Registro de Imóveis. Permuta de futuras unidades autônomas. Registro Concomitante. A existência de condição resolutiva no contrato não se compatibiliza com a futura incorporação imobiliária
 
Processo 1046659-80.2019.8.26.0100
 
Espécie: PROCESSO
Número: 1046659-80.2019.8.26.0100
 
Processo 1046659-80.2019.8.26.0100  – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
 
Dúvida Reqte.: 7º Oficial de Registro de Imóveis da Capital Reqdo.: Engetrevis Construtora e Incorporadora Ltda. – Me – Sentença (fls. 40/44): Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 7º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de ENGETREVIS CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA – ME, tendo em vista a negativa de registro da escritura de compra e venda relativa ao imóvel matriculado naquela serventia sob o nº 59.235. Os óbices registrários referem-se: a) o negócio jurídico entabulado pelas partes não trata de compra e venda, mas permuta, levando-se em consideração a desproporção entre o preço eventualmente pago pela compra e venda e os imóveis trocados entre as elas; b) envolvendo a permuta futuras unidades autônomas do empreendimento a ser construído, deverá ser registrado concomitantemente o seu memorial de incorporação, nos termos do artigo 32 da Lei nº 4.591/94; c) a existência de condição resolutiva no contrato, que não se compatibiliza com a futura incorporação imobiliária, tendo em vista que, havendo inadimplemento, a resolução do contrato interferiria em interesses de terceiros que venham a adquirir as unidades do empreendimento. A suscitada não apresentou impugnação conforme certidão de fl.21, existindo somente a manifestação juntada à fl. 10. Informa que o memorial de incorporação e a convenção condominial serão levados a registro oportunamente. O Ministério Público opinou pela parcial procedência da dúvida (fls.25/34). É o breve relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Oficial bem como o D. Promotor de Justiça. Como se sabe, o procedimento de dúvida é reservado à análise da discordância do apresentante com os motivos que levaram à recusa do registro do título. De seu julgamento decorrerá a manutenção da recusa, com cancelamento da prenotação, ou a improcedência da dúvida, que terá como consequência a realização do registro (art. 203, II, da Lei nº 6.015/73). Na presente hipótese a suscitada apresentou impugnação de forma genérica (fl.10), argumentando que será a incorporadora do empreendimento e que o memorial de incorporação e a convenção condominial serão levados a registro oportunamente. A anuência parcial da suscitada com a irregularidade de seu título, ao não impugnar todos os óbices, reconhecendo consequentemente parte deles, prejudica o exame da questão, atribuindo ao procedimento de dúvida natureza consultiva, ou meramente doutrinária. O novo exame de admissibilidade para o futuro registro poderá ser influenciado por eventuais fatos novos, mesmo se o título for apresentado com atendimento das exigências impugnadas. Esse é o entendimento pacífico deste Col. Conselho Superior da Magistratura: “No mais, ao contrário do sustentado pelo recorrente, não cabe aqui ao Judiciário se pronunciar acerca da solução cabível para o caso concreto, não se tratando de órgão consultivo, como bem ressaltado pela nobre representante do parquet” (CSM, Processo n° 000.608.6/7-00, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 21/12/2006)”. E ainda que assim não fosse, no mérito a pretensão da suscitada é parcialmente procedente. A primeira exigência pauta-se na lógica expressa pelo rol taxativo do Art. 167, I, da Lei 6.015/73, no qual não podem ser inscritos títulos que se encontram fora do âmbito da estrita legalidade. Essa legalidade centra-se como princípio fundamental da atividade registral. No caso em exame, há divergência quanto à real natureza do negócio jurídico expresso no título que se pretende registro. A verificada desproporção entre os valores das respectivas prestações inseridas numa troca de transmissão recíproca, mesmo que de qualidades e gêneros distintos, podem configurar o negócio em debate como permuta, não compra e venda. De fato, o nome entabulado do negócio jurídico que se pretende ingresso no fólio real pode até apresentar disparidade entre seu conteúdo e forma. Entretanto, a qualificação registral deve se ater ao disposto no título, sem adentrar na configuração do negócio jurídico. Tal limitação visa proteger as vontades expressas no negócio jurídico estabelecido pelas partes constantes no título e respeitar os limites de competência estabelecidos da atuação registral. Assim, tal incongruência não se demonstra suficiente para impedir o registro pretendido. Superando-se a restrição quanto ao nome do negócio indicado, cabe analisar se o segundo óbice apontado pelo registrador poderá ser afastado. A exigência do registro concomitante da incorporação e da escritura deve ser mantida. No presente caso, não há unidades especificas, devidamente descritas e individualizadas, mas apenas a reserva de um número dessas frações, que serão indicadas posteriormente de maneira individual, ou seja, a indicação posterior das unidades juntamente com o memorial de incorporação encerra questão meramente acidental, podendo se dar ou não, o que poderia gerar sérios prejuízos a terceiros de boa fé (adquirentes), caso não ocorresse a comercialização das unidades. O artigo 32 da Lei nº 4.591/94, que trata dos procedimentos adotados nas incorporações estabelece: “Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos”. Daí que a incorporação somente é aperfeiçoada com a averbação da edificação e o registro da instituição e especificação condominial, que produzirá consequentemente os efeitos da individualização e discriminação das unidades autônomas e a possibilidade da abertura das respectivas matrículas. Como bem exposto pelo Registrador, as unidades autônomas prometidas aos adquirentes devem estar previamente caracterizadas, em observância ao princípio da especialidade objetiva, todavia, com a ausência do registro da incorporação, as unidades ainda são considerada inexistentes. Logo, entendo que deve ser mantido o segundo óbice. Por fim, resta a análise do último entrave, referente à existência de condição resolutiva. Como bem salienta Maria do Carmo de Rezende Campos Couto, condição ou cláusula resolutiva é uma condição que, enquanto não se verificar, o negócio jurídico vigorará. Ou seja, o direito pode ser exercido desde o momento da sua constituição, mas uma vez verificada a condição, o direito se extingue. A compra e venda sob condição resolutiva significa que o negócio vigora desde o início, podendo ser registrada a transmissão da propriedade, bem como o imóvel pode ser vendido para terceiros. Contudo, se o evento futuro ocorrer, os registros das alienações serão cancelados, restaurando se a situação anterior, em nome do primitivo vendedor (Compra e Venda. 2ª ed. São Paulo: IRIB, 2012, p. 24, Coleção de Cadernos do IRIB, Volume 1). Neste contexto, ocorrendo o inadimplemento, com a resolução da compra e venda do imóvel incorporado, resultará em enormes prejuízos a terceiros contratantes, vez que afetará as transferências das unidades feitas pela incorporadora. De acordo com o artigo 32, alínea “a” da Lei nº 4.591: “título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção, devidamente registrado” A irrevogabilidade e irretratabilidade exigidas pelo artigo demonstram incompatibilidade em relação ao registro da presente escritura, existindo impasse quanto ao momento do registro da futura incorporação. Assim, mesmo que tal cláusula, em relação ao título que agora busca entrada no fólio real, não seja impeditiva, o óbice levantado pelo Oficial deve ser mantido. Do exposto, julgo prejudicada a dúvida suscitada pelo Oficial do 7º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de ENGETREVIS CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA – ME, com observação. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 09 de setembro de 2019. Tania Mara Ahualli Juiza de Direito (CP – 225)