Apelação – Ação ordinária – Serviços notariais – Insurgência da Municipalidade contra a sentença que determinou a exclusão da base de cálculo do ISS, dos valores não destinados ao delegatário – Descabimento – Possibilidade de dedução de tais valores, haja vista que, embora cobrados pelo tabelião, não são receitas suas, nos termos do art. 19 da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Questão já apreciada pelo Órgão Especial desta Corte, conquanto referente a Município diverso – Manutenção da r. sentença recorrida que se impõe – Recursos desprovidos. (Nota da Redação INR: ementa oficial)
ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1003121-82.2018.8.26.0650, da Comarca de Valinhos, em que é apelante PREFEITURA MUNICIPAL DE VALINHOS e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, é apelado ANTONIO ILSON DA SILVA MOTA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores BEATRIZ BRAGA (Presidente sem voto), BURZA NETO E ROBERTO MARTINS DE SOUZA.
São Paulo, 30 de julho de 2019.
WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI
Relator
Assinatura Eletrônica
Apelação/Reexame necessário n. 1003121-82.2018.8.26.0650.
Apelante: Prefeitura Municipal de Valinhos.
Apelante: Antonio Ilson da Silva Mota.
Voto n.29.358.
APELAÇÃO – AÇÃO ORDINÁRIA – SERVIÇOS NOTARIAIS – Insurgência da Municipalidade contra a sentença que determinou a exclusão da base de cálculo do ISS, dos valores não destinados ao delegatário – Descabimento – Possibilidade de dedução de tais valores, haja vista que, embora cobrados pelo tabelião, não são receitas suas, nos termos do art. 19 da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Questão já apreciada pelo Órgão Especial desta Corte, conquanto referente a Município diverso – Manutenção da r. sentença recorrida que se impõe – Recursos desprovidos.
Vistos.
ANTONIO ILSON DA SILVA MOTA propõe a presente ação declaratória com pedido de tutela antecipada (Proc. nº. 1003121-82.2018.8.26.0650, da E. 3ª Vara da Comarca de Valinhos) contra a PREFEITURA MUNICIPAL DE VALINHOS; aduzindo, em síntese, que é Oficial de Registro de Imóveis e Anexos que foi autuado por recolher ISSQN a menor nos exercícios de 2014 e 2015, por entender o auditor fiscal que o tributo deve incidir sobre o preço cobrado do usuário dos serviços. Sustenta a nulidade do lançamento em razão da indicação incorreta do sujeito passivo, visto que o cartório “Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Valinhos” é um ente despersonalizado, não podendo figurar como sujeito passivo de obrigação, bem como a ilegalidade e incorreção da apuração da base de cálculo para o lançamento do imposto pela Fazenda. Por fim, requer a concessão da tutela de urgência para determinar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e, ao final, a procedência da presente ação para o fim do reconhecer a nulidade e anulabilidade do lançamento do tributo e consequente anulação do lançamento e dos atos dele decorrentes.
A antecipação dos efeitos da tutela foi deferida (fls. 59/61).
Registre-se que foi proferida a r. sentença de fls. 172/175, que julgou parcialmente procedente a ação, recorrendo a magistrada de ofício.
A Municipalidade de Valinhos interpôs recurso de apelo (fls. 184/209); resumidamente, insurge-se quanto à parte em foi vencida, alegando, em preliminar, que a concessão da tutela não pode ser concedida contra a Fazenda Pública, e que a suspensão do débito só deve se dar com o depósito integral em dinheiro, bem como a ocorrência do cerceamento de defesa. No mérito, alega que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, sem nenhuma dedução, nos termos do artigo 7º da Lei Complementar nº 116/03. Tece considerações a respeito da matéria, com citação de legislação. Ao final, requer seja dado provimento ao presente recurso, com a improcedência da ação.
O autor opôs embargos de declaração (fls. 178/185), os quais foram acolhidos à fl. 211.
A Municipalidade reiterou as razões da apelação anteriormente interposta (fl. 216).
Tempestivo o recurso, subiram os autos a esta Corte, com a apresentação de contrarrazões (fls. 247/274).
É o relatório.
