Número do processo: 0011926-84.2012.8.26.0445
Ano do processo: 2012
Número do parecer: 216
Ano do parecer: 2017
Parecer
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 0011926-84.2012.8.26.0445
(216/2017-E)
Registro de Imóveis – Escrituras de cessão de bem individualizado e de inventário extrajudicial – Registros sequenciais da partilha e da cessão – Insurgência a respeito do registro da partilha – Descabimento – Alienação de bem específico da herança, que não se confunde com cessão dos direitos hereditários – Inteligência do artigo 1.793 do Código Civil – Atuação do registrador, que, sem desnaturar a essência dos títulos, deu eficácia plena às escrituras públicas que lhe foram apresentadas – Parecer pelo não provimento do recurso administrativo.
Trata-se de recurso administrativo interposto por Olga de Castro Ramos Mello contra a sentença de fls. 77/80, que indeferiu o pedido de cancelamento do R.6 e de retificação do R.7 da matrícula n° 27.412 do Registro de Imóveis e Anexos de Pindamonhangaba.
Sustenta a recorrente, em resumo, que: a) a cessão dos direitos relativos ao bem objeto da matrícula n° 27.412 foi feita por ela, viúva meeira, e por todos os herdeiros antes da partilha dos bens deixados por Carlos Henrique Ramos Mello; que a cessão de bem individualizado realizada por meio de escritura pública é válida e eficaz; e que o registrador não poderia alterar o teor do título que lhe foi apresentado. Pede, por fim, a reforma da sentença, com o cancelamento do R.6 e retificação do teor do R.7 da matrícula n° 27.412 do Registro de Imóveis de Pindamonhangaba (fls. 84/93).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 109/112).
É o relatório.
Opino.
Inicialmente, considerando que os atos buscados pela recorrente (cancelamento e retificação) são materializados por meio de averbação, o caso é de se receber a apelação como recurso administrativo, na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo[1].
Segundo consta, no ano de 1993, Carlos Henrique Ramos Mello e Olga de Castro Ramos Mello adquiriram imóvel descrito na matrícula n° 27.412 do Registro de Imóveis de Pindamonhangaba (cf. R.4 – fls. 19).
Em 2009, Carlos Henrique faleceu (cf. R.5 – fls. 19, verso).
No ano de 2011, por meio da escritura pública de fls. 17/18, a viúva meeira Olga, ora recorrente, e os demais herdeiros de Carlos Henrique cederam os direitos relativos ao imóvel da matrícula n° 27.412 a José Ricardo Manckel Amadei e Maria Giovanna de Melo Amadei.
Em 2012, os bens deixados por Carlos Henrique foram objeto de inventário extrajudicial e devidamente partilhados entre seus herdeiros (fls. 11/16). No bojo dessa escritura, constou que o bem objeto da matrícula n° 27.412 havia sido objeto de cessão anterior que favoreceu José Ricardo e Maria Giovana (fls. 15).
Essas duas escrituras deram origem a três inscrições na matrícula n° 27.412, A A.v.5 noticiou a morte de Carlos Henrique (fls. 19, verso); o R.6 referiu-se à partilha do bem entre a viúva meeira e os cinco herdeiros filhos (fls. 19/20); e o R.7 tratou da cessão do bem a José Ricardo e Maria Giovana (fls. 20).
Após decisão de primeiro grau que indeferiu seu pedido, insurge-se a recorrente contra a forma como as inscrições foram lançadas. Como a cessão ocorreu antes do inventário, insiste que o bem não poderia ter sido partilhado. Segundo seu raciocínio, após a averbação da morte de Carlos Henrique, o bem já deveria ter sido transferido diretamente aos cessionários.
Sem razão, contudo.
Prescreve o artigo 1.793 do Código Civil:
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
Dois tipos de cessão são tratados nesse dispositivo legal: a cessão de quinhão da herança (caput e § 1°) e a cessão de bem individualizado que pertence à herança (§2° e §3°).
Pela escritura pública acostada a fls. 17/18, fica muito claro que a recorrente e os herdeiros de Carlos Henrique optaram por ceder a José Ricardo e Maria Giovana bem individualizado pertencente ao monte partível.
Em se tratando de bem singularmente considerado, aplicam-se os §§ 2º e 3º do artigo 1.793. Como consequência, não tendo havido prévia autorização judicial, a cessão do bem ainda indivisível é ineficaz.
Note-se que o §3° do artigo 1.793 tacha de ineficaz a disposição que envolve bem específico, sem prévia autorização judicial, feita por “qualquer herdeiro”. Depreende-se daí que, na hipótese de bem específico, a ineficácia atingirá a disposição feita por um, alguns ou todos os herdeiros.
A ineficácia, por sua vez, perdurará enquanto o estado de indivisão persistir. Assim, realizada a partilha, viável o registro da cessão do bem individualizado, com a transferência do imóvel aos cessionários.
E foi esse o caminho trilhado pelo registrador: tendo em mãos as escrituras públicas de inventário e partilha (fls. 11/16) e de cessão (fls. 17/18), optou por, de forma sequencial, averbar o falecimento de Carlos Henrique (Av.5), registrar a partilha do imóvel entre os herdeiros e a viúva meeira (R.6) e adjudicá-lo aos cessionários (R.7).
Agindo dessa maneira, o registrador, sem desnaturar a essência dos títulos que tinha em mãos – pois preservou a intenção das partes, que, a rigor, era a transferência da propriedade do bem aos cessionários – observou o artigo 1.793 do Código Civil e os precedentes da Corregedoria Geral que cuidam do tema[2], dando eficácia plena às escrituras públicas que lhe foram apresentadas.
A propósito do tema, decisão do Conselho Superior da Magistratura já citada pela MM. Juíza Corregedora Permanente:
“Registro de Imóveis – Escritura de cessão de direitos hereditários e inventário extrajudicial – Monte mor composto por um único imóvel – ITCMD e ITBI devidamente recolhidos – Possibilidade de ingresso no fólio real, registrando-se primeiramente a transferência aos herdeiros, conforme partilha que se extrai da escritura, e depois a adjudicação ao cessionário – Recurso provido” (Apelação n° 0025959-80.2012.8.26.0477, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 10/10/2014).
Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo, negando-lhe provimento.
Sub censura.
São Paulo, 22 de maio de 2017.
Carlos Henrique André Lisboa
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo e apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 23 de maio de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: FÁBIO NETTO DE MELLO CESAR, OAB/SP 196.666 e ALINE DE MELO AMADEI, OAB/SP 216.474.
Diário da Justiça Eletrônico de 20.07.2017
Decisão reproduzida na página 191 do Classificador II – 2017
Notas:
[1] Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes corregedores permanentes, sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.
[2] Processo CG nº 2011/13945, que trata da alienação de bem específico (fls. 49/51), e Processo CG nº 2012/61322, que cuida de cessão de direito hereditário, distinguindo-a da alienação de bem específico (fls. 54/56).