Apelação Cível nº 1000578-42.2018.8.26.0348
Apelante: CAROLINA EMILIA TEIXEIRA DE MARCO
Apelado: Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Mauá
VOTO Nº 37.807
Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Imóvel adquirido a título oneroso, na vigência do Código Civil de 1916, pela esposa que era casada em regime de separação legal de bens – Posterior constituição de usufruto sobre a totalidade do imóvel em favor de seu esposo – Falecimento do marido sem que promovido o inventário e a partilha do imóvel – Presunção de comunicação dos aquestos, decorrente da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal, incompatível com o recebimento do usufruto que tem a natureza de direito real sobre imóvel alheio.
Princípio da Continuidade – Registro de formal de partilha que teve por objeto imóvel gravado por usufruto – Necessidade de prévio cancelamento do usufruto – Ato não abrangido pelo inventário, uma vez que o usufruto foi constituído em favor de pessoa distinta da autora da herança – Necessidade de requerimento expresso do cancelamento do usufruto, em conformidade com o princípio da rogação, e de pagamento dos emolumentos incidentes – Apelação não provida.
Trata-se de apelação interposta por Carolina Emília Teixeira de Marco contra r. sentença que manteve a recusa do registro de formal de partilha do imóvel objeto da matrícula nº 41.666 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mauá porque foi adquirido pela autora da herança a título oneroso, durante casamento celebrado na vigência do Código Civil de 1916 pelo regime da separação legal de bens, o que fez presumir a comunicação entre os cônjuges, e porque não foi requerido o cancelamento do usufruto que grava o imóvel que teve a propriedade plena levada ao inventário.
A apelante alegou, em suma, que a autora da herança se casou com Manoel Maria Monteiro Gil em 20 de abril de 1968, pelo regime da separação obrigatória de bens. Afirmou que o imóvel inventariado foi adquirido exclusivamente pela autora da herança, por escritura pública lavrada em 15 de julho de 1971, e que por escritura pública de 16 de julho de 1971 a proprietária instituiu usufruto em favor de seu marido. Asseverou que a constituição do usufruto decorreu da inexistência de comunicação do imóvel entre os cônjuges. Além disso, Manoel faleceu em 29 de junho de 1984 e seu único filho não incluiu o imóvel no inventário que promoveu. Por sua vez, a morte de Manuel ensejou a extinção do usufruto, com consolidação da propriedade plena em favor da autora da herança que, por seu lado, faleceu em 26 de abril de 2014. Requereu o provimento do recurso para que seja promovido o registro do formal de partilha (fls. 155/160).
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso porque o usufruto foi extinto com o falecimento do usufrutário e porque a sucessão é regida pela Código Civil de 2002, o que afasta a presunção de comunhão dos aquestos no regime da separação legal de bens (fls. 146/149).
É o relatório.
A apelante apresentou para registro o formal de partilha extraído da ação de arrolamento dos bens deixados pelo falecimento de Lídia Emília Monteiro (Processo nº 1004181-65.2014.8.26.0348 da 4ª Vara Cível da Comarca de Mauá), em que foi promovida a adjudicação, em seu favor, da propriedade plena do imóvel objeto da matrícula nº 41.666 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mauá (fls. 76, 106 e 107).
O registro da partilha foi negado porque a autora da herança era casada pelo regime da separação legal de bens, sendo necessária a comprovação de que o imóvel não se comunicou com o seu ex-marido, já falecido, uma vez que prevalece a presunção de comunhão dos aquestos decorrente da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal, e porque deve ser requerido e promovido o cancelamento do usufruto que grava o imóvel, a fim de permitir o posterior registro da transmissão da propriedade plena.
A Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal faz presumir comunhão sobre os bens adquiridos a título oneroso, na constância do casamento celebrado pelo regime da separação legal, por ser igualmente presumido o esforço comum para a aquisição.
Por sua vez, é a data da aquisição do imóvel, e não a da abertura da sucessão, que deve ser considerada para efeito de incidência da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal que prevaleceu durante a vigência do Código Civil de 1916.
Contudo, os precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura não são uniformes sobre os efeitos da constituição de usufruto do imóvel em favor do cônjuge que não adquiriu a propriedade.
Como lembrado pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis (fls. 03/04) e pela MM. Juíza Corregedora Permanente (fls. 148), no julgamento da Apelação nº 0000376-81.2015.8.26.0114, da Comarca de Campinas, de que foi relator o Excelentíssimo Desembargador Elliot Akel, foi decidido que a aquisição da nua propriedade pela mulher e do usufruto pelo marido não afastava a presunção de comunicação da propriedade do imóvel adquirido a título oneroso, na constância do casamento.
