(O registro de imóveis e os títulos materiais inscritíveis: a hipoteca – parte 18)
 
801. Resulte ou não da indústria humana, tudo o que se agregar a imóvel hipotecado será incluído, objetivamente, no plexo da garantia, ao modo como um acidente se junta a uma substância. Assim os acessórios do prédio garantido, sejam os que já ali estivessem antes da constituição hipotecária, seja os que se juntem em período posterior, são abrangidos pela hipoteca, o que se justifica, diz Carvalho Santos, “porque o princípio acessorium sequitur principale nada tem a ver a com o tempo em que nasce a relação do acessório com o principal” (Carvalho Santos).
 
Desta maneira, todas as partes integrantes do imóvel objeto da hipoteca são abarcadas pela garantia, nada importando que se trate de partes essenciais ou não, de partes corporais ou incorpóreas (p.ex., as cargas reais), de partes integradas antes da configuração da hipoteca ou só com posterioridade a ela (cf., a propósito, Enneccerus, Kipp e Wolff).
 
As acessões, sejam elas naturais ou sejam artificiais, incorporam-se, ipso facto, à substância do imóvel hipotecado, de sorte que não necessitam mencionar-se no registro imobiliário para que se compreendam abrangidas pela hipoteca, quer antecedam a inscrição da garantia, quer a sucedam.
 
Fez ver Serpa Lopes que “a extensibilidade do ônus hipotecário não se dilata a um novo objeto”, senão que se expande sobre novos elementos adicionados a seu próprio objeto. Ou seja, as acessões adicionam-se sob o modo de um acidente ao objeto ou substância da hipoteca, sem, pois, que se trate de um novo imóvel. E, por isto, não se exige, secundum naturam, uma alteração registrária da hipoteca para condicionar o reconhecimento dos acessórios: “…a acessão é um fato, cuja existência independe de qualquer inscrição, transcrição ou averbação”.
 
Não diversamente, lê-se na doutrina de Carvalho Santos que a hipoteca se estende “às acessões, melhoramentos e construções ex vi legis, sem necessidade de qualquer inscrição nesse sentido”.
 
O fundamento dessa expansão objetiva é, já se apontou, o de que o acessório siga a sorte do principal, e isto não só se refere ao aspecto substantivo, vale dizer, à realidade das coisas, ou seja, à junção de terras ou de uma construção num imóvel que permanece sempre substancialmente único, mas também concerne ao aspecto formal, ao aspecto da inscrição imobiliária. Se, com efeito, a hipoteca grava registrariamente o principal, grava, por igual, o acessório, ainda que dele não se faça menção no registro, exatamente pela comunidade de sorte do principal e do secundário, da substância e dos acidentes.
 
Isto não implica, todavia, dispensa alguma do dever de inscrição das acessões (ver, para o direito brasileiro, o n. 4 do inc. II do art. 176 da Lei n. 6.015/1973, dispositivo que, a generali sensu, abrange as acessões naturais, embora a aluvião e a avulsão constituam objeto mais moldado aos processos de retificação do registro). A circunstância de a hipoteca inscrita não demandar a constância adicional das acessões para abrangê-las deixa a salvo, porém, eventual estatuição sancionadora para a falta de seu registro (p.ex., quando isto o comine a legislação, penalidades de multa; ou a possibilidade de responsabilização civil, desde que se indiquem e confirmem danos patrimoniais ou lesões de caráter moral).
 
802. Na hipótese de agregação de imóvel contíguo a prédio hipotecado, estende-se objetivamente a garantia?
 
Ao tempo do Decreto brasileiro n. 370/1890 (de 2-5), admitia-se a extensão objetiva da hipoteca aos “terrenos adquiridos pelo devedor e incorporados expressa ou tacitamente ao imóvel hipotecado”, sempre, no entanto, que se tratasse de reaquisição de prédio antes hipotecado e que se houvesse segregado por divisão ou partilha (§ 3º do art. 138).
 
