Ainda sem regulamentação no país, os distratos na compra de imóveis têm sido fonte de longas batalhas judiciais entre compradores e construtoras no Brasil. O tema está em tramitação no Senado, onde não encontrou consenso dos parlamentares.
 
O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 68/2018, que define regras para a desistência da compra de imóvel na planta, foi rejeitado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em julho, mas um recurso o levou para o Plenário, onde o texto recebeu 13 novas emendas. Com isso, a proposta voltou à CAE, que designará um relator para se se manifestar sobre as sugestões.
 
A maioria das emendas são da senadora Simone Tebet (MDB/MS), que foi uma das defensoras de mudanças no texto durante a votação na CAE.
 
— É um projeto que diz que vem garantir, através do marco regulatório, a segurança jurídica numa relação contratual entre comprador e vendedor, bem como coibir abusos especialmente de especuladores do ramo imobiliário. Mas todas as motivações são desmontadas quando nós lemos um a um os dispositivos, artigos, parágrafos e incisos deste projeto — afirmou.
 
Na opinião dela, a proposta tende a ser mais favorável às empresas, e a maioria absoluta de quem financia um imóvel são cidadãos bem intencionados:
 
— Ainda que os especuladores correspondam, no montante, a 5% de tudo o que é contratualizado nessas relações, nós não estamos aqui para legislar pela exceção; nós estamos aqui para legislar pela regra — opinou.
 
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) é outra que criticou o projeto. Segundo ela, o texto inicial do deputado Celso Russomano (PRB-SP) foi desfigurado durante a tramitação na Câmara dos Deputados.
 
— Em benefício de quem? Em benefício do mutuário, daquele que está perdendo o emprego? Não! Esse projeto aqui prevê apenas a proteção do construtor, lamentavelmente — afirmou.
 
Apoio
O senador Romero Jucá (MDB/RR) defendeu o texto. Na opinião dele, não se trata de beneficiar as empresas, pois é um projeto que protege a sociedade brasileira que precisa comprar imóveis de construtoras que concluam suas obras.
 
— O que estamos vendo hoje é uma situação de quebradeira no setor imobiliário, uma situação extremamente grave, e isso compromete não só quem quer devolver o imóvel, compromete aquele que comprou um imóvel que a construtora não entrega porque não conclui a obra. Nós vimos isso já em várias situações. Eu queria lembrar o caso da Encol, que foi o mais grave deles — disse, durante a fase de discussão do projeto.
 
Emendas
Entre as emendas apresentadas em Plenário a serem analisadas agora pelo relator na CAE, está uma para dar mais clareza quanto às obrigações contratuais do incorporador e do adquirente. Para isso, determina a inserção de um quadro-resumo no início do contrato, com as principais obrigações assumidas.
 
Esse quadro deve ter informações como preço, taxa de corretagem, forma de pagamento, índice de correção monetária, taxas de juros e as consequências do desfazimento do contrato. Com isso, incorporador e comprador não mais poderão alegar desconhecimento das principais obrigações contratadas.
 
Há ainda emendas de redação, de alterações de prazos, de proteção de contratos já celebrados e outras para reequilibrar os direitos e obrigações entre contratante e contratado.
 
Alternativa
Outro projeto sobre distrato é o PLS 288/2017, do senador Dalirio Beber (PSDB/SC). Relatado pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE), o texto está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e foi apontado por alguns parlamentares como mais equilibrado em relação aos interesses dos consumidores e incorporadoras.
 
O que prevê o PLC 68/2018
Atraso O atraso de até 180 dias para a entrega do imóvel não gerará ônus para a construtora. Se houver atraso maior na entrega das chaves, o comprador poderá desfazer o negócio e terá direito a receber tudo o que pagou de volta, além da multa prevista em contrato, em até 60 dias. Se não tiver multa prevista, o cliente terá direito a 1% do valor já desembolsado para cada mês de atraso.
 
Patrimônio de afetação Permite que as construtoras fiquem com até 50% dos valores pagos pelo consumidor em caso de desistência da compra, quando o empreendimento tiver seu patrimônio separado do da construtora (mecanismo chamado de patrimônio de afetação). Tal sistema foi criado após a falência da Encol. Com o patrimônio afetado, as parcelas pagas pelos consumidores não se misturam ao patrimônio da incorporadora ou construtora e, se ela entrar em dificuldades financeiras, não poderá fazer parte da massa falida.
 
Multas Para os demais casos, ou seja, fora do patrimônio de afetação, a multa prevista para o consumidor é de até 25%. O Judiciário hoje costuma decidir entre 10% e 25% para o valor da multa. O projeto original fixava 10% de desconto na restituição das parcelas pagas para qualquer caso. O comprador terá direito à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, corrigidas monetariamente. O valor devolvido, no entanto, terá desconto da comissão de corretagem e do valor da multa.
 
Alternativa Quando o comprador desistente apresentar um interessado em ficar com o imóvel, não haverá retenção da pena contratual, desde que a incorporadora dê a anuência na operação e o novo mutuário tenha seu cadastro e capacidade financeira aprovados.
 
Habite-se Se o imóvel tiver sido construído no regime de afetação, o comprador somente receberá o que pagou de volta (deduzida a multa de 50% sobre as parcelas pagas) no prazo de até 30 dias após a expedição do Habite-se.
 
Arrependimento
Se a compra tiver sido feita em estandes de venda ou fora da sede do incorporador, o direito de arrependimento poderá ser exercido em sete dias, contados da compra, com a devolução de todos os valores eventualmente antecipados, inclusive da comissão de corretagem. Se o comprador não se manifestar em uma semana, o contrato será considerado irretratável.