Registro de Imóveis – Escritura pública de divisão amigável – Título lavrado no ano de 1986 – Diversas inscrições posteriores que modificaram a situação dominial do imóvel – Ausência de disponibilidade – Ofensa ao Princípio da Continuidade – Impossibilidade de retroatividade do título para influenciar relações jurídicas posteriores – Recurso desprovido.
Apelação n° 1124580-52.2018.8.26.0100
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1124580-52.2018.8.26.0100
Comarca: CAPITAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1124580-52.2018.8.26.0100
Registro: 2019.0000769227
ACÓRDÃO – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1124580-52.2018.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MANOEL FRANCISCO DOS SANTOS, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 12 de setembro de 2019.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 1124580-52.2018.8.26.0100
Apelante: Manoel Francisco dos Santos
Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 37.879
Registro de Imóveis – Formal de partilha – Dúvida julgada procedente – Registro Paroquial – Declaração relativa à posse dos bens imóveis – Ausência de título de domínio – Apelação não provida.
Trata-se de apelação interposta por Manoel Francisco dos Santos contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro do formal de partilha expedido nos autos do inventário de bens deixados por falecimento de Joaquim Rodrigues Goulart[1]. Alega o apelante, em síntese, que o formal de partilha foi instruído com cópia da declaração de posse de terras feita por Joaquim Rodrigues Goulart, subscrita pela autoridade competente, bem como histórico das transmissões dos requerimentos anteriores, o que bastaria para a qualificação positiva do título apresentado ante a inexistência de registro de propriedade em nome do de cujus[2].
A D. Procuradoria da Justiça opinou pelo não provimento do recurso[3].
É o relatório.
O registro paroquial, também conhecido como registro do vigário, foi criado pelo Decreto nº 1.318, de 30.01.1854, e tinha fins meramente estatísticos em relação à posse dos bens imóveis. O art. 91 do referido regulamento previa que todos os possuidores de terras, qualquer que fosse o seu título de propriedade ou posse, seriam obrigados a registra-las. Ainda, estabelecia que a incumbência para receber as declarações para o registro de terras ficaria a cargo dos vigários de cada uma das freguesias do império, os quais poderiam nomear livremente seus escreventes, exercendo mais a função de notário do que propriamente de registrador.
No presente caso, há apenas uma declaração de posse no registro paroquial, o que não substitui a prova de registro da propriedade. E nem mesmo o fato de partes ideais daquela gleba estarem inscritas perante o 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital favorece o apelante, na medida em que o título apresentado e os documentos que o acompanham não bastam para comprovar o domínio do de cujus.
A controvérsia foi objeto de análise pela 4ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça no Resp nº 389372/SC, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão:
“Recurso Especial. Direito das coisas. Ação declaratória de domínio pleno. Ilha costeira. Não demonstração do cumprimento das condições impostas pela Lei nº 601 de 1850 (Lei de Terras). Sumula 07 do STJ. Registro Paroquial. Documento imprestável à comprovação de propriedade. Juntada de documento novo em sede de recurso especial. Impossibilidade. Recurso especial. Não conhecido. (…) 3. A origem da propriedade particular no Brasil ora advém das doações de sesmarias, ora é proveniente de ocupações primárias. Ambas, para se transformarem em domínio pleno, deveria passar pelo crivo da revalidação ou, quanto às posses de fato, da legitimação, procedimentos previstos, respectivamente, nos artigos 4º e 5º da Lei 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras). (…) 5. Não há direito de propriedade decorrente do Registro Paroquial. Com efeito, nos termos do art. 94 do Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, as declarações dos possuidores ou sesmeiros feitas ao Pároco não lhes conferiam nenhum direito. Por outro lado, sendo vedado ao possuidor ou sesmeiro hipotecar ou alienar o terreno antes de tirar título passado na respectiva Representação Provincial, infere-se que o direito de propriedade das glebas somente se aperfeiçoava com o registro do dito título, sendo irrelevante o cadastro realizado perante o Vigário Paroquial (…)”.
Nesse contexto, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura vem entendendo que:
Registro de Imóveis – Dúvida procedente – Ausência de título de domínio em nome dos inventariados – Registro Paroquial produz efeito meramente estatístico de posse – não de domínio perante terceiros – Apelação Desprovida. (CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 097513-0/6; Rel. LUIZ TÂMBARA; DATA DE JULGAMENTO: 24/02/2003).
Formal de partilha – Registro Paroquial – Continuidade – Especialidade – Quitação de débitos MIRAD – INCRA – Títulos anteriores ao Código Civil – Dúvida prejudicada – Exigência – Concordância parcial – Posse – Registro (CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 17539-0/9; Rel. WEISS DE ANDRADE; DATA DE JULGAMENTO: 17.09.1993).
Como se vê, a questão já foi amplamente examinada por este Egrégio Conselho Superior da Magistratura e também pela Corregedoria Geral da Justiça, sendo pacífico o entendimento de que o registro paroquial (ou do vigário) tem efeitos meramente estatísticos quanto à posse de bens imóveis, não produzindo efeitos perante terceiros. Impossível, pois, a abertura de transcrição ou de matrícula com origem em tais imprecisas e unilaterais declarações.
Ademais, por conter descrição vaga e precária, referida declaração sequer permite a perfeita individualização do imóvel e consequente abertura de matrícula.
Nesse cenário, os precedentes em que fundou o registrador sua recusa, assim como aqueles invocados pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente são suficientes para confirmar a qualificação negativa do título, dada a inexistência de título de domínio em favor do de cujus.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator