O ministro Raul Araújo abriu o segundo painel do simpósio O Agronegócio na Interpretação do STJ, na manhã de quarta-feira (26 de setembro), no auditório do Superior Tribunal de Justiça, com o tema “Arrendamento Rural”. O magistrado destacou a importância do assunto para o desenvolvimento do país e falou sobre a necessidade de se discutir a validade da cláusula contratual que permite a fixação do preço do arrendamento em produtos, o que atualmente é vedado pela legislação.
 
Para o ministro, tal vedação já não se justifica diante das mudanças ocorridas no cenário econômico brasileiro, em que os produtos agrícolas são commodities, com os preços fixados no mercado internacional, não podendo as partes exercer qualquer manipulação sobre esse preço, que é determinado pela lei da oferta e da procura.
 
Prosseguiu o debate a professora da Universidade de São Paulo (USP) Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, que discorreu, além de outros tópicos, sobre a inaplicabilidade do Estatuto da Terra em relações entre hipersuficientes, o prazo mínimo do contrato de arrendamento rural para criação de gado bovino e o uso do contrato de arrendamento rural como base para a ação monitória.
 
Em relação ao pagamento do arrendamento com produtos em vez de dinheiro, a professora ressaltou que a discussão é bastante relevante e precisa ser cuidadosa, pois esse tipo de remuneração poderia acarretar prejuízos para o produtor rural não proprietário, que estaria vulnerável ao preço altamente variável dos produtos, ainda que fixado em commodities.
 
Giselda também parabenizou o STJ pela contribuição na formação da jurisprudência sobre o tema, com destaque para os Informativos 208 e 580 do tribunal.
 
Após, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, reforçando a fala da professora da USP, mostrou um pouco da jurisprudência do tribunal acerca do arrendamento rural e falou dos princípios aplicáveis a esse tipo de contrato.
 
Segundo Sanseverino, as principais questões apreciadas pelo tribunal a respeito do agronegócio são a incidência do Estatuto da Terra, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, o direito de preferência, o prazo mínimo do contrato e o preço fixado em produto.
 
Encerrando o painel, o diretor executivo do Instituto Legislativo Brasileiro, do Senado Federal, Helder Rebouças, apresentou o projeto do novo Código Comercial (NCC), que tramita atualmente no Congresso Nacional.
 
Segundo ele, alguns dos temas presentes no projeto sobre o agronegócio são a mitigação da função social do contrato, o papel da jurisdição (inafastabilidade), o modelo adequado de decisão judicial com contratos coligados, a mitigação da onerosidade excessiva e a segregação definitiva entre contratos rurais no novo código e os contratos do Estatuto da Terra.
 
Recuperação judicial
 
O terceiro painel do evento, presidido pela ministra Nancy Andrighi, trouxe à mesa discussões sobre “Recuperação Judicial de Empresas Agrícolas”. Os palestrantes ressaltaram a importância do agronegócio para o país, que o torna, nas palavras do advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, “celeiro do universo”.
 
O advogado destacou que é preciso contribuir para o progresso do agronegócio, e que questões como a recuperação judicial dos empresários rurais devem ser pautadas no entendimento de que se trata de um setor que depende tanto de incentivo financeiro, quanto de condições alheias à vontade humana, como o clima.
 
“A recuperação judicial do empresário rural não pode ser uma batalha entre credores e devedores, e a jurisprudência desta corte superior tem se mostrado bastante coerente ao discutir as questões que surgem nessa seara”, afirmou o palestrante.
 
O ministro Moura Ribeiro disse que a jurisprudência do STJ caminha na direção de dar ao Código Civil e à Lei de Recuperação Judicial uma interpretação que enquadre os produtores rurais na condição de empresários.
 
“As legislações de enquadramento dos produtores rurais aos requisitos impostos pela Lei de Recuperação Judicial ainda se encontram em processo de produção. Nesse ínterim, aqui no STJ, temos dado interpretações que visam a ampará-los, principalmente em relação à exigência de registro de suas atividades nos órgãos competentes, que não pode ser encarada como empecilho, visto que tem natureza apenas declaratória e não constitutiva”, avaliou Moura Ribeiro.
 
A ministra Nancy Andrighi encerrou o debate relembrando a importância de se lançar “um olhar mais afetuoso sobre aqueles que trabalham com o agronegócio no Brasil”.
 
Judiciário mais próximo
 
A mesa de encerramento do simpósio foi comandada pelo ministro Luis Felipe Salomão e contou com a participação do diretor jurídico da Anima Educação, João Batista de Carvalho, e da advogada e professora Luciana Monduzzi Figueiredo.
 
João Batista elogiou a organização do evento e anunciou que os debates suscitados farão parte de um curso de especialização com foco na questão jurídica do agronegócio.
 
A professora Luciana Figueiredo começou sua exposição afirmando que um dos pontos positivos do simpósio foi ter levantado questões que ainda carecem de respostas concretas.
 
Para ela, esse aspecto mostra a importância de haver uma aproximação maior entre o Judiciário e o meio rural. “Uma questão que ficou bastante clara foi a inadequação das decisões tomadas em relação aos contratos de arrendamento rural com a atual realidade do país”, alertou.
 
Um dos coordenadores científicos do simpósio, o ministro Salomão ressaltou a importância do evento – que contou com a presença de vários ministros que atuam diretamente com a matéria – para as atividades do STJ. “Eventos como este surgem da necessidade de atualização que nós, magistrados, sentimos no nosso dia a dia. Com o seminário, conseguimos ter uma melhor noção do que permeia todos os lados dessa questão do agronegócio”, finalizou o ministro.