Inicialmente, é de se salientar que a preliminar referente à alegação de que a tutela antecipada não pode ser concedida contra a Fazenda Pública e de que a suspensão do crédito ocorre só com o depósito integral e em dinheiro é matéria que deveria ser discutida por meio de agravo de instrumento, em momento oportuno, o que a torna preclusa.
Mas, ainda que assim não fosse, consigne-se que não há impedimento à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. O Código Tributário Nacional expressamente consigna a possibilidade de se conceder tal tutela antecipada, no art. 151, inciso V, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar n. 104/2001, não se exigindo neste caso o depósito integral do crédito tributário.
Também não há que se falar em nulidade da r. sentença, em razão de cerceamento de defesa.
Isto, pois o juiz é o destinatário final da prova e, assim, cabe somente a ele decidir quais atos e provas se mostram necessários para a compreensão da causa, de acordo com o sistema do livre convencimento motivado.
Vale dizer, o eminente Juiz a quo não se encontra vinculado ao pedido de dilação probatória formulado, podendo indeferir, de ofício ou a requerimento da parte, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
E mais; a prova pericial é efetivamente desnecessária in casu, uma vez que há elementos suficientes para o deslinde das questões, já que a controvérsia estabelecida não é preponderantemente de fato, mas sim de direito, consistente na subsunção das atividades do autor à regra matriz de incidência tributária, razão pela qual não há que se falar em violação ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal e artigos 355, inciso I e 373, inciso I, do CPC/2015.
No mais, malgrado o zelo do digno procurador da Municipalidade aqui atuante, é de se entender que o recurso interposto não merece provimento.
Senão, vejamos.
A controvérsia posta sub judice junge-se em saber qual a correta base de cálculo para se aferir o valor do ISS que deve ser pago por tabelião de registro de imóvel e anexo, em razão dos serviços por ele prestados; ou seja, se deve ser considerado o valor bruto do serviço executado ou se deve ser abatido da base de cálculo o valor apenas cobrado pelo tabelião, mas repassado aos entes da Administração Pública.
Pois bem.
Dispõe o art. 236, § 2º, da CF, in verbis:
“Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”.
Tais normas gerais restaram constituídas pela Lei nº 10.169/2000, que apregoa em seu art. 1º:
“Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei”.·.
Em São Paulo a questão veio a ser disciplinada através da Lei Estadual nº 11.331/2002, que, por sua vez, estabelece em seu art. 19:
“Os emolumentos correspondem aos custos dos serviços notariais e de registro na seguinte conformidade:
I – relativamente aos atos de Notas, de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas e de Protesto de Títulos e Outros Documentos de Dívidas:
a) 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) são receitas dos notários e registradores;
b) 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização;
c) 13,157894% (treze inteiros, cento e cinquenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado;
d) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias;
e) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços.”
Uma simples leitura do dispositivo acima transcrito nos permite concluir, extreme de dúvidas, que apenas um percentual dos emolumentos cobrados pelo tabelião de notas e de protesto constitui efetivamente sua receita; qual seja, 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) sendo, o restante (37,5% – trinta e sete inteiros e meio por cento), conforme se verifica, direcionado a outros entes.
Assim sendo, não se afigura escorreito que incidam na base de cálculo do ISS esses outros valores direcionados a diversos entes, pois respectivos valores não podem ser compreendidos como receitas auferidas pelo tabelião.
Logo, deve ser observada a base de cálculo que corresponda às verbas que efetivamente são receitas do tabelião, ou seja, apenas os emolumentos em sentido estrito.
Nesta esteira, a expressão “preço do serviço” utilizada no art. 148 da Lei Municipal nº 54/2009 (“A base de cálculo do imposto é o preço do serviço, sobre a qual incidirá a alíquota correspondente ao serviço prestado”) deve ser interpretada à luz dos rendimentos que, de fato, caracterizam-se como o retorno econômico do registrador pelo serviço prestado, não havendo espaço, portanto, para que tal expressão seja interpretada como receita bruta, uma vez que não devem ser tributados os emolumentos criados pelo Estado para suportar a manutenção da Administração Pública.
Nesse sentido, vem se pronunciando esta Egrégia Câmara:
“APELAÇÃO: EXECUÇÃO FISCAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – ISSQN – Serviços prestados por tabelião – Constitucionalidade da exação declarada pelo STF no julgamento da ADIn nº 3089 – Base de cálculo que deve ser o preço do serviço, excluídas as importâncias não destinadas ao delegatário – Taxa destinada ao IPESP que não constitui receita do cartório e deve ser excluída da base de cálculo do imposto – Sentença mantida – Recurso desprovido” (Apelação nº 0500919-84.2012.8.26.0268, Relator Desembargador Burza Neto, j. 28.01.2016).
“Apelações. Município de São Paulo. Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária julgada extinta sem resolução do mérito. Requerente que apela a fim de que o mérito seja apreciado, com o reconhecimento de que a base de cálculo do ISS não poderia ser a receita bruta. Município que apela buscando a majoração dos honorários advocatícios. Irregularidade na adoção da receita bruta como base de cálculo, consoante previsto no art. 14-A da Lei Municipal 13.701/03, com a redação dada pela Lei Municipal n. 14.865/2008. Cabimento da dedução de valores, incluída a taxa destinada ao IPESP, que, embora cobrados pelo registrador ou notário, não são receitas suas (art. 19, I e II, da Lei Estadual n. 11.331/2002). Tese nesse sentido já assentada em incidente de inconstitucionalidade sobre lei similar de município diverso. Sucumbência recíproca caracterizada em face do provimento parcial do recurso. Recurso do autor provido em parte. Recurso adesivo interposto pelo município com a pretensão de se majorar a verba honorária que resta prejudicado” (Apelação nº 0023422-59.2011.8.26.0053, Relator Desembargador Ricardo Chimenti, j. 10.12.2015).
Ressalte-se, por outro lado, que deve ser dada à expressão “preço do serviço”, constante da Lei artigo 148 da Lei Municipal 3915/2005, bem como da Lei Complementar Federal nº 116/2003, interpretação conforme a Constituição, uma vez que nesta (CF) encontra-se prevista a imunidade recíproca (art. 150, VI, “a”, CF).
Assim, ante a exclusão da competência tributária municipal sobre as receitas que pertencem às pessoas políticas, em razão da imunidade referida, conclui-se que somente incide ISS sobre o preço do serviço que corresponde aos valores pertencentes ao agente delegado. As receitas arrecadadas pelo particular, mas pertencentes a entes imunes, não sofrem a incidência do respectivo imposto municipal.
Sobre o assunto, aliás, em caso análogo ao presente, proveniente da Comarca de Santa Fé do Sul, já se pronunciou em incidente de inconstitucionalidade o Colendo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal:
“Incidente de inconstitucionalidade – Décima quinta câmara de direito público – Ação declaratória – Incidência do ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, a teor da Lei Complementar 116/03 e Lei Municipal 93/03 – Atividade privada – Receita bruta que não pode servir como a grandeza do elemento tributário quantitativo – Base de cálculo do ISS que deve ser, tão somente, o valor auferido pelo oficial delegatário, dai estando excluídos, por óbvio, os demais encargos a ele não pertencentes – Artigo 236, caput, da Constituição Federal – Arguição acolhida, para conferir à Lei Complementar Municipal 93/03, do Município de Santa Fé do Sul, interpretação conforme a Constituição Federal – incidente de inconstitucionalidade procedente” (Arguição de Inconstitucionalidade n. 0222778-68.2009.8.26.0000; Relator: Xavier de Aquino; Data do julgamento: 26/05/2010; Data de registro: 18/06/2010; Outros números: 1857400800).
Desta forma, não se vê, com a devida vênia, como reformarse o entendimento do ínclito Juiz de primeiro grau, impondo-se a manutenção da r. sentença, observando-se, contudo, que, uma vez vencida a Municipalidade apelante em sede recursal, ficam os honorários advocatícios fixados em primeiro grau majorados em 5% (cinco por cento), totalizando 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da execução, em atenção ao disposto no art. 85, § 11, do CPC
Para os devidos fins de direito, ficam devidamente prequestionados os dispositivos legais e constitucionais mencionados pelos litigantes.
Com isto nega-se provimento aos recursos.
WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI
Relator. – – /