Registro de Imóveis – ITBI – Incorporação imobiliária em regime de administração – Legislação municipal que impõe necessidade de reconhecimento prévio pela administração tributária da não consideração na base de cálculo do imposto do valor das benfeitorias e construções – Qualificação registral que deve observar a legalidade estrita – Recurso não provido.
Apelação n° 1132584-78.2018.8.26.0100
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1132584-78.2018.8.26.0100
Comarca: CAPITAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1132584-78.2018.8.26.0100
Registro: 2019.0000718907
ACÓRDÃO– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1132584-78.2018.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes FERNANDA FERIGATTO VARDASCA e MARLENE FERIGATTO VARDASCA, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, negaram provimento ao recurso. Vencidos os Desembargadores Campos Mello, que declarará voto, e Fernando Torres Garcia.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 27 de agosto de 2019.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 1132584-78.2018.8.26.0100
Apelantes: Fernanda Ferigatto Vardasca e Marlene Ferigatto Verdasca
Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 37.800
Registro de Imóveis – ITBI – Incorporação imobiliária em regime de administração – Legislação municipal que impõe necessidade de reconhecimento prévio pela administração tributária da não consideração na base de cálculo do imposto do valor das benfeitorias e construções – Qualificação registral que deve observar a legalidade estrita – Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por Marlene Ferigatto Vardasca e Fernanda Ferigatto Vardasca contra r. sentença que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda de fração de terreno e quitação de benfeitorias em razão da necessidade da comprovação do recolhimento integral do ITBI ou do reconhecimento pela Administração Tributária da não consideração na apuração na base de cálculo do imposto do valor das benfeitorias e construções.
As apelantes sustentam a regularidade do recolhimento do ITBI, pugnando pelo registro do título (a fls. 89/98).
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 117/119).
É o relatório.
A questão em exame é referente à comprovação do ITBI no caso de incorporação imobiliária pelo regime de administração.
Os recorrentes sustentam a incidência do ITBI em consideração somente ao valor atribuído à fração ideal do terreno, com exclusão do valor da construção da base de cálculo.
Os artigos 7º, parágrafos 1º e 4º, e 29, incisos I e III, do Decreto Municipal n. 55.196, de 11 de junho de 2014, ao reger a hipótese de incidência em exame, estabelece:
Art. 7º A base de cálculo do Imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado.
§ 1º Na apuração do valor venal do bem transmitido ou do seu respectivo direito, considera-se o valor das benfeitorias e construções nele incorporadas.
(…)
§ 4º Não se considera na apuração da base de cálculo do Imposto o valor das benfeitorias e construções incorporadas ao bem imóvel pelo adquirente ou cessionário, desde que comprovada, à Administração Tributária, na forma e condições estabelecidas pela Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, que a incorporação foi efetivada por tais agentes.
Art. 29. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam os notários, oficiais de Registro de Imóveis e seus prepostos obrigados a verificar:
I – a existência da prova do recolhimento do Imposto ou do reconhecimento administrativo da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;
(…)
III – a manifestação da Administração Tributária quanto à comprovação, pelo sujeito passivo, da situação prevista no § 4º do artigo 7º deste regulamento.
Desse modo, a não incidência do imposto sobre as benfeitorias e acessões artificiais depende de prévio exame pela Administração Tributária, na forma e condições estabelecidas pela Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, da comprovação da realização de benfeitorias ou construção pelos agentes da incorporação em regime de administração.
Em sede de qualificação registral não cabe ao Oficial de Registro Imobiliário o exame da compatibilidade das prescrições normativas tributárias frente ao sistema jurídico.
Observada a legalidade estrita, tão só deve verificar a validade da norma e sua incidência no caso concreto.
Nessa perspectiva, nos termos da normatização municipal aplicável, compete examinar a incidência do ITBI e exigir a comprovação de seu recolhimento com o valor venal do imóvel acrescido do valor das benfeitorias e construções nele incorporadas ou, então, manifestação da administração tributária reconhecendo a exclusão do valor daquelas da base de cálculo do imposto por se tratar de incorporação imobiliária pelo regime de administração.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO 67980
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
AP. 1132584-78.2018.8.26.0100
Ouso divergir do entendimento da d. maioria, para dar provimento ao recurso.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença que manteve a recusa ao registro de escritura pública de compra e venda de fração de terreno e quitação de benfeitorias em razão da necessidade de comprovação do recolhimento integral do ITBI sobre o terreno e sobre as benfeitorias e construções ou, então, do reconhecimento pela Administração Tributária quanto à desnecessidade de inclusão do valor das benfeitorias e construções na base de cálculo do imposto.
O Oficial do Registro Imobiliário recusou o registro da escritura alegando o dever de fiscalizar o correto recolhimento de impostos.
Todavia, no presente caso, houve o recolhimento do imposto. E este Conselho Superior já firmou entendimento de que ao registrador compete verificar apenas o recolhimento dos tributos relativos aos atos cuja prática lhe é atribuída, não lhe competindo discutir o valor recolhido, matéria de interesse exclusivo da Fazenda Pública, a quem a lei reserva os meios próprios para haver do contribuinte diferenças de recolhimento de impostos que entenda devidas.
