(O registro de imóveis e os títulos materiais inscritíveis: a hipoteca – parte 32)
749. Tal ficou dito, os arts. 266 a 275 da Lei n. 6.015/1973 versam matéria própria de direito processual, tratada em normativa de registro público. De sorte que só de maneira anômala deve este assunto apreciar-se, assim se dará aqui, no âmbito de estudos que se voltam sobremodo aos registros públicos.
Como vimos, de acordo com a legislação brasileira em vigor, o adquirente do imóvel hipotecado pode remi-lo (i) dentro no prazo de 30 dias, a contar do registro do título aquisitivo (art. 1.481 do Cód.civ.), (ii) desde que proponha, no mínimo, o preço por que adquiriu o prédio (id. e art. 266 da Lei n. 6.015/1973), (iii) mediante ação na qual se convoquem os credores hipotecários (id.).
Esta normativa não faz distinção quanto aos títulos aquisitivos, e já ao tempo do Código de processo civil de 1939, comentando seu art. 393, Carvalho Santos observava que, neste passo, a condição exigível do adquirente para o exercício do direito de remição era apenas do que tivesse adquirido o domínio “em forma legal”, nada importando que o fosse por ato inter vivos ou mortis causa, a título oneroso ou gratuito, de maneira simples ou condicional, posta a salvo a circunstância de que não se trate de herdeiro de partícipe da obrigação garantida ou da mesma hipoteca.
Com efeito, embora ampla a pretensão de remir, não sendo exclusiva, neste quadro, do adquirente do domínio pleno, permitindo-se, ao revés, que se exercite por adquirente de “propriedade imperfeita” (Carvalho Santos) –tais o domínio direito e o útil–, é indispensável que o adquirente não seja parte na obrigação ou na hipoteca, nem herdeiro dos partícipes. Desta maneira, sendo participantes da relação obrigacional ou da hipoteca, não têm direito à remição –com o modo específico de adquirente– o devedor da obrigação, seu fiador, o terceiro que constitui hipoteca em proveito de dívida alheia, e os herdeiros destes partícipes. (Situação diversa é a do legatário, porquanto não sucede ele na obrigação pessoal do testador, diferentemente do que ocorre com os herdeiros que estão obrigados ao pagamento da dívida do autor da herança –cf., ainda uma vez, Carvalho Santos).
750. O prazo para o exercício do direito de o adquirente remir o prédio hipotecado é de 30 dias a contar do registro do título aquisitivo (no Livro n. 2, nota bene, não no Livro n. 1, do protocolo).
Para logo, as normas aplicáveis –art. 1.481 do Código civil brasileiro e 266 da Lei n. 6.015– não distinguem entre registro com caráter declarativo (o do título causa mortis –art. 1.784 do Cód.civ.: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”; cf. ns. 24 e 25 do inc. I do art. 167 da Lei n. 6.015/1973) e registro com caráter constitutivo (o do título de aquisição inter vivos). É dizer, qualquer seja a eficácia inscritiva do título aquisitivo, de seu registro se contará o prazo para o ajuizamento da demanda de remição.
Trata-se aí de um prazo de decadência, porque o direito de remir e o de promover a ação judicial para seu exercício nascem de maneira simultânea, sendo a ação exatamente o meio hábil para que se realize o propósito de remir (cf., brevitatis causa, Câmara Leal). Deste modo, o direito de remição pelo adquirente do imóvel hipotecado extingue-se, ipso facto, com sua inércia no decurso do trintídio contado do registro do título aquisitivo.
A ação considera-se proposta “quando a petição inicial for protocolada” (art. 312 do Cód.pr.civ.), mas, sendo certo embora que o prazo decadencial seja improrrogável, parece prevalecer na jurisprudência pretoriana a orientação de que se protele esse prazo até o primeiro dia útil subsequente na hipótese em que o serviço forense se haja encerrado antes do horário comum de seu funcionamento (vale dizer, neste ponto, que se considera aplicável o disposto no § 1º do art. 224 do Código de processo civil de 2015: “Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica”).
A questão, além disso, pode ainda estimar-se à luz do que dispõe o § 1º do art. 132 do Código civil brasileiro: “Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil”.
A solução ainda cerca-se de controvérsia, mas tende a beneficiar a extensão do prazo. Não se cuida aqui, propriamente, de admitir suspensão ou interrupção do fluxo da decadência, mas, isto sim, da postergação ou transferência de seu termo ad quem. Neste sentido, é da lição de José Manoel de Arruda Alvim que, a despeito de a decadência não ser, propriamente, objeto de interrupção, possa ser obstada (in Manual de direito processual civil).
Nada obstante, até mesmo a possiblidade de suspender-se ou interromper-se a fluência decadencial não é de todo estranha às previsões legais, servido agora de exemplo o que dispõe o Código civil português (de 25-11-1966), em seu art. 328º: “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”; ou seja, a regra é a de que não se suspendam, nem se interrompam os prazos decadenciais, mas não se interdita possa a lei dispor diversamente. E esta previsão parece abrigar em seu conceito a hipótese de mera dilação do termo final da caducidade.
É da doutrina de Enneccerus (na parte do Tratado que Nipperdey atualizou) a distinção entre os prazos de caducidade pura –insuscetíveis de suspensão ou interrupção– e os de caducidade mista, que admitem suspender-se ou interromper-se, desde que a lei viabiliza isto expressamente (§ 230 – III -3). Essa doutrina, ao par de outras lições, deu apoio a um julgamento majoritário no Supremo Tribunal Federal brasileiro, no ano de 1977: o RE 86.741, de que foi relator o Min. Antônio Neder (votou então vencido o Min. Bilac Pinto); como este julgado provinha de Turma e contrariava entendimento anterior da Corte (o caso era de renovatória de locação comercial), opuseram-se embargos de divergência, prevalecendo, ao fim, por maioria –com quatro votos vencidos– a orientação alvejada pelos embargos.
A contagem do prazo da decadência para, no Brasil, ajuizar-se demanda judicial de remissão deve observar o disposto no art. 132 do Código civil: “Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento”. Parece inaplicável à hipótese do ajuizamento dessa demanda a regra do art. 219 do Código de processo civil (“Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”). É verdade que o conceito de propositura de uma ação não refoge da ideia de ato processual; todavia, propriamente, o parágrafo único desse mesmo art. 219 do Código de processo civil, prevendo que o nele disposto se aplique “somente aos prazos processuais”, é sugestivo, prima facie, de incidir nos prazos correspondentes à vida do processo e não aos que o antecedam.
Prosseguiremos na análise dos arts. 267 et sqq. da Lei n. 6.015.