“Quanto à Constituição, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”, disse o presidente da Assembleia Constituinte, deputado Ulysses Guimarães na ocasião da promulgação da Constituição Federal, em sessão do dia 5 de outubro de 1988. Há 30 anos, a partir das 15h50 os brasileiros tinham uma nova Carta Magna.
 
A chamada, pelo próprio Ulysses, “Constituição Cidadã” foi promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte – composta por deputados e senadores eleitos democraticamente em 1986, após 21 anos de regime militar, iniciado com o golpe de 1964. A constituição restabeleceu o voto direto e secreto, o habeas corpus  e a proibição a qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística.
 
A elaboração da Constituição, sétima da história do Brasil, propiciou uma oportunidade inédita de participação popular. Antes mesmo da instalação da Assembleia Constituinte, o Senado Federal criou, em 1986, o projeto Constituição, colocando disponíveis nas agências dos Correios de todos os municípios brasileiros formulários de sugestões aos constituintes. Foram recebidas mais de 70 mil cartas.
 
Além disso, a sociedade pôde participar por meio da proposição de emendas populares, que deveriam ser propostas por três entidades e reunir assinaturas de 30 mil eleitores – foram apresentadas 122 emendas populares, diversas delas aprovadas no texto final da Constituição. Duas propostas feitas por entidades, por exemplo, deram origem a dois incisos que pertencem ao art. 5º da Constituição: o inciso I, pelo qual homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, e o XLII, que determina que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível”.

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Marco na garantia de direitos ao cidadão, o artigo 5º assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O artigo determina, entre dezenas de incisos, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, que não haverá pena de morte e que  ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos e a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
 
Pelo artigo 5º, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Além disso, é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

O trabalho da Constituinte durou um ano e oito meses, e sua tramitação obedeceu a sete etapas no Congresso Nacional, culminando com a sua promulgação em 5 de outubro de 1988.
 
Entre os avanços estão a educação como dever do Estado, inclusive para quem não teve acesso ao ensino na idade correta, a proteção ao meio-ambiente e o pleno acesso à cultura – com a obrigação do Estado de proteger todos os tipos de manifestação tipicamente nacionais, como a indígena, a popular e a afro-brasileira.
 
A Constituição Cidadã determinou a defesa do consumidor – e a elaboração do Código de Defesa do Consumidor –, implementou o Sistema Único de Saúde (SUS), colocando a saúde como direito de todos e dever do Estado, assegurou a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, o direito à licença-paternidade, entre muitos outros direitos.
 
Para Ulysses Guimarães, a Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. “É sua marca de fábrica. O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria. […] Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”, disse o presidente da Assembleia Nacional Constituinte