Você sabe se o seu vizinho é realmente o dono do apartamento onde mora? Ou ele apenas tomou posse após o antigo morador morrer? O usufruto de um imóvel vazio por amigos, vizinhos ou empregados de um proprietário que já faleceu e não tem herdeiros é mais comum do que se imagina.
 
Em Copacabana, há o caso de um ex-zelador que, após o falecimento de um casal de idosos sem filhos, se mudou para lá com a família. Na Tijuca, foi uma amiga que prestou auxílio à proprietária em seus últimos dias. Depois da morte, há três anos, ela se mudou de mala e cuia e por lá ficou.
 
Mas e o que acontece quando uma pessoa se instala em um imóvel que não é dela? De acordo com o especialista em direito imobiliário Hamilton Quirino, em caso de invasão, o proprietário pode requerer ação para a retirada dos moradores, mediante ordem judicial e para evitar usucapião do imóvel.
 
Entretanto, como nos casos acima, se ninguém aparecer por um determinado tempo, o morador pode entrar com o pedido de usucapião. A modalidade é antiga, complexa, às vezes polêmica e tem se tornado mais comum desde 2016, quando houve a regulamentação do usucapião extrajudicial, em que não há a necessidade de um processo.
 
Segundo o advogado Leandro Sender, o morador também pode iniciar os trâmites pela via judicial (ou no caso de não ter obtido êxito extrajudicialmente).
 
— Na via judicial, o juiz expede uma ordem de registro do título ao Registro de Imóveis. O usucapião extrajudicial é feito via Cartório de Notas, por meio de uma ata notarial, que vai diretamente para o Registro de Imóveis. É mais simples e menos demorado, mas ainda não está bem consolidada porque é recente — acrescenta Quirino.
 
Como funciona
O também advogado Gilberto da Rocha Bento Jr explica que, em geral, os requisitos para adquirir uma propriedade por usucapião é ter a posse mansa e pacífica.
 
— Isso significa que o morador deve estar no imóvel particular há muitos anos, agindo como se fosse proprietário, pagando impostos e demais obrigações da área sem contestação do dono.
 
Em geral, há várias modalidades de usucapião e cada uma tem suas regras, documentos exigidos e tempo mínimo de moradia no imóvel em questão. Em todas, porém, o processo deve ser mediante um prazo mínimo de residência ininterrupta e sem oposição. Vale lembrar que os bens públicos não estão sujeitos ao usucapião, salvo raríssimas exceções.
 
Hamilton Quirino esclarece que o usucapião pode ser ordinário, extraordinário, especial e familiar.
 
— O usucapião extraordinária é decorrente da ocupação por 15 anos e o ordinário, por 10 anos. Já o especial é aquele onde houve ocupação de área urbana não superior a 250m² e não superior a 50 hectares na área rural. O familiar, por sua vez, é para imóvel até de 250m², ocupado por um dos cônjuges, com o abandono pelo outro.
 
Segundo Leandro Sender, as regiões que mais concentram pedidos de usucapião são aquelas localizadas no interior e em áreas com imóveis de baixa renda, ante a existência de invasões de terrenos, falta de regularização das propriedades e abandono de imóveis.
 
Ele lembra que quem reivindica o usucapião não pode ser proprietário de nenhum outro imóvel rural ou urbano.
 
O processo para solicitar o usucapião é demorado, podendo chegar facilmente a dez anos, devido à complexidade na produção de provas.
 
A quem quiser entrar com um processo de usucapião, o advogado Bento Jr lembra que é preciso reunir uma série de documentos, para comprovar o tempo de permanência no imóvel. Entre eles, IPTU, contas de água e luz, recibos com endereço de entrega, declarações de instituições privadas confirmando a existência, como hospitais, escolas e universidades, e correspondências particulares.
 
— Além da documentação será necessário apresentar, juntamente com a petição inicial, cadastro social ou comprovante de residência, matrícula do imóvel e planta e memorial descritivo do imóvel — diz o advogado.
 
Quero meu imóvel de volta
Para evitar que alguém tente a posse, vale tomar precauções. No caso de um empréstimo gratuito do imóvel, os advogados sugerem que as partes assinem um contrato, como o de comodato.
 
— Caso o ocupante do imóvel se recuse a devolvê-lo ao proprietário, ou caso tenha ingressado no imóvel contra a vontade do dono, este deve ajuizar o quanto antes uma ação possessória, visando retornar à posse do imóvel. Vale esclarecer que o imóvel utilizado em comodato normalmente não é passível de usucapião, pois a posse foi concedida pelo proprietário como mera tolerância — orienta Sender.
 
Quirino explica que, nas relações de família, não é comum o usucapião, salvo se a transmissão for apenas da posse:
 
— É muito comum, por exemplo, um caseiro, ou um ex-empregado, ou até mesmo um amigo ou conhecido, ficar muitos anos num imóvel e depois requerer usucapião. Para evitar que isso aconteça, deve-se assinar um contrato de comodato ou mesmo a locação, com pagamento de aluguel mensal. Nesses casos, não poderá ser requerida a usucapião — acrescenta.