O NOTÁRIO E A MORALIDADE PÚBLICA (parte 4)
 
A consideração da natureza humana como fonte manifestativa das normas morais – ou, se se quiser, como sua fonte constitutiva secundária – não pode deixar de abranger a dimensão política dessa natureza, ou seja, a circunstância notória de que o homem, na célebre expressão de Aristóteles, é um animal político, um animal, pois, que exige, por sua mesma natureza, viver (ou melhor, conviver) em sociedade.
 
E é, portanto, na ordem política, ou seja, na polis, na comunidade em que convive com outros indivíduos, com grupos sociais, com o estado e com o todo comunitário que, com efeito, dá-se a concretização da atividade humana: é nessa ordem política, pois, singularmente, que os bens éticos passam da esfera abstrata de seu dever ser à órbita das concretas ações morais da pessoa.
 
A larga experiência humana foi, assim, recolhendo os variados episódios das atividades dos homens e das sociedades, enunciando um conjunto de hábitos (e, acrescentemos com alguma impropriedade, disposições) – que poderíamos englobar sob a rubrica “virtudes fundamentais” (título, a propósito, de uma notável obra de Josef Pieper), disposições e hábitos para o bem viver humano, abarcando as quatro virtudes cardeais (prudência, justiça, fortaleza e temperança) e suas anexas.
 
Vamos considerar aqui, brevitatis studio, apenas as importantes indicações que, a propósito das virtudes público-morais, relacionou Bernardino Montejano. Mas, antes de aventurar-nos pela trilha deste grande jusfilósofo e tabelião de notas argentino de nossos tempos, é preciso reiterar que os notários, por sua missão de magistrados – atuando com o status publicæ personæ em benefício da paz jurídica, conciliando, mediando, prevenindo conflitos –, não apenas devem agir em consonância com a moral pública, senão que devem ainda ter consciência da função paideica de sua conduta, ou seja, do papel pedagógico que exercem junto à comunidade.
 
Assim, as virtudes que Montejano enuncia não são somente os hábitos (alarguemos isto às disposições) que o notário deve possuir, mas os hábitos (e disposições) que o notário também deve ensinar, sobretudo pelo exemplo, a toda a comunidade. Esses hábitos, pois, são virtudes exigíveis de todos e, para satisfazer-se a exemplaridade, em grau mais elevado, entre outros, virtudes que mais se espera observem os juízes, os notários, os registradores, os professores, os que detêm, enfim, autoridade e poder na sociedade política.
 
Vem a calhar, a propósito, uma lição interessante ditada por Dom Jean-Baptiste Chautard, referindo-se a um tipo em toda a história humana muito importante de autoridade social, o sacerdote. Pois bem, Dom Chautard, pondo em relevo o tema da exemplaridade dos que detêm auctoritas, disse que a um sacerdote santo corresponde um povo fervoroso; a um sacerdote fervoroso, um povo piedoso; a um sacerdote piedoso, um povo honesto; a um sacerdote honesto, um povo ímpio. Mutatis mutandi, também das autoridades temporais, por seus exemplos, devem aguardar-se bons ou maus consequentes na comunidade.