Com efeito, a recusa de registro deve limitar-se às hipóteses de total ausência de recolhimento do tributo ou, então, de recolhimento em valor desarrazoado.
Não é esse, porém, o caso dos autos, uma vez que o montante do imposto pago, considerado como base de cálculo apenas o valor do terreno, foi de R$ 84.346,00 (fl. 11), observando-se que o imóvel está avaliado em “R$ 5.168.260,00, do qual corresponde R$ 2.811.533,44 para o terreno, e R$ 2.356.726,56 para a construção” (fl. 10).
Neste sentido, confira-se decisão deste Conselho Superior da Magistratura, na Apelação nº 0011118-34.2014.8.26.0405, Relator Des. Elliot Akel:
“Assentou-se orientação, neste Conselho Superior, no sentido de que o elastério conferido ao artigo 289 da Lei 6.015/73, e agora ao artigo 30, XI, da Lei 8.935, é o de que ao serventuário compete verificar tão só a ocorrência do pagamento do imposto relativo aos atos cuja prática lhe é acometida.
Ou seja, no caso, em que se busca a prática de ato registrário, a qualificação do Oficial, na matéria concernente ao imposto de transmissão, não vai além da aferição sobre seu recolhimento, e não sobre a integralidade de seu valor.
Com efeito, qualquer diferença de imposto deve ser reclamada pela Fazenda na esfera própria.” (CSM, Ap. 28.382-0/7, Relator Antônio Carlos Alves Braga, São Paulo, Data Julgamento: 28/09/95).
Ainda, em outro recente precedente deste Conselho Superior da Magistratura:
“Registro de Imóveis Escritura pública de dação em pagamento Qualificação negativa Questionamento a respeito da base de cálculo utilizada para recolhimento do imposto sobre transmissão de bens móveis ITBI Análise pela oficial registradora, na matéria concernente ao imposto de transmissão, que deve se ater ao seu recolhimento, sem alcançar o valor Não configuração de flagrante irregularidade no recolhimento Recolhimento antecipado de ITBI que não afronta as NSCGJ Precedente do C. Conselho Superior da Magistratura Dúvida julgada improcedente para afastar a exigência de recolhimento de alegada diferença do imposto devido à Municipalidade Apelação não provida” (Apelação nº 1024222-11.2015.8.26.0577, Relator Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, data de julg. 24/05/18).
Relevante, por fim, a transcrição de trecho do voto acima mencionado:
“(…) Não foi atacada a regularidade formal do título nem mesmo a temporalidade do recolhimento ou o ato em si.
Ao contrário, a exigência envolve exame substancial do montante do pagamento do imposto devido, que é atribuição dos órgãos fazendários competentes, sendo que seu questionamento mereceria a participação da Fazenda Pública, principal interessada. Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal. A existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja fragrantemente equivocado, extrapola a sua função”.
Além do mais, a obrigação imposta ao registrador de exigir a prévia manifestação da Administração Tributária está prevista em Decreto (art. 29, inciso III, do Decreto Municipal nº 55.196/14), que não pode criar obrigação não prevista em lei, sob pena de violação do princípio da legalidade.
Nesse sentido é a lição do Ministro José Celso de Mello Filho: “Qualquer comando estatal, ordenando prestação de ato ou abstenção de fato, impondo comportamento positivo (ação) ou exigindo conduta negativa (abstenção), para ser juridicamente válido, há de emanar de regra legal. O conceito de lei, a que se refere a Constituição, está vinculado ao critério subjetivo-orgânico.
Em consequência, e para os efeitos desta regra, lei é todo ato normativo editado, ordinariamente, pelo Poder Legislativo, ou, excepcionalmente, pelo Poder Executivo (leis delegadas e decretoslei), no desempenho de sua competência constitucional e segundo o rito estabelecido na própria Constituição. Apenas a lei em sentido formal, portanto, pode impor às pessoas um dever de prestação ou de abstenção.” (in “Constituição Federal Anotada”, Ed. Saraiva, 1984, p. 325). Por isso, não prevista a obrigação em lei, é descabida a exigência apresentada pelo registrador.
Desse modo, caso entenda que o valor das benfeitorias deveria integrar a base de cálculo do ITBI, caberá ao Município de São Paulo cobrar a complementação pertinente, oportunidade em que a apelante poderá discutir sua tese de que a compra e venda limitou-se à fração ideal do terreno com sucessiva quitação das benfeitorias, pois, segundo alega, foram realizadas por administração, a cargo de construtora contratada, e pagas diretamente pelas adquirentes.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso para permitir o registro da escritura pública de compra e venda.
É como voto, sempre tributado o devido respeito ao entendimento divergente.
São Paulo, 27 de agosto de 2019.
Campos Mello
Presidente da Seção de Direito Privado.