(O registro de imóveis e os títulos materiais inscritíveis: a hipoteca – parte 28)
837. Já examinado o tema da hipoteca sobre bens futuros (cf. o item 773), façamos uma brevíssima referência à hipoteca relativa a obrigação sujeita a condição, assunto que parece, ao menos em dada medida, implicitado naquele tema.
Lê-se no caput do art. 1.487 do Código civil brasileiro: “A hipoteca pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido”.
Não havia no Código civil de 1916 dispositivo símile a este do art. 1.487 do Código de 2002, mas ainda ali a doutrina já admitia pudesse a hipoteca garantir todo e qualquer crédito, não importando a natureza da obrigação (de dar, fazer, de não fazer, pura e simples, condicional). É de Serpa Lopes, com apontado apoio em Henri de Page, que “o crédito condicional pode ser garantido mediante hipoteca”, porque esse crédito já existe embora suspensa sua realização, de que advém seja a hipoteca, elemento acessório, “igualmente condicional”. No mesmo sentido, já lecionara Clóvis Beviláqua:
“Podem ser garantidas por hipoteca todas as obrigações de ordem econômica. Se a obrigação é de dar dinheiro ou coisas redutíveis a dinheiro, a hipoteca assegura, diretamente, a entrega objeto da prestação; se é de fazer ou de não fazer, assegura a indenização por perdas e danos, em consequência da inexecução.”
E assim remata o ponto: “As obrigações futuras ou condicionais são suscetíveis de garantia hipotecária; mas, enquanto a obrigação se não forma, não tem eficácia a hipoteca. É com a dívida, e desde a data desta, que ela começa a valer” (os itálicos não são do original).
Convém não perder de vista que até aqui se está versando o tema da hipoteca relativa a uma obrigação condicional, que não se confunde com o da hipoteca ela própria submetida a condição (garantia condicional). Além disso, atenda-se à circunstância de que a doutrina de Clóvis e de Serpa Lopes estão adstritas à condição suspensiva, o que também é da letra do art. 1.487 do Código de 2002. Restaria ver se, ausente previsão legal expressa, pode constituir-se hipoteca que assegure obrigação subordinada a condição resolutiva.
Antes desse exame, observemos que se abre, teoricamente, um leque de possibilidades jurídicas: (i) o da obrigação pura e simples garantida por hipoteca pura e simples; (ii) o da obrigação condicional garantida por hipoteca pura e simples; (iii) o da obrigação pura e simples garantida por hipoteca condicional; (iv) o da obrigação condicional garantida por hipoteca condicional. Multiplicam-se ainda essas possibilidades quando se leve em conta o discrimen das condições –suspensiva e resolutiva (note-se que o status da obrigação sob condição suspensiva acarreta o efeito de a hipoteca, ainda que pura e simples, tornar-se, de fato, garantia sob condição resolutiva (cf. Contreras, Aguirre Aldaz e Pérez Álvarez).
Tratando-se de obrigação subordinada a condição suspensiva, a efetividade da garantia hipotecária demanda que emerja ou se satisfaça a condição. Tanto seja registrada, a hipoteca existe; pende, contudo, para que se realize, do nascimento ou cumprimento da obrigação submetida suspensivamente a um evento condicionante, obrigação condicional esta a que se reporta o Código civil brasileiro em seu art. 125: “Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa”. Neste sentido, diz Francisco Eduardo Loureiro: “…enquanto a hipoteca se encontra em estado meramente potencial, a hipoteca já pode existir e é válida, inclusive mediante ingresso no registro imobiliário, mas somente ganha eficácia quando a obrigação se forma”, e observa que “a data do nascimento da obrigação não interfere na ordem de preferência” (com efeito, o que se busca por meio da hipoteca de obrigação sob condição suspensiva é obter, de logo, uma posição registral vantajosa, que é o da data da prenotação do título de garantia).
Há, portanto, duas fases possíveis acerca da hipoteca relativa a obrigação sob condição suspensiva. Uma é que, pendente a condição, essa hipoteca seja de seguridade, ou seja (como já se fez ver: item n. 827), admite-se a garantia, “mas não se presume a existência do crédito” (Wolff), que demanda prova (cf. §§ 1º e 2º do art. 1.487 do Cód.civ.). Outra fase é a que se dá quando verificada a condição suspensiva (conditio existit), passando a hipoteca à classe das garantias de tráfico (hipoteca ordinária).
Sublinhe-se que o Código civil indica um requisito infranqueável para o registro da hipoteca por dívida condicional, qual a de seu valor máximo, assim o prescreve o caput do art. 1.487 (acerca da “hipoteca de máximo”, cf. os itens 825 e 826).
838. A questão mais interpelante, neste capítulo, está remetida à possibilidade da hipoteca que garanta dívida submetida a condição resolutiva, condição a que alude nosso Código civil no art. 127: “Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido”.
Não aparenta vedada pelo Código a instituição de garantia hipotecária referente a obrigações sob condição resolutiva. Embora, já o dissemos, a letra do caput do art. 1.487 desse Código não se refira à condição resolutiva, isto nada tem a ver com a inibição da hipoteca de obrigação sujeita a essa espécie condicional. Na verdade, a razão de ser do art. 1.487 está exatamente na circunstância de que, registrada a hipoteca relativa a obrigação sujeita a condição suspensiva, por se tratar de garantia de seguridade, não há efeito de legitimação registral –sequer mesmo presunção extrarregistrária– estendida à existência da obrigação, limitando-se a eficácia tabular à existência só da hipoteca. Isto não tem relevo quando se trate, e de tal se trata com a garantia referente a obrigação sob condição resolutiva, de uma hipoteca ordinária ou de tráfico.
E, com efeito, a hipoteca que assegure uma obrigação subordinada a condição resolutiva é de existência pura e simples tanto quanto o é a obrigação garantida. Ambas existem e têm eficácia até que, eventualmente, a condição emerja, com que se extinguirá a obrigação e, com ela, a hipoteca (desde que se cancele seu registro: ver art. 252 da Lei brasileira n. 6.015, de 31-12-1973: “O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”).
Se, como se viu, são suscetíveis de hipoteca “todas as obrigações de caráter econômico” (Carlos Roberto Gonçalves), não se entrevê motivo para impedir que haja garantia de obrigação submetida a condição resolutiva, tanto mais que a lei não indica impedimento algum a propósito.
Por fim, resta observar que, confirmada que o seja a inviabilidade de cumprirem-se as condições suspensiva ou resolutiva, caiba averbar a conditio deficit, seja para converter a hipoteca de seguridade em hipoteca ordinária, seja, de outro modo, para afastar a precariedade do registro da hipoteca garante da obrigação pendente do evento resolutivo.