Com o advento do Código civil de 1916, solidou-se o entendimento de que não se incluíam no objeto da hipoteca, disse Clóvis Beviláqua, “as aquisições posteriores de prédios contíguos, ainda que anexados ao imóvel (garante)”, porque, prossegue o autor, não são acessões. Também isto ensinou Carvalho Santos: “a hipoteca não se estende nem abrange os terrenos que contíguos ao hipotecado o proprietário adquira, porque aí não há, na realidade, uma verdadeira acessão”.
 
Qual é o fundamento desta recusa de incluir, nas hipóteses de sua agregação, imóveis contíguos ao hipotecado? Diz Ademar Fioranelli que, neste quadro, não há “acessão de imóvel a outro, mas união de imóveis em que é possível reproduzir na matrícula fundida o imóvel que foi especializado e dado em garantia hipotecária”. O que, pois, não se reconhece nessa agregação é a acessoriedade do imóvel confrontante em relação ao prédio hipotecado: a união dos dois imóveis, sustentou Carvalho Santos, não retira do prédio anexado “o caráter de coisa distinta e igualmente principal”. Também se lê, a propósito, em Lafayette: “a porção de terreno que o devedor posteriormente adquire, e com o qual alarga a sua fazenda, chácara ou campo, é sempre uma coisa que subsiste por si e que nunca se pode considerar acessória”.
 
Não se pode, entretanto, refutar à partida a possibilidade de distinguir entre (i) a união stricto sensu de diversos imóveis união da qual não caiba reconhecer o caráter principal de um dos prédios em relação a outro, e (ii) a mera adscrição de uma ou mais porções prediais partes adscritas a um imóvel principal contíguo, adscrição em que se manifeste relacionamento de acessoriedade (cf. Enneccerus, Kipp e Wolff). Este é um problema factual e muito possivelmente antes afeto a uma decisão judiciária do que à qualificação registral, mas não se pode negar haja hipóteses de evidente acessoriedade na agregação: p.ex., pensemos na aquisição de uma relativamente pequena franja de terreno para juntar-se uma gleba extensa; insista-se: suponhamos que se adquira por meio de usucapião uma nesga de uns tantos metros quadrados que se agreguem a uma grande fazenda. Ter-se-ia de cogitar, pois, em um quadro excepcional, mas já Carvalho Santos admitia refugir da tese comum de não expansividade objetiva da hipoteca a anexação de prédios quando se tratasse de um estabelecimento industrial.
 
Em contrapartida, no entanto, a segregação do imóvel hipotecado não o reduz objetivamente, porque a garantia persevera em todas as porções do prédio, nada obstante deva a hipoteca inscrever-se na matrícula que corresponda à parte segregada (parece que, nesta hipótese, caiba mero averbamento de transporte ou traslado).
 
803. As servidões ativas dos imóveis hipotecados é dizer, as servidões constituídas em favor destes prédios garantes incluem-se no objeto da garantia (o que, no Brasil, já era previsão expressa do Decreto n. 370, de 1890: “A hypotheca abrange: § 1º O immovel com todas as suas pertenças e servidões activas” art. 137), e é da doutrina que a segunda parte do art. 811 do Código civil nacional de 1916 compreendia, sob a noção de ônus reais, as servidões ativas (vidē, por todos, Martinho Garcez e Lafayette), desde que não separadas do imóvel correspondente (cf., inter plures, Affonso Fraga e Serpa Lopes). As servidões inerem ao prédio dominante, e, pois, suposto se constituam posteriormente à instituição hipotecária, acedem ao imóvel garante.
 
Por outro lado, a extinção das servidões passivas ou seja, aquelas em que o imóvel hipotecado é o serviente configura uma hipótese também de acessão natural (Alberto Leuro), de maneira que supressa uma servidão passiva p.ex., uma passagem forçada, quando sobrevém ao imóvel dominante a abertura contígua de uma via pública, dá-se um acréscimo de valor econômico que adere ao prédio hipotecado.