Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Doação com reserva de usufruto – Imóvel adquirido a título oneroso, na vigência do Código Civil de 1916, por pessoa casada em regime de separação de bens – Casamento realizado em país estrangeiro – Inexistência de prova de que o regime de bens adotado decorreu de convenção entre os nubentes, e de que prevista a não comunicação dos aquestos – Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal – Comunicação dos aquestos decorrente da presunção da existência de esforço na aquisição – Falecimento do marido sem que promovido o inventário e a partilha do imóvel, ou que promovida a sua exclusão da partilha por se tratar de bem particular da esposa – Afronta ao princípio da continuidade – Apelação não provida.
 
Apelação n° 1034507-89.2018.8.26.0114
 
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1034507-89.2018.8.26.0114
Comarca: CAMPINAS
PODER JUDICIÁRIO
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
 
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
 
Apelação n° 1034507-89.2018.8.26.0114
 
Registro: 2019.0000718915
 
ACÓRDÃO– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1034507-89.2018.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante CONCESSIONÁRIA DO SISTEMA ANHANGUERA – BANDEIRANTES S/A, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.
 
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
 
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
 
São Paulo, 27 de agosto de 2019.
 
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
 
Corregedor Geral da Justiça e Relator
 
Apelação Cível nº 1034507-89.2018.8.26.0114
 
Apelante: Concessionária do Sistema Anhanguera – Bandeirantes S/A
 
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas
 
VOTO Nº 37.830
 
Registro de Imóveis – Desapropriação Parcial de Área Rural – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Modificação geodésica do imóvel – Cabimento do registro no CAR, nos termos do Código Florestal e das NSCGJ – Recurso não provido.
 
Trata-se de recurso de apelação interposto pela Concessionária do Sistema Anhanguera Bandeirantes S/A – AUTOBAN contra a r. sentença de fls. 278/280, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, mantendo a recusa do ingresso de carta de adjudicação em razão da ausência de cadastro ambiental rural.
 
Sustenta o apelante cuidar-se de desapropriação de imóvel para fins de trecho de rodovia sendo desnecessária averbação do cadastro ambiental rural, a qual, inclusive, estaria suspensa nos termos da legislação incidente (fls. 289/296).
 
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 324/329).
 
É o relatório.
 
A natureza judicial do título apresentado não impede sua qualificação registral quanto aos aspectos extrínsecos ou aqueles que não foram objeto de exame pela Autoridade Jurisdicional.
 
O item 119, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça é expresso acerca do dever do Oficial do Registro de Imóveis a tanto, como se constata de sua redação:
 
“119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”
 
Essa questão é pacífica nos precedentes administrativos deste órgão colegiado, entre muitos, confira-se trecho do voto do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época, na Apelação nº 0001561-55.2015.8.26.0383, j. 20.07.17:
 
“A origem judicial do título não afasta a necessidade de sua qualificação registral, com intuito de se obstar qualquer violação ao princípio da continuidade (Lei 6.015/73, art. 195).
 
Nesse sentido, douto parecer da lavra do então Juiz Assessor desta Corregedoria Geral de Justiça, Álvaro Luiz Valery Mirra, lançado nos autos do processo n.º 2009/85.842, que, fazendo referência a importante precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n.º 31.881-0/1), aduz o que segue:
 
“De início, cumpre anotar, a propósito da matéria, que tanto esta Corregedoria Geral da Justiça quanto o Colendo Conselho Superior da Magistratura têm entendido imprescindível a observância dos princípios e regras de direito registral para o ingresso no fólio real – seja pela via de registro, seja pela via de averbação – de penhoras, arrestos e seqüestros de bens imóveis, mesmo considerando a origem judicial de referidos atos, tendo em conta a orientação tranquila nesta esfera administrativa segundo a qual a natureza judicial do título levado a registro ou a averbação não o exime da atividade de qualificação registral realizada pelo oficial registrador, sob o estrito ângulo da regularidade formal (Ap. Cív. n. 31.881-0/1).””
 
A aquisição da propriedade imóvel por meio de desapropriação encerra forma originária de aquisição da propriedade.
 
