Quando um familiar morre, a questão da herança e sucessão é sempre uma preocupação. Neste sentido, muitos defendem a previdência privada como um instrumento para facilitar a partilha de bens.
 
Funciona assim: quando uma pessoa adere a um plano de previdência privada, seja VGBL ou PGBL, ela acrescenta um ou mais beneficiários, que terão direito ao valor aplicado em caso de falecimento. Caso ocorra a morte, os beneficiários poderão resgatar o saldo acumulado com mais agilidade, já que ele não é incluído no inventário.
 
“Apesar de ser uma questão relativamente recente, os tribunais brasileiros têm fixado o entendimento de que, em regra, o VGBL e o PGBL possuem natureza securitária, conforme estabelecido pela SUSEP, não estando sujeito aos efeitos sucessórios, conforme determina o artigo 794 do Código Civil”, dizem André Muszkat e Bruno Madeira, advogados do escritório CSMV Advogados.
 
Além de não ser incluído como parte do patrimônio para fins de sucessão, nem estar sujeito à colação (obrigação do herdeiro em trazer o valor para recompor a conta da partilha com os demais herdeiros), esse patrimônio também não entra no cálculo do imposto sobre a herança – o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação (ITCMD). Ele varia de 4% a 8% do montante e é cobrado sobre todos os bens deixados, inclusive valor venal de imóveis, empresas, valores de cotas em fundos e saldo de investimentos.
 
Quando começam os conflitos entre partilha de bens e previdência privada
 
Como os recursos alocados nos fundos de previdência privada não fazem parte do patrimônio do falecido para fins de sucessão, os herdeiros que não foram beneficiados podem se sentir prejudicados e procurar a Justiça para reverter a situação.
 
Para decidir esse tipo de conflito, os juízes analisam a natureza da aquisição do plano de previdência pelo seu instituidor – ou seja, se ele realmente foi feito para fins securitários, como investimento ou, ainda, para burlar a cobrança do ITCMD.
 
“Caso o plano de previdência privada tenha características de investimento, como por exemplo em casos de valores elevados, fugindo do seu escopo securitário, já há jurisprudência firmada no sentido de que, nessas hipóteses, o VGBL e o PGBL não ostentam características securitárias, assemelhando-se a investimento financeiro, devendo, por essa razão, integrar o acervo hereditário”, afirmam Muszkat e Madeira.
 
Quem tem direito à herança?
 
Isso é analisado caso a caso. De acordo com Carlos Alberto de Mello Iglesias, sócio-administrador do Cepeda, Greco & Bandeira de Mello Advogados e especialista em Direito Familiar, para chegar a um veredito, a Justiça pode analisar como o plano foi constituído – se ao longo dos anos, com o objetivo de assegurar a aposentadoria, ou repentinamente – e, ainda, qual é a representatividade desse dinheiro da previdência privada dentro do patrimônio do falecido.
 
“Por exemplo, se uma pessoa de 90 anos, já muito debilitada, aplica 90% de seu patrimônio em um VGBL que tem apenas um beneficiário, pode-se constatar que isso foi feito de má fé”, explica.
 
Em tese, a divisão de bens entre herdeiros deve ser igualitária. Por exemplo, se temos dois filhos e uma viúva, cada um ficaria com um terço do patrimônio. A exceção fica para os casos onde há um testamento para diferenciar essa divisão – que, mesmo assim, estabelece que um mesmo herdeiro pode ficar com, no máximo, 50% dos bens do falecido.
 
Previdência privada: o que fazer caso se sinta prejudicada na partilha de bens?
 
Caso seja feita uma manobra via previdência privada, os herdeiros que se sentirem prejudicados podem, sim, consultar um advogado e questionar a situação no momento da partilha de bens.
 
“Neste caso, quem se sentir prejudicado não pode assinar nenhum documento, nem dar quitação do inventário ou escritura. Se você o fizer, significa que aceitou a partilha daquela forma”, aconselha Iglesias.
 
Resumidamente, se a Justiça determinar que o VGBL ou PGBL foi usado apenas para burlar a sucessão familiar, o herdeiro que se sentir prejudicado poderá pleitear sua inclusão na partilha de bens.
 
Porém, é preciso ser ligeira: a lei determina que a seguradora pague o valor do plano de previdência privada ao beneficiário indicado em até 30 dias a partir da comunicação do falecimento.
 
“O ideal é que, ainda em vida, o titular dos bens programe sua sucessão, seja mediante a elaboração de um testamento, seja por outros mecanismos jurídicos válidos, evitando maiores questionamentos futuros sobre a partilha”, finalizam Muszkat e Madeira.