Em 2018, foram publicadas duas medidas que buscam a desjudicialização e o aprimoramento das resoluções de conflitos no Brasil, os Provimentos 67 e 72, ambos editados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os textos possibilitam que os cartórios prestem serviços de mediação e de conciliação para a população. Com isso, contribuem para diminuir o número de processos à Justiça.
 
Segundo o levantamento Justiça em Números, divulgado no final de 2017 pelo CNJ, o número de processos à espera de uma decisão da Justiça cresceu 3,6% em 2016, passando de 76,9 milhões para 79,7 milhões. Os Provimentos, que visam conter esses números, permitem que as partes, devidamente assessoradas, por meio de conversação e de negociação, tomem a dianteira na solução do conflito e construam a solução mais adequada. Isso difere de quando o conflito é decidido pelo Judiciário, que impõe uma solução, nem sempre agradando as partes e não raro agravando o conflito entre envolvidos.
 
Com as novas normas, todos os tipos de cartórios podem fazer mediação e conciliação. Cada tipo de cartório trabalhará de acordo com sua atribuição. Ou seja, as pessoas contam com o auxílio dos tabeliães e dos registradores para mediar conflitos de crédito por meio dos cartórios de protesto – e também para conflitos imobiliários, civis, empresariais, entre outros – por meio dos cartórios de Imóveis, Notas, de Títulos e Documentos, bem como os Ofícios de Contratos Marítimos.
 
No caso dos cartórios de protesto, credores e devedores sairão beneficiados, pois o CNJ autorizou-lhes a atuar de forma ainda mais ativa para obter o pagamento. Mesmo depois de terminado o prazo para pagamento, os tabeliães poderão atuar para garantir a recuperação do crédito. Atuarão como intermediadores entre credores e devedores na busca da solução adequada, sempre de forma imparcial, como um facilitador de comunicação. Assim, o credor pode permitir um parcelamento ou um desconto no pagamento, por exemplo.
 
Medidas Benéficas
 
A finalidade de ambos os Provimentos é possibilitar uma via simples, rápida e juridicamente segura para que os cidadãos assumam o poder de construir a melhor solução para o conflito, ao invés de recorrer ao já abarrotado Judiciário, que demorará para impor uma solução. Caso o conflito envolva um título protestado, além da mediação e conciliação, as medidas de incentivo à quitação de títulos protestados são outra opção, igualmente simples, rápida e com segurança jurídica.
 
O ex-tabelião de protesto de Itamarandiba e atual registrador de imóveis da comarca de Senador Firmino, Minas Gerais, Carlos Londe, entende que os Provimentos 67 e 72 são extremamente benéficos. “Diante da sua abrangência territorial, os cartórios podem alcançar populações que não são atingidas diretamente pelo Judiciário, por vezes, precisando deslocar-se por várias dezenas de quilômetros para estar diante de um juiz”, explica. “Os cartórios, por outro lado, são a instituição mais capilarizada do país, já que todos os municípios e grande parte dos distritos possuem, ao menos, um cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais”. Londe acrescenta, ainda, que a mediação e a conciliação são instrumentos extremamente efetivos de solução pacífica de conflito, “tanto que o atual Código de Processo Civil estimula sua utilização pelos tribunais”.
 
Visando a diminuir a quantidade de processos, mas sem perder a qualidade na solução dos conflitos, o Judiciário brasileiro tem adotado diversas medidas de “desjudicialização”, categoria na qual se encontram a mediação e a conciliação. Por exemplo, em Minas Gerais, há o projeto Execução Fiscal Eficiente do Tribunal de Justiça. Com base nos excelentes resultados de recuperação de crédito, no baixo custo, na segurança jurídica e na celeridade, o tribunal recomenda, como alternativa de cobrança menos onerosa para os cofres públicos, o protesto extrajudicial da dívida ativa.
 
Nesse sentido, fazer uso do protesto gratuito possibilita que o empresário recupere valores de forma legal, pacífica e rápida, já que o processo pode ser feito totalmente on-line.
 
Influência Internacional
 
No Brasil, os meios alternativos de solução de conflitos, como a Mediação e a Conciliação, ganharam espaço a partir da década de 90. Foram influenciados por países em que a Mediação mostrou-se positiva, como Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Holanda e Argentina. Uma das grandes inspirações para o CNJ é o modelo desenvolvido pela Escola de Harvard para solução de conflitos.
 
“A Mediação e a Conciliação são institutos ainda pouco conhecidos no país, tanto pela população em geral quanto pelos operadores de direito”, explica Carla Faria Souza, tabeliã de protesto de Mar de Espanha, Minas Gerais. Segundo ela, persiste por aqui a forte cultura do atrito, que trata a sentença judicial como a única resposta possível. “Os Meios Alternativos de Solução de Conflitos, como a Mediação e a Conciliação, ou seja, essa nova forma de olhar os conflitos, que vem sendo incentivada pelo próprio Judiciário, principalmente pelo CNJ, busca a mudança da cultura do atrito para a cultura de paz”.
 
Não é difícil perceber que o hábito do atrito ainda é muito dominante e comum no Brasil. O Poder Judiciário, por mais que tente dar mais respostas à sociedade, vê o número de processos aumentar. Diante desse cenário, o entendimento de que os pleitos não devem ser solucionados via decisão judicial, em imposição de vontade, ganha força.
 
Letícia Franco Maculan Assunção, oficial de Registro Civil e Notas e diretora do INDIC, entidade credenciada pelo Tribunal de Justiça para cursos de conciliação e mediação, acre – dita que os cartórios deveriam aproveitar os provimentos para cumprir mais uma das suas funções sociais: “fornecer a oportunidade para que os próprios envolvidos no conflito encontrem as soluções, com a colaboração de um mediador especial, tabelião ou registrador”.
 
Os Provimentos 67 e 72 são exemplos de ações que buscam a desjudicialização. Segundo Letícia, o mediador, que é também registrador ou tabelião, conta com um diferencial: a fé pública. “É preciso quebrar o paradigma de que o juiz é aquele que resolverá o problema”, diz. “Os cidadãos têm o poder de, por si mesmos, mas com a ajuda de um mediador, definirem suas prioridades na vida, considerando tudo o que a envolve e não apenas aquele ponto controverso que, apesar de inicialmente mais visível para eles, não é, muitas vezes, o mais importante”.
 
Além do CNJ, Letícia ressalta que, no que diz respeito aos entes públicos, a Lei Complementar n.º 101/2000 também incentiva a busca por alternativas mais ágeis e viáveis financeiramente por parte do Estado. Essa lei estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. “Em Minas, desde 2017, por meio do projeto Execução Fiscal Eficiente, ela estimula o uso de meios alternativos de cobrança menos onerosas para os cofres públicos, como a mediação e a conciliação, quando necessita cobrar CDAs”.
 
Formação de Mediadores e Conciliadores
 
Conforme estabelecido no Provimento 67, somente poderão atuar como conciliadores ou mediadores aqueles que forem formados curso específico para o desempenho das funções. O curso de formação, por sua vez, deve ser custeado pelos serviços notariais e de registro e ofertado pelas escolas judiciais ou por instituição formadora de mediadores judiciais.
 
Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios também podem credenciar associações, escolas e institutos vinculados aos serviços notariais e de registro não integrantes do Poder Judiciário para que realizem, sob supervisão, o curso. Os conciliadores e mediadores autorizados a prestar o serviço deverão, a cada dois anos, contados da autorização, comprovar à Corregedoria Geral da Justiça do seu respectivo Estado e ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), a que estão vinculados, a realização de curso de aperfeiçoamento em conciliação e em mediação.