O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), Alfredo Attié, é graduado em Direito e em História na Universidade de São Paulo (USP); além de ser Mestre em Direito e Doutor em Filosofia pela mesma instituição. O magistrado é autor das obras “A Reconstrução do Direito” (Porto Alegre: Fabris, 2003), e “Montesquieu” (Lisboa: Chiado, 2018). Recentemente, assumiu a Presidência da Academia Paulista de Direito, onde vem buscando implementar um programa inovador e coordena a “Polifonia: Revista Internacional da Academia Paulista de Direito”, a realização de eventos nacionais e internacionais, como o “I Congresso Internacional da Academia Paulista de Direito, de 2018”, a participação em debates importantes para o direito e para a sociedade contemporâneos, entre outras atividades. Em entrevista exclusiva ao Jornal do Notário, Attié discorre sobre o incremento à produção científica na atividade extrajudicial, opina sobre a ampliação da competência dos notários para novas atribuições e avalia o processo de desburocratização do Judiciário em decorrência dos serviços extrajudiciais. “O aumento do interesse na área do Direito Notarial, o crescimento do número e da qualidade de monografias, teses, publicações é notório e decorre do importante trabalho que vem sendo realizado pelos titulares dos serviços notariais”, pontuou. “O foro extrajudicial pode e deve desempenhar um papel essencial nessa consecução da evolução criadora dos direitos”. Leia ao lado a entrevista na íntegra:

Jornal do Notário: O senhor poderia traçar o seu breve histórico profissional?
 
Alfredo Attié: Estudei História e Direito na Universidade de São Paulo, fiz estudos e pesquisas no exterior, onde obtive meu Mestrado em Direito Comparado. Na mesma USP, tornei-me Mestre em Direito e Doutor em Filosofia. Lecionei em várias escolas, assim como proferi palestras no Brasil e no exterior, também em organizações internacionais. Escrevi e publiquei livros e artigos, dentre os quais “A Reconstrução do Direito” (Porto Alegre: Fabris, 2003), e “Montesquieu” (Lisboa: Chiado, 2018). Desenhei um percurso literário que parte da categoria da “Alteridade”, talvez a mais antiga e importante das categorias da filosofia, e que renasceu, na passagem do século XIX par o Século XX, percorrendo-o integralmente, na constituição de ciências novas de ponta, e na reelaboração de velhas ciências, a partir de pontos de vista mais ousados. Por exemplo, a antropologia/etnologia e a psicanálise, assim como a filosofia da existência, e a nova história. Empreguei essas ciências para, juntamente com a crítica literária, desenhar um novo modo crítico e construtivo de fazer direito, na teoria e na prática.

Mais recentemente, assumi a Presidência da Academia Paulista de Direito, onde venho buscando implementar, com êxito, graças ao apoio de todos os Acadêmicos, um programa inovador, já com a “Polifonia: Revista Internacional da Academia Paulista de Direito”, indo para seu quarto número, a realização de eventos nacionais e internacionais, como o “I Congresso Internacional da Academia Paulista de Direito, de 2018”, a participação em debates importantes para o direito e para a sociedade contemporâneos, e, sobretudo, a criação e os trabalhos dos Centros, Institutos, Núcleos e Grupos de Pesquisa da Academia Paulista de Direito, que, a exemplo do Centro Internacional de Direitos Humanos, vinculado à Cadeira San Tiago Dantas, de que sou Titular, conta com a participação entusiasmada de jovens pesquisadores e pesquisadoras, no desenvolvimento de temas de interesse a sociedade e no trabalho junto com a sociedade. No início de minha carreira, além de ter lecionado na USP e na UNESP, fui advogado e Procurador do Estado de São Paulo. Na Magistratura, trabalhei em várias Comarcas do Interior e na Capital de São Paulo, em Varas, Tribunais do Júri, Juizados de Pequenas Causas, Juizados Especiais de Crimes de Pequeno Potencial Ofensivo, Juizados Especiais Cíveis, e no Tribunal de Justiça, tendo sido Diretor dos Juizados Especiais de Salto e de Jacareí, Diretor-Adjunto dos Juizados de Itu e de Santana, além de Presidente dos Colégios Recursais de Jacareí e de Santo Amaro, ainda, Diretor do CEDES de Itu e Região da Escola Paulista da Magistratura, e Juiz Eleitoral. Fui Corregedor de vários Cartórios extrajudiciais, atividade que me rendeu muito aprendizado, muitas relações amistosas e agradáveis.

Jornal do Notário: O CNB/SP publica há muitos anos a Revista de Direito Notarial (RDN), que se encontra atualmente em sua 8ª edição (http://rdn.cnbsp.org.br/index.php/direitonotarial). Qual a opinião do senhor sobre o incremento à produção científica na área do extrajudicial?
 
Alfredo Attié: O aumento do interesse na área do direito notarial, o crescimento do número e da qualidade de monografias, teses, publicações é notório e decorre do importante trabalho que vem sendo realizado pelos titulares dos serviços notariais, que têm buscado construir uma importante comunidade científica em torno do tema, uma verdadeira reflexão para o aprimoramento das atividades e da qualidade dos serviços, bem como em sua ampliação, sob o signo da segurança e da qualidade. A RDN, nesse sentido, é um veículo importante.

Por outro lado, creio que, desde que, no campo do aperfeiçoamento institucional, implantaram-se os concursos na área extrajudicial, esse interesse cresceu.
Mas, permito-me ousar uma sugestão, que, em verdade, dirige-se ao direito e a sua prática em geral. O investimento em recursos pessoais e materiais no direito não se pode restringir à difusão de cursinhos preparatórios, por mais que sejam, em vários casos, úteis como meio de indicação para estudos de candidatos – pois o alcance de um bom resultado é sempre devido ao esforço pessoal de formação, aliado à existência de condições de vida e de ensino apropriadas, no curso de toda a fase escolar, em especial durante a série universitária, que permitam a dedicação às leituras e ao aprendizado prático.
O investimento maior, portanto, deve estar em dar suporte para que a formação seja cada vez melhor, qualificada.
A sugestão que faço, portanto, seria
a) o conjunto do extrajudicial poderia ajudar seja na melhora do ensino médio, seja naquele universitário técnico, auxiliando na implementação de estruturas paralelas e conjugadas ao sistema de ensino, sobretudo público, para abrir caminhos para jovens brