(O registro de imóveis e os títulos materiais inscritíveis: a hipoteca -parte 34)

752. No processo de remição de imóvel hipotecado –tal se prevê nos arts. 266 et sqq. da Lei brasileira n. 6.015, de 1976–, se o credor citado (rectius: qualquer dos credores hipotecários –cf. caput do art. 266) “impugnar o preço oferecido” (art. 268), o juiz determinará uma licitação à qual são chamados (i) todos os credores hipotecários (ou seja, não só o impugnante), (ii) os fiadores e (iii) o próprio adquirente do prédio.

Vale dizer que é suposto indispensável para a licitação que um credor hipotecário haja impugnado o pleito de remição. Sem a impugnação por quem tenha legitimidade para tanto, não se enseja a instauração do procedimento licitatório. O credor impugnante pode, todavia, desistir da impugnação, tanto quanto o adquirente pode retratar-se da oferta (no todo ou em parte), este, porém, desde “que o faça antes do requerimento de licitação” (Tito Fulgêncio e Carvalho Santos, que o cita e abona).

Extrai-se da leitura do caput desse art. 268 da Lei n. 6.015 (que repetiu, à letra, o caput do art. 396 do Código de processo civil de 1939) a restrição de que participem do procedimento licitatório apenas os credores hipotecários, os fiadores e o adquirente do imóvel (a esta lista devem agregar-se os cessionários ou subrogados dos credores originários). Lê-se, com efeito, na parte final da cabeça do referido art. 268: “(…) o Juiz mandará promover a licitação entre os credores hipotecários, os fiadores e o próprio adquirente, autorizando a venda judicial a quem oferecer maior preço”.

Essa restrição subjetiva já adivinha de nosso Código civil de 1916: “São admitidos a licitar: I. Os credores hipotecários. II. Os fiadores. III. O mesmo adquirente”. Carvalho Santos criticou nesta redação a falta do advérbio somente: “Melhor teria dito o Código: somente poderá licitar… pois se trata de uma disposição taxativa, quer não permite outro qualquer possa lançar na licitação” (in Código civil brasileiro interpretado, X-355). E prossegue: “A licitação restringe-se aos interessados, que são os enumerados no texto (…)” (id.), não deixando, contudo, de dizer que “merece censuras o Código por ter seguido essa orientação”. Não diversamente observará o mesmo autor, ao comentar o art. 396 do Código de processo civil brasileiro de 1939: “…a licitação restringe-se aos interessados (…)”, mas “julgamos ter demonstrado que o preceito é restrito em demasia”.

De fato, por que limitar a algumas pessoas (credores hipotecários, fiadores e adquirente) a oferta, em licitação, quando por meio desta o que se almeja é obter o valor real do imóvel (ou, se se quiser, o preço mais elevado possível)?

Como visto, o procedimento licitatório indicado no art. 268 da Lei nacional de registros públicos era já previsto no Código civil brasileiro de 1916 (§ 2º do art. 815: “O credor notificado pode, no prazo assinado para a oposição, requerer que o móvel seja licitado”), norma que reproduzia a do § 5º do art. 10 do Decreto n. 169-A, de 19 de janeiro de 1890 (ver também o art. 263 do Dec. n. 370, de 2-5-1890). Já o Código de 2002, ao reiterar, no substancial, esta disciplina, prescreveu, no § 1º de seu art. 1.481: “Se o credor impugnar o preço da aquisição ou a importância oferecida, realizar-se-á licitação, efetuando-se a venda judicial a quem oferecer maior preço (…)“. Desta maneira, norma posterior à Lei n. 6.015/1973, a do § 1º do art. 1.481 do Código não prevê a restrição subjetiva que havia no art. 268 da Lei de registros públicos. Neste sentido, recolhe-se da doutrina de Francisco Eduardo Loureiro, que a licitação, agora, está “aberta a qualquer interessado, com o objetivo de aferir o real valor de mercado, e não mais limitada aos credores hipotecários, fiadores e adquirentes”.

O fato, porém, de afastar-se a restrição prevista no caput do art. 268 da Lei n. 6.015 não significa insubsistência de sua parte final –“o Juiz mandará promover a licitação entre os credores hipotecários, os fiadores e o próprio adquirente, autorizando a venda judicial a quem oferecer maior preço”–, cuja relevância está em indicar os chamamentos obrigatórios para a licitação, ou seja, as vocações nominais. Aos que não sejam de chamada obrigatória para a licitação destina-se a intimação por edital (arts. 886 e 887 do Cód.pr.civ. de 2015).

Lê-se no art. 274 do vigente Código nacional de processo civil:

“Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria.

Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço.”

A intimação dos credores hipotecários (também dos cessionários ou subrogados), dos fiadores e do próprio adquirente, para participarem do procedimento licitatório no processo de remição do imóvel hipotecado, pode (ou antes, quando o caso, deve) ser determinada até mesmo ex officio (art. 271 do Cód.pr.civ.), efetuando-se, de modo preferencial, por meio eletrônico (art. 270 do Cód.), ou intimação pessoal do advogado da parte (inc. I do art. 273), ou mediante carta registrada (inc. II do art. 273), ensejando-se, somente na impossibilidade casual ou insucesso destas vias, a intimação por mandado (de cumprimento por um oficial de justiça: art. 275 do Cód.pr.civ.).

Ressalte-se que, por força do que dispõe o art. 804 do Código de processo civil, a falta ou a nulidade dessas intimações acarretará a ineficácia da alienação quanto aos que deveriam ter sido intimados, cabendo aplicarem-se, no que couberem, as regras previstas nos arts. 876 do mesmo Código de processo civil.

Desfiada a impugnação pelo credor hipotecário, pode o adquirente complementar o valor apontado pelo impugnante (Valmir Pontes: “só depois de intimado o adquirente a completar a oferta, e se ele não o fizer no prazo legal, lícito será ao juiz mandar que o imóvel entre em licitação”), mas, se não o fizer, instaurado o procedimento licitatório, ainda terá o adquirente em seu benefício o direito de preferência “em igualdade de condições” com os demais licitantes (§ 1º do art. 268 da Lei n. 6.015) ou o de ter aceito o valor proposto para a remição, “na falta de arrematante” (§ 2º do art. 268).

Se a proposta do adquirente (em caso de não haver lanço de licitante algum) ou seu próprio lanço não forem vitoriosos no procedimento licitatório, adquire o imóvel o licitante que oferecer maior preço (“efetuando-se a venda judicial a quem oferecer maior preço” – § 1º do art. 1.481 do Cód.civ.), depositando-se o valor dentro em 48 horas e expedindo-se, a seguir, carta de arrematação, título judicial da transferência do imóvel, que, inscrito, importará no cancelamento do registro anterior feito em nome do adquirente vencido na licitação e dos registros dos ônus hipotecários que gravem o prédio.

Atenda-se ainda à circunstância de que, se o lanço vencedor provier do credor hipotecário, deverá este depositar, quando o caso, somente a diferença entre o preço da arrematação e o montante de seu crédito.