A audiência pública sobre o projeto que revoga a Lei da Alienação Parental (LAP – Lei 12.318, de 2010), realizada na terça-feira (25/06) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), foi marcada pela divergência entre debatedores favoráveis e contrários à norma. Enquanto os apoiadores do Projeto de Lei do Senado (PLS) 498/2018, destinado a revogar a LAP, questionaram os efeitos da lei e o próprio conceito de alienação parental, outros especialistas criticaram a falta de meios para tornar a LAP mais efetiva.
 
Membro do Movimento Pró Vida, o advogado Felicio Alonso atacou duramente a LAP, acusando-a de inconstitucional e feita “especificamente para defender os pedófilos”. Segundo ele, na discussão da lei, a deputada Maria do Rosário (PT/RS) teria defendido a preservação de laços familiares mesmo com o genitor que cometeu eventuais abusos — o que Alonso interpretou como forma de blindar a pedofilia dentro da família. O advogado também classificou como pedófilo o psiquiatra americano Richard Gardner, que definiu a síndrome da alienação parental.
 
— Nos Estados Unidos, esse homem fez mais de 400 laudos protegendo pedófilos e, em 2003, estando a polícia ao encalço dele, se matou — afirmou.
 
A conselheira titular do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (Conanda), Iolete Ribeiro da Silva, expressou a preocupação da entidade sobre a falta de uma definição de síndrome da alienação parental fundamentada em estudos científicos e criticou a aprovação da LAP sem a devida discussão com a sociedade. A guarda compartilhada, no entendimento do Conanda expresso por Iolete, se mostra suficiente para assegurar o convívio com os dois genitores, enquanto a LAP se mostra “inoportuna” e violadora dos direitos dos menores.
 
— Já existem previsões legais protetivas e suficientes no que tange o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária — afirmou, chamando a atenção para artigos da lei que vão contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
 
A psicanalista Ana Maria Iencarelli, representante do Coletivo Mães na Luta, afirmou que a alienação parental “carece muito de ciência” e faltam pesquisas rigorosas sobre o índice de falsidade nas denúncias de abuso sexual. Ela denunciou a dificuldade de coletar provas de estupro de vulnerável.
 
— A única possibilidade é a voz da criança, que é a testemunha do abuso. Apesar disso, a criança é desacreditada, chamada de mentirosa. Quando relata com muita precisão um ato libidinoso, ela é tida como estando com implantação de falsas memórias. É outra afirmação absolutamente lunática — disse a psicanalista, que manifestou temor de uma geração de pessoas “inválidas socialmente” pela privação do convívio materno.
 
A subprocuradora-geral da República Ela Wiecko Volkmer de Castilho defendeu a revogação da lei “feita às pressas feita por um grupo de interesse”, avaliando que, em nove anos de vigência, a LAP não deu respostas à sociedade e se estabelece sobre um conceito sem base.
 
— É um mecanismo que acirra conflitos sob o pretexto de proteger a criança. Acontece que a concepção da síndrome de alienação parental parte de uma lógica patológica e judicializante dos conflitos relacionais — sublinhou.
 
Contra a revogação
Representante do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), a advogada Renata Nepomuceno defendeu o conceito da LAP e chamou a atenção para o direito da criança à convivência com os dois genitores, de modo que ambos devam preservar os interesses dos filhos, mesmo em caso da ruptura do vínculo conjugal.
 
— Quando descumpridos [os artigos da lei], temos um desastre no desenvolvimento da criança, e tiramos o duplo referencial para seu bom desenvolvimento. Teremos declínio acadêmico, danos psicológicos, inabilidade de criar relações afetivas saudáveis, ideação de suicídio — comentou.
 
Para Renata Nepomuceno, a LAP deve ser cumprida de forma efetiva e interpretada em face de toda a legislação de proteção à criança, o que tornaria a declaração de suspensão da autoridade parental um caso extremo.
 
No mesmo sentido, a advogada Sandra Regina Vilela esclareceu que o abuso emocional e psicológico contra a criança são tão destrutivos quanto o abuso sexual, e negou que acusações de abuso gerem a inversão de guarda automática.
 
— Em raríssimos casos, há falsa acusação de abuso sexual e inversão de guarda. Normalmente o juiz tenta apaziguar a família. Muitas vezes a mãe não fez aquela acusação conscientemente. Depois da ampla investigação, só há inversão da guarda com outros ingredientes — esclareceu.
 
A psicóloga Andréia Calçada, também a favor da LAP, citou pesquisas sobre os efeitos danosos da alienação parental sobre crianças e adolescentes e exaltou a qualidade do texto legal.
 
— O problema é a lei ou é a capacitação dos profissionais, a falta de políticas públicas preventivas, a litigância sem fim? Perde a parte mais frágil, que são as crianças — lamentou.
 
Tamara Brockhausen, vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica, manifestou posição de sua entidade contra a revogação da lei e denunciando o desvirtuamento da norma em face da gravidade da situação de alienação parental. Até a entrada em vigor da LAP, segundo ela, o Judiciário se recusava a acompanhar as mudanças na família brasileira e zelava pelo “lugar mítico e sagrado da mãe”.
 
— O pai era relegado a uma condição de visitador quinzenal.
 
Tamara sugeriu um acréscimo à LAP para evitar que falsas denúncias levem à inversão da guarda.
 
O PLS 498, que revoga a Lei da Alienação Parental, de autoria do ex-senador Magno Malta, é decorrente dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-Tratos, criada em 2017. Os defensores da revogação alegam que a Lei da Alienação Parental “tem propiciado o desvirtuamento do propósito protetivo da criança ou adolescente, submetendo-os a abusadores”. A audiência pública foi requerida pela relatora do projeto, senadora Leila Barros (PSB/DF).