Por sua vez, ao julgar a Apelação Cível nº 77.870-0/8, da Comarca da Capital, de que foi relator o Excelentíssimo Desembargador Luís de Macedo, este Col. Conselho Superior da Magistratura manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda da nua-propriedade para a mulher e do usufruto para o marido por considerar que em razão da presunção de comunhão decorrente da Súmula nº 377 o pretenso usufrutuário já era comunheiro e, portanto, titular da meação do imóvel. Constou no v. acórdão:
“Daí a recusa de se registrar o mencionado título negocial, pois, se os bens adquiridos na constância do casamento, segundo a Súmula 377 da Suprema Corte, se comunicam mesmo no regime da separação obrigatória de bens, o marido tornou-se comunheiro da nuapropriedade comprada pela mulher, não podendo, por consequência, ser usufrutuário do imóvel todo“.
O usufruto tem natureza de direito real sobre coisa alheia e, portanto, não pode ser constituído em favor daquele que já detém o domínio.
Em decorrência, não se justifica a constituição de usufruto em favor de um dos cônjuges sobre a totalidade de imóvel sujeito ao regime da comunhão de bens, ou que integrar a universalidade decorrente do regime da comunhão parcial.
A constituição de usufruto em favor do outro cônjuge, desse modo, somente subsiste em relação aos bens particulares de um deles.
Em decorrência, a questão que se coloca é se a presunção de comunicação dos aquestos prevalece contra manifestação de vontade formulada em conjunto pelos cônjuges.
A presunção de comunicação dos aquestos decorrente da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal admite prova contrária porque pode ser afastada mediante demonstração de que a aquisição foi promovida com recursos ou esforços próprios, sem participação do outro cônjuge.
Ademais, sendo atinente à direito patrimonial, a presunção pode ser afastada por declaração do cônjuge supostamente prejudicado, quando de partilha celebrada em ação de separação ou de divórcio, ou por declaração dos seus herdeiros, em inventário ou arrolamento, dependendo o reconhecimento de eventual nulidade, pela simulação da doação de numerário, do ajuizamento de ação própria.
In casu, a propriedade plena do imóvel foi comprada pela autora da herança mediante escritura pública lavrada em 15 de julho de 1971, às fls. 095 do Livro 016, ao passo que a constituição do usufruto da totalidade do imóvel em favor de seu marido foi objeto de escritura pública outorgada em 16 de julho de 1971, às fls. 195 do Livro 014, ambas do 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Mauá (fls. 115/120).
A aceitação do usufruto da totalidade do imóvel manifestada em escritura pública, com sua apresentação e ingresso no Registro de Imóveis (fls. 73), faz presumir o reconhecimento da propriedade plena em favor da nua-proprietária, o que afasta a condição de comunheiro que decorreria da Súmula nº 377 do Eg. Supremo Tribunal Federal.
O reconhecimento da inexistência de comunhão sobre o imóvel também decorre dos termos adotados na escritura pública em que constou que a autora da herança era senhora e legítima proprietária da totalidade do imóvel, sendo o usufruto constituído em favor de seu marido a título de doação (fls. 119).
Interpretação contrária, além de incompatível com as vontades manifestadas pelas partes nos negócios jurídicos de compra e venda e de constituição de usufruto, acarretaria encargos excessivos à nua-proprietária que seria privada do uso e gozo do imóvel por força do usufruto e, depois da extinção desse, de parte da propriedade pela incidência de presunção de comunhão em favor do cônjuge.
Importa observar, nesse ponto, que a adoção do regime da separação legal de bens visa impedir a comunicação daqueles adquiridos na constância do casamento.
Por essa razão, a Eg. Corregedoria Geral da Justiça fixou entendimento no sentido de que os cônjuges não ficam impedidos de pactuar a incidência da separação também em relação aos aquestos, ou seja, de adotar regime mais gravoso que o previsto em lei, sendo nesse sentido o r. Parecer apresentado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Dr. Iberê de Castro Dias, no Processo nº 1065469-74.2017.8.26.0100, que foi aprovado pelo Excelentíssimo Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, então Corregedor Geral da Justiça.
Por fim, embora o ex-marido tenha falecido em 24 de junho de 1984 (fls. 77), permanece o imóvel registrado como de propriedade da autora da herança, sem que da matrícula decorra notícia de ação que diga respeito ao seu domínio (fls. 73).
Todavia, e para que o requisito da continuidade seja observado, o registro do formal de partilha depende da prévia averbação do cancelamento do usufruto, pois representa a transmissão da propriedade plena do imóvel em favor da herdeira.
Isso porque, embora o usufruto se extinga com a morte do usufrutuário, deve ser promovido o cancelamento de seu registro para que a nua-proprietária retome a presunção, com força erga omnes, de titularidade do domínio pleno.
O cancelamento do usufruto, a ser promovido mediante apresentação da certidão de óbito do usufrutuário, depende de requerimento próprio, em atendimento ao princípio da rogação, e de recolhimento dos emolumentos incidentes para o ato que não é abrangido pela assistência judiciária concedida na ação de inventário.
Subsistindo óbice ao registro, é a dúvida procedente.
Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator