Benjamin tem cinco meses e a família acha que seu nariz e a boca são muito parecidos com os de Kellen Paes, a mãe biológica. Mas ele também guarda traços de Lívia Paes, que deu a luz à criança. Ambas as mães o amamentam e, sob o olhar de segurança do pequeno, elas comemoram: a mãe que não gestou o bebê ganhou na Justiça o direito à licença-maternidade. Advogados acreditam ser o primeiro caso de Santos.
O processo correu na 3ª Vara da Fazenda Pública da Cidade, pelo Tribunal de Justiça do Estado. O juiz Leonardo Grecco tomou a decisão amparado em diversos aspectos jurídicos.
Na sentença, Grecco cita que Kellen Paes, de 35 anos, funcionária pública, poderia receber a licença-maternidade de 180 dias, por vários motivos.
Destaca, por exemplo, que a lei vigente faz menção à gestação e parto. Porém, ele precisava levar em conta os atuais entendimentos jurídicos de união homoafetiva e multiparentalidade.
Negar a licença-maternidade ao argumento que não foi Kellen que gestou configuraria ofensa à isonomia, “posto que o mesmo direito é garantido às mães não gestantes nos casos de adoção”.
Amamentação
A advogada do caso, Maria Auxiliadora Peres Novo, explica que a defesa não foi só fundamentada nesse preceito. Kellen passou até por tratamento para induzir a lactação e poder amamentar, reforçando a necessidade de concessão do benefício. Isso, sem contar o direito da criança.
“O conceito de família hoje mudou, pois não se resume a pai, mãe e filhos. Não podemos esquecer que o ser humano, independente de sua orientação sexual, quer formar uma família e tem esse direito. Hoje, os casais homoafetivos só conseguem ter seus direitos garantidos graças ao Judiciário, pois os parlamentares insistem em tratar a comunidade LGBTIQ+ de forma preconceituosa, esquecendo que são cidadãos comuns, que trabalham, pagam seus impostos, constituem família”, explicou ela.
Caso único?
Assim como a advogada do caso, a presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Patrícia Gorisch, conta que não conhece nenhum caso em Santos que tenha conseguido até hoje. Mas considera um grande avanço.
“Há alguns anos, a Justiça tem se sensibilizado com a causa e colocado principalmente o afeto em primeiro lugar e, como neste caso, o direito da criança, que é absoluto. Quem vai ganhar é o bebê e a família, com o fortalecimento dos laços nesses primeiros momentos de vida, sem interessar se ela tem um pai, dois pais ou duas mães”.
Limitação
Para o juiz corregedor dos Cartórios de Registro Civil da Comarca de Santos, Frederico dos Santos Messias – o primeiro a autorizar no País que casais homoafetivos pudessem casar diretamente nos cartórios de registro civil sem necessidade de autorização judicial – o fato possibilita um novo olhar sobre a questão.
“Não dá para limitar a licença-maternidade apenas à necessidade de amamentação, até porque tem mães que nem amamentam. Se reconhecemos a possibilidade do casamento homoafetivo, o casal deve ter os mesmos direitos do casal heterossexual. A filiação é consequência natural. Aliás, licença-maternidade é um termo que poderia mudar”, acrescenta.
Gorisch conta que o Ibdfam tem projeto para mudar justamente essa nomenclatura. Chamar de licença multiparental.
Atualmente, nas certidões de nascimento de filhos de casais homossexuais de todo o Brasil, a nomenclatura usada em vez de pai e mãe é “genitor” e/ou “genitora”.