Nesse sentido, o voto do Desembargador José Renato Nalini, Corregedor Geral da Justiça ao momento do julgamento da Apelação nº 0001026-61.2011.8.26.0062, em 17/01/2013:
 
“A desapropriação, amigável ou judicial, concluída extrajudicialmente, na via administrativa, ou por meio de processo litigioso, com a intervenção do Poder Judiciário, revela-se, sempre, um modo originário de aquisição da propriedade: inexiste um nexo causal entre o passado, o estado jurídico anterior, e a situação atual.
 
A propriedade adquirida, com o aperfeiçoamento da desapropriação, liberta-se de seus vínculos anteriores, desatrela-se dos títulos dominiais pretéritos, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, tanto que não poderá ser reivindicada por terceiros e pelo expropriado (artigo 35 do Decreto-lei n.° 3.365/1941), salvo no caso de retrocessão.”
 
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também tem essa compreensão:
 
“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. DESAPROPRIAÇÃO. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DE PROPRIEDADE. EXIGIBILIDADE DE TRIBUTOS ANTERIORES À AO ATO DESAPROPRIATÓRIO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ENTE EXPROPRIANTE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. No caso em tela o recorrente exige do ente expropriante, em execução fiscal, os tributos (IPTU e Taxa de Limpeza Pública de Coleta de Resíduos Sólidos) incidentes sobre o imóvel desapropriado, derivados de fatos geradores ocorridos anteriormente ao ato expropriatório. 2. Considerando o período de ocorrência do fato gerador de tais tributos, e, levando-se em consideração que a desapropriação é ato de aquisição originária de propriedade, não há a transferência de responsabilidade tributária prevista no artigo 130 do CTN ao ente expropriante. 3. Recurso especial não provido. (REsp 1668058/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2017, DJe 14/06/2017).”
 
A localização do imóvel é em área rural, pois compreendia imóvel dessa natureza; tampouco há indicação de situar-se em área urbana, assim definida pelo município.
 
O fato de se cuidar de rodovia que cruza área rural não a transforma em área urbana.
 
Não houve apresentação de qualquer documento da municipalidade reconhecendo a área como urbana.
 
A sentença judicial em ação de desapropriação não está isenta da incidência das demais determinações legais para o ingresso do título no registro imobiliário.
 
O espaço físico objeto do registro é parte de rodovia, portanto é área de utilidade pública nos termos do artigo 3º, inciso VIII, alínea “b”, da Lei nº 12. 651/12.
 
O artigo 12, parágrafo 8º, da Lei nº 12.651/12, prescreve:
 
“Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:
 
(…)
 
§ 8o Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias.”
 
De outra parte, o artigo 29, caput, da Lei nº 12.651/12 estabelece:
 
“Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.”
 
Diante disso, em virtude da área desapropriada encerrar imóvel rural para fins de registro imobiliário, compete exigir o Cadastro Ambiental Rural, no que pese a não exigência da Reserva Legal, pois, o CAR tem por “finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.
 
Além disso, o registro implicará na modificação geodésica do imóvel, assim, compete exigência da inscrição do imóvel no CAR nos termos dos itens 125.2 e 125.2.1, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, a saber:
 
“125.2. As averbações referidas na alínea b do item 125 condicionam as retificações de registro, os desmembramentos, unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, mesmo antes de tornada obrigatória a averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural CAR, salvo se realizada a averbação tratada na alínea a do item 125.” (grifos meus)
 
125.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 125.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICARSP.”
 
Desse modo, é cabível exigir a inscrição no CAR no caso de desapropriação de parcela de imóvel rural para implantação de rodovia.
 
Inclusive há precedentes nesse sentido, deste C. Conselho Superior da Magistratura, com sua composição atual, a exemplo do seguinte:
 
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, § 1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º, e 225, § 3º) e ao princípio da especialidade objetiva. Cabimento do registro no CAR – Recurso não provido, com observação.” (Apelação n. 1000413-22.2017.8.26.0415, j. 28/05/2019).
 
Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
 
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator.