Processo 1071425-03.2019.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1071425-03.2019.8.26.0100
Processo 1071425-03.2019.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Associação da Igreja Metodista – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento da Associação da Igreja Metodista, em procedimento de usucapião extrajudicial cujo objeto é o Apartamento nº 504 do Edifício Jaú, localizado no Largo da Pólvora, 96, objeto das transcrições nº 17.050 e 40.563 da mencionada serventia. Segundo narra o Oficial, os proprietários Abilio Ribeiro de Barros e Maria Baldini de Barros comprometeram-se a vender o imóvel ao Banco Nacional Imobiliário, cuja denominação atual é Banco Bradesco de Investimentos S.A., que por sua vez prometeu ceder os direitos e obrigações a Monroe Arruda Camargo. Após, os proprietários Abilio e Maria cederam os direitos creditórios a Alcindo Ribeiro de Barros e João Ribeiro de Barros Neto. Por sucessão causa mortis, os direitos de Monroe Arruda Camargo foram adjudicados a Ruth Guerra Camargo, com cláusula de fideicomisso, para que após o falecimento de Ruth fossem os direitos transferidos a Associação da Igreja Metodista – Paróquia Central. Finalmente, foi averbado na transcrição competente o falecimento de Ruth, cumprindo-se a cláusula de fideicomisso. O óbice objeto da dúvida é a exigência do Oficial de que sejam notificados os titulares de domínio, compromissários compradores e seus cessionários, já que os negócios foram feitos para pagamento a prazo. Segundo os requerentes, a exigência é desnecessária, já que a última prestação venceu em 1960, havendo prescrição e decadência consumada das obrigações das prestações, além de perempção da caução de direitos creditórios. Aduz o Oficial que não há permissão legal para a dispensa das notificações, que só pode ocorrer se comprovada a inexistência de ação judicial e comprovação da quitação das obrigações, não cabendo ao Oficial a análise da prescrição ou decadência. Pontua, todavia, ser razoável o entendimento da requerente, em especial se aplicado entendimento semelhante à previsão das NSCGJ relativas a regularização fundiária. Pede a expedição de orientação em caráter normativo, juntando documentos às fls. 09/237. A suscitada manifestou-se à fl. 240, alegando desinteresse em apresentar impugnação. Às fls. 250/254, com documentos às fls. 255/280, justifica sua posição como sucessora da fideicomissária Associação da Igreja Metodista – Paróquia Central. O parecer do Ministério Público, juntado às fls. 244/248, foi pela improcedência da dúvida. É o relatório. Decido. Assim prevê o Art. 13 do Prov. 65/17 da Corregedoria Nacional de Justiça: Art. 13.Considera-se outorgado o consentimento mencionado nocaputdo art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo. § 1º São exemplos de títulos ou instrumentos a que se refere ocaput: I – compromisso ou recibo de compra e venda; II – cessão de direitos e promessa de cessão; III – pré-contrato; IV – proposta de compra; V – reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar; VI – procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel; VII – escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel; VIII – documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação. § 2º Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei. § 3º A prova de quitação será feita por meio de declaração escrita ou da apresentação da quitação da última parcela do preço avençado ou de recibo assinado pelo proprietário com firma reconhecida. § 4º A análise dos documentos citados neste artigo e em seus parágrafos será realizada pelo oficial de registro de imóveis, que proferirá nota fundamentada, conforme seu livre convencimento, acerca da veracidade e idoneidade do conteúdo e da inexistência de lide relativa ao negócio objeto de regularização pela usucapião. Tal norma regulamenta o Art. 216-A, §2º, da Lei 6.015/73, que tem a seguinte redação: Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: (…) § 2oSe a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância. Como se vê, a regulamentação proferida pelo CNJ flexibiliza a exigência legal: a Lei 6.015/73 exige a notificação de todos os titulares de direitos sobre o bem, enquanto o Prov. 65/17 dispensa a notificação nas hipóteses em que se demonstre não haver obrigações pendentes nem discussão judicial sobre ele. Uma vez existente normatização nacional sobre o tema por órgão administrativo com competência para tanto, não cabe ao Oficial nem a esta Corregedoria Permanente imiscuir-se sobre eventuais vícios na norma do CNJ, sendo obrigatória sua observância enquanto não houver manifestação na via jurisdicional competente afastando sua vigência. No presente caso, não estão presentes todos os requisitos previstos no Art. 13 do Prov. 65/17 do CNJ, já que não há prova de quitação das obrigações constantes do registro, sendo esta a justificativa do Oficial para negar o pedido de dispensa feito pela requerente. Ocorre que, como bem pontuado pelo Oficial e pelo D. Promotor, as NSCGJ de São Paulo, na regulamentação da Reurb, permite a dispensa de prova de quitação quando se demonstre, por outros meios, inexistir controvérsia judicial sobre a titularidade do bem. Veja-se que, nos termos do Art. 15, II, da Lei 13.465/17, é a usucapião extrajudicial instrumento de regularização fundiária. De fato, a usucapião se mostra como meio efetivo de