Em dezembro de 2018, o Comitê Gestor do Bacenjud — coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça e composto também do Banco Central, Febraban e B3 — aprovou alterações ao parágrafo 4º, do artigo 13, do regulamento específico do sistema de penhoras on-line. A redação atual dá a entender que foi criada no Brasil uma “fila” do Bacenjud, com preferência por ordem de “chegada” aos credores que pleitearam e obtiveram tutela jurisdicional para penhora de ativos de um dado devedor.
 
Todavia, a intenção do comitê não foi exatamente essa. O gabinete do conselheiro Luciano Frota, representante do CNJ na coordenação do Comitê Gestor, esclareceu, após questionamento, que o bloqueio ocorrerá apenas até as 16h59, horário limite para emissão de TED mencionada no dispositivo. Leia-se: a ordem de penhora servirá apenas para o dia em que for expedida.
 
Há algum tempo, juristas brasileiros vêm concordando com a afirmação de que a execução de títulos judiciais ou extrajudiciais é um dos pontos mais sensíveis do processo civil. É o que consta expressamente na exposição de motivos do Projeto de Lei 4.497/2004, que, aprovado como Lei 11.382/2006, alterou sobremaneira o Livro II do Código de Processo Civil de 1973, sempre com a intenção de dar cada vez maior efetividade ao direito material: “Tornou-se necessário, já agora, passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos executivos. A execução permanece o ‘calcanhar de Aquiles’ do processo”.
 
Note-se que foi essa lei que, por meio do artigo 655-A do antigo diploma processual, criou a penhora de ativos financeiros por meios eletrônicos. Não há dúvidas de que esse meio de constrição de bens trouxe evolução significativa ao processo nacional no sentido de facilitação das penhoras em geral. Se antes os jurisdicionados tinham que postular a emissão de ofícios diversos para, talvez, conseguir a constrição de algum patrimônio, a penhora nessa modalidade simplifica o procedimento e lhe concede uma velocidade ímpar, garantindo um grau de satisfatividade maior.
 
Até mesmo por isso, o legislador do Código de Processo Civil de 2015 apenas aprimorou o instituto em subseção denominada “Da penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira”, que contém apenas o artigo 854 e seus nove parágrafos.
 
Apesar dos inúmeros benefícios da penhora on-line, são também consideráveis os pontos discutíveis dessa modalidade de penhora. Um deles é exatamente o da relevância da “sorte” quando a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira se dá em caso de concurso de credores na execução.
 
Explica-se: havendo um único credor, ele poderá, ao longo do tempo, requerer a quantidade de penhoras de dinheiro — ou outros bens — necessárias para satisfação integral de seu crédito, sem qualquer preocupação com a possibilidade de outro credor se antecipar e, quiçá, esgotar o patrimônio do devedor, até então solvente.
 
No caso do concurso — que dificilmente poderá ser previsto pelo credor —, a situação é distinta: terá maior chance de êxito na recuperação de seu crédito o credor que, por qualquer razão, possuir preferência no recebimento dos valores.
 
Nesse aspecto não é demais rememorar que o Direito nacional dá prioridade ao credor mais titulado e, dentre os quirografários, ao mais rápido.
 
É a máxima do prior tempore, potior jure sobre a qual trata expressamente Araken de Assis: “Ao restaurar no direito pátrio a regra prior tempore, potior jure, máxima das mais revolucionárias, e representativa do princípio da prevenção, o estatuto processual realizou inequívoca opção em prol do interesse individual do credor. A preferência emanada da penhora põe, à luz do dia, o marcante conteúdo ideológico desse concurso, instaurado entre credores quirografários, existindo duas ou mais penhoras sobre o mesmo bem (art. 797, parágrafo único), e os titulares de gravame real” (Manual da Execução, 2016, p. 1.078/1.079).
 
Logo, aquele que, não possuindo qualquer título, deixa de ou demora a buscar a tutela jurisdicional ficará, talvez eternamente, procurando bens para a satisfação de seu crédito. É o que se extrai da interpretação do artigo 797 do atual Código de Processo, que dispõe que, ressalvada a hipótese do concurso universal de credores, “realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados”.
 
Note-se que o dispositivo, que remete ao artigo 612 do Código de Processo Civil de 1973, é claro em determinar que a preferência — para fins de satisfação do crédito em caso de concurso de credores na execução — se adquire pela penhora, de modo que tentativas frustradas de penhora on-line não serão contabilizadas para fins de permitir que este credor exerça o direito de preferência em relação à satisfação de seu crédito.
 
Trata-se, inequivocamente, de opção legislativa já arraigada no Direito pátrio. Como o Direito não socorre a quem dorme, o credor que simplesmente não é ágil o suficiente para requerer penhoras ficará prejudicado.
 
Contudo, já no início da vigência do Código de Processo Civil de 1973, Amílcar de Castro teceu críticas severas a essa escolha do legislador afirmando que “o que impõe a justiça é que todos entrem em rateio” (Comentários ao Código de Processo Civil: vol. VIII, p. 138) e que não se deveria ter optado por admitir como critério de justiça qual é o credor mais veloz em exigir seu crédito e, além disso, conseguir a penhora de um determinado bem.
 
A crítica — que parece plenamente razoável — é ainda mais sensível nos casos de penhora de ativos financeiros. Nesses casos, um determinado credor pode estar há anos tentando localizar bens do devedor sem sucesso, e outro — utilizando o idêntico caminho já percorrido pelo “primeiro credor” — pode ter êxito em uma primeira oportunidade e, caso consiga levantar os ativos, sem a ciência do “primeiro credor”, deixá-lo-á novamente de mãos vazias.
 
A corrida pode até ter sido vencida pelo “primeiro credor” — em termos de velocidade, este credor não dormiu. Contudo, é muito provável que ele não leve o troféu — porque quem será satisfeito é o credor que “deu sorte”. A situação, que parece de uma injustiça ímpar, permanecerá a partir da nova redação do regulamento do Bacenjud.
 
É de se lembrar que, no caso da penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o bem penhorado pode ser transferido com facilidade inequívoca, inclusive quando se sabe de antemão da possibilidade desta penhora on-line ocorrer.
 
Considerando a atual redação do regulamento do Bacenjud, parece ser possível — e absolutamente necessário — dar mais um passo e desenvolver tecnologia apta a identificar tanto as tentativas de bloqueio anteriores — especialmente as não frutíferas — quanto a origem daquela tentativa e o valor do débito.
 
Feito isso, o próprio magistrado poderá — dentro das regras do processo colaborativo nacional — informar a existência de valores bloqueados aos demais julgadores que tenham, previamente, requerido o bloqueio dos ativos de um determinado CPF ou CNPJ.
 
De fato, essa ideia, consistente na criação de um método para registro datentativa infrutífera da penhora como se penhora fosse, permitindo que esse registro funcione para determinar as preferências nos casos das penhoras de ativos financeiros por meios eletrônicos, parece muito mais justa.
 
Isso se justifica pela mobilidade absolutamente veloz desses específicos ativos, mobilidade esta que pode frustrar o credor que tentar fazer a penhora às 10h e garantir a satisfação de outro credor às 10h01 do mesmo dia. Não parece justo dizer que a máxima do prior tempore, potior juredeveria ser aplicada nessas hipóteses.
 
Hoje a hipótese de penhora permanente — que resulta exatamente no registro contínuo de tentativas de bloqueio — está restrita a pedidos formulados por escrito ao Banco Central (o que se extrai, por exemplo, do Comunicado CG 1788/2017 do Tribunal de Justiça de São Paulo). Bastaria implementar um sistema para que essa realidade exista também para as penhoras on-line, mesmo que a custos mais elevados para o exequente.
 
Admitida a hipótese, não haveria qualquer alteração do regime atual do concurso de credores na execução, respeitando-se as regras das preferências. É certo que, dentre os quirografários, receberia em primeiro lugar o credor mais veloz, o que primeiro requereu a penhora. Se a quantia penhorada for superior à da primeira dívida, pagar-se-ia o segundo credor também quirografário, e assim sucessivamente. Logicamente, esgotado o patrimônio penhorado dos depósitos ou aplicações financeiras, será necessário investigar o restante do patrimônio do devedor para verificar se não está configurado o concurso universal.
 
Essa verdadeira fila das penhoras on-line, que incluiria as tentativas não frutíferas, realizada por vários credores, em distintas execuções ou cumprimentos de sentença, é que caracterizaria, sendo solvente o credor, o concurso de credores, especificamente previsto nos artigos 908 e 909 do Código de Processo Civil, dentro da seção que trata da satisfação do crédito na execução.
 
Interessante sobre a questão do concurso de credores na execução é a relação que passa a existir entre os vários procedimentos no qual foi requerida a penhora sobre o mesmo bem.
 
Basicamente, o que ocorre nesse caso é a formação de verdadeiros incidentes entre as execuções que, sempre que possível, serão reunidas para julgamento conjunto das questões relativas à multiplicidade de penhoras, evitando-se, tanto quanto possível, decisões contraditórias sabidamente incompreendidas pelos jurisdicionados.
 
Normalmente, o magistrado analisará exatamente a questão da preferência e, com base na anterioridade da penhora, decidirá quem deve receber o valor penhorado. O que se propõe, apenas, é que se passe a considerar as tentativas infrutíferas das penhoras de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira como se penhoras fossem, exatamente para fins de determinação dessa preferência. Desta forma, evitar-se-ia que os diversos credores ficassem à mercê da sorte e se garantiria maior segurança jurídica aos jurisdicionados.
 
Agora, na hipótese de ser impossível determinar qual credor possui o direito de preferência sobre o ativo financeiro — por ser impossível a verificação de qual tentativa da penhora dos ativos depositados é anterior — e sendo o patrimônio penhorado insuficiente para quitar os dois créditos, o caso passa a ser realmente o de dividir o patrimônio penhorado duplamente, pro rata.
 
Trata-se, em realidade, da única solução justa para essa situação, apesar de não ser prevista no atual diploma processual civil. De todo modo, permitindo-se que as tentativas de penhora on-line infrutíferas sejam consideradas para fins de determinação da preferência no recebimento do crédito, os diversos credores em concurso nas execuções serão certamente tratados com maior paridade e se evitará que a sorte continue prevalecendo nesses casos.
 
Ao fim e ao cabo, o Direito parece querer isso mesmo: que todos os jurisdicionados, em igualdade de condições, sejam tratados com equidade, e, inequivocamente, a tecnologia tem que servir a esse fim, e não ser um empecilho.