beneficio de quienes acudieron antes al Registro para su inscripción”, acrescentou que a restrição do tratamento do capítulo da permuta de posto no protocolo serve para “simplificar la exposición”.
 
Vale dizer que a permuta de graus hipotecários é, por antonomásia, a permuta de ordem no protocolo do registro de imóveis. Não mais que isto. Não é exauriente, pois, das hipóteses possíveis dessa permutação de postos no livro do protocolo.
 
629. A ausência de norma legal expressa, na ordem jurídica brasileira, acerca dessa versada permuta de posição no protocolo não parece impeditiva de sua viabilidade.
 
Diz, a propósito, Afrânio de Carvalho, que “embora o direito brasileiro não admita expressamente a possibilidade de trocar o grau dos direitos inscritos, essa possibilidade é admitida pela doutrina como o nome de «cessão de grau» (…)”.
 
Parece, com efeito, que não se possa inibir, de um lado, a troca posicional no registro −por legítimo exercício da autonomia privada−, desde que, de outro lado, isto não aflija uma posição tabular de terceiro.
 
Assim o exprime bem, também aplicando-se ao quadro brasileiro, a parte final do § 880 do BGB alemão: “Os direitos que têm a posição entre o que retrocede e o que avança não são afetados pela modificação de posto”.
 
630. A experiência jurídica põe à mostra situações em que a permuta de postos no protocolo é de evidente utilidade.
 
Percorra-se, na sequência, um caso gráfico recolhido da esfera da “jurisdição administrativa” paulista.
 
O legitimado registral, Tício, vendeu um imóvel a Semprônia. Esta vendeu-o, por sua vez, a Mélvio. Este, de logo ajustou um compromisso de venda e compra com Iulia.
 
Pois bem: a promitente compradora, Iulia, prontamente apresentou o compromisso ao registro, sendo solicitadas, em continuidade, as inscrições da transferência do imóvel de Semprônia para Mélvio, e, por derradeiro, da venda do prédio de Tício para Semprônia.
 
É dizer: tudo protocolizado em ordem inversa da que permitiria, supõe-se, todos os registros.
 
O registrador, de modo fundamentado, negou-se a registrar a promessa de compra e venda −primeiro título a qualificar entre os três apresentados−, e Iulia, a promitente compradora do imóvel objeto, requereu a suscitação de dúvida.
 
O processo foi decidido em primeiro grau −declarada na comarca de origem a procedência da dúvida−, mantendo-se a sentença em segundo grau, por notório óbice de consecutividade (Mélvio não era, secundum tabulam, o proprietário do imóvel que se prometera à venda em favor de Iulia).
 
Ora, acontece que, regressando os autos à primeira instância, o registrador qualificou negativamente o pleito de inscrição da venda do imóvel de Semprônia a Mélvio (novamente, o obstáculo era o do trato consecutivo). Outra vez, dúvida, procedência na origem, recurso não provido.
 
Isto acarretou dispêndio de tempo, de custos e de esforços, quando um simples requerimento −subscrito por Iulia, Mélvio, Semprônia e, por superfetação, de Tício− poderia conduzir à alteração das posições protocolares, pondo-se cobro aos empecilhos corretamente indicados quanto à ordem estadeada com as prenotações.
 
Quero ainda relatar um outro caso, também oferecido à apreciação da justiça administrativa de São Paulo.
 
Quintus alienou um imóvel a Baldus. Este deu-o em locação a Syra, com cláusula de vigência. Ocorre que Syra levou o título da locação a registro e averbamento antes da apresentação do instrumento de venda do prédio a Baldus. Prenotaram-se os dois títulos, o da locação, pois, com vantagem posicional. Ainda uma vez, qualificação negativa, suscitação de dúvida, recurso… e, no interregno, entraram em conflito Baldus e Syra, e o fato é que Baldus alienou o imóvel a terceiro, apresentando-se o título ao registro.
 
Põe-se à vista, deste modo, a utilidade mais ampla da permuta de posições no protocolo registral, embora deva reconhecer-se que seus benefícios sejam mais notórios e comuns no caso da permuta de graus hipotecários.
 
De toda a sorte, calha sempre advertir que, admitida a permuta posicional no protocolo −o que se fará por meio de requerimento assinado pelos titulares dos direitos posicionais (não importa se dois, três ou dez), anotando-se a circunstância no livro do protocolo−, a alteração, em caso algum, poderá repercutir desfavoravelmente na situação de alguém com título prenotado de modo intermediário entre os que trocam de postos.
 
É que o terceiro possui um direito posicional, um status de preferência que deve ser resguardado.
 
Lê-se, a propósito, nas lições de Afrânio de Carvalho, embora, de modo expresso, o autor apenas se refira à permuta (ou cessão) de gradação hipotecária: “A troca de grau só produz efeitos relativos entre as inscrições intercambiadas, deixando intangíveis as que se achem de permeio”.
 
Na sequência, trataremos dessa permuta de grau em hipotecas e, por fim, da hipoteca de proprietário.