garantir o direito à moradia regular, dando ao bem imóvel a condição de legalidade e inserindo-o dentro do mercado, por meio do regular cadastro imobiliário, não por outra razão sendo tal instituto incluído na Constituição Federal. Assim, deve-se privilegiar a usucapião como instrumento legítimo de regularização fundiária, em especial a via administrativa, que concede celeridade ao procedimento ao mesmo tempo que desafoga o poder judiciário, que se limita às questões em que há efetivo conflito de interesses. Por tais razões, sendo devidamente comprovado inexistir qualquer discussão sobre a propriedade ou demais obrigações que a tenha por objeto, por meio das competentes certidões de distribuição, entendo que a exigência de comprovante de quitação de todas as obrigações que recaem sobre o imóvel possa ser dispensada, em especial quando tais obrigações tiveram seu prazo esgotado há muito tempo e outros elementos de prova demonstrem a posse ininterrupta do bem sem qualquer impugnação, aplicando-se ao procedimento de usucapião extrajudicial, por analogia, o item 309.5 e seguintes do Cap. XX das NSCGJ. Tal aplicação, contudo, não pode ser generalizada. Deve se dar especial atenção aos elementos concretos de cada pedido de usucapião, em especial àqueles cujas obrigações de compromisso de compra e venda e cessões de direito se deram há muito tempo, em que se presuma já haver o falecimento dos titulares de direitos sobre o bem, inviabilizando tanto a obtenção do comprovante de quitação quanto sua notificação ou de terceiros. Por tal razão o efeito normativo requerido não pode ser concedido, dependendo de sedimentação da jurisprudência neste sentido, em especial com manifestação da E. CGJ para que haja uniformidade de entendimento em todo o estado, e não apenas nesta Capital. Ainda, tratando-se de flexibilização da previsão expressa do Art. 216-A, §2º da Lei 6.015/73, o alcance de tal dispensa deve ser limitado aos titulares de direito de compromisso de compra e venda e demais cessões de direitos existentes no registro imobiliário, não sendo possível a dispensa de notificação do titular de domínio. Isso porque, tratando-se a usucapião de método de aquisição de propriedade (e consequente perda pelo antigo titular), mostra-se temerária sua concessão sem qualquer participação do titular de domínio no procedimento. Tal entendimento já foi adotado por este juízo no Proc. 1134486-66.2018.8.26.0100. Tal exigência quanto aos demais titulares de direitos, contudo, pode ser afastado por meio das certidões do distribuidor, novamente atentando-se às peculiaridades do caso concreto, já que estes não são proprietários do imóvel (cujo direito é protegido de forma ampla pela Constituição), mas meros titulares de direitos de aquisição que os cederam, muitas vezes em cadeia de cessões, até que se culmine no requerente da usucapião. Em resumo: sendo a usucapião meio de regularização fundiária, deve tal instituto ser facilitado ao máximo, porém dentro dos limites legais. Destarte, considerando-se as peculiaridades de cada caso concreto, possível a aplicação analógica do item 309.5 do Cap. XX das NSCGJ, entendendo-se como prova de quitação dos compromissos e cessões de direito intermediários existentes no registro do imóvel a juntada de certidões negativas do distribuidor, com exceção do titular de domínio, que deve sempre ser notificado, a menos que preenchidos os requisitos do Art. 13 do Prov. 65/17 do CNJ. Aplicando-se tal entendimento à presente dúvida, fica mantida a exigência de notificação apenas dos titulares de domínio Abilio Ribeiro de Barros e Maria Baldini de Barros ou seus herdeiros/sucessores, já que os demais direitos existentes na inscrição imobiliária venceram todos na década de 1960, juntando-se certidão negativa de distribuição comprovando a inexistência de lide sobre as referidas obrigações. Ainda, devem ser notificados os entes públicos e síndico do edifício, já que não há previsão legal e tampouco requerimento para dispensa. Pontuo que a notificação dos titulares poderá se dar por edital acaso comprovada a impossibilidade de serem encontrados os titulares e herdeiros. Neste sentido, já decidi no Proc. 1094787-68.2018.8.26.0100: “Destarte, falecidos os proprietários, são os herdeiros aqueles que devem ser notificados, sendo ônus do requerente apresentar ao registrador meios hábeis a demonstrar quem são estes herdeiros e como podem ser encontrados, permitindo-se a citação por edital somente quando seja comprovado que foram empregados todos os esforços possíveis para localização destes, com resultados infrutíferos.” Finalmente, fica dispensada a citação da fideicomissária Associação da Igreja Metodista – Paróquia Central, uma vez que comprovado que a requerente Associação da Igreja Metodista é sua sucessora. Destaco que a análise dos demais requisitos necessários a concessão do pedido deverá ser oportunamente analisada pelo Oficial, tendo a presente dúvida apenas afastado a necessidade das notificações, nos termos acima. Do exposto, julgo parcialmente procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento da Associação da Igreja Metodista, afastando a necessidade de citação de titulares de direitos sobre o bem, mas mantendo a exigência quanto aos titulares de domínio, entes públicos e síndico do edifício. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. – ADV: WANDERLEY EDUARDO NOGUEIRA (OAB 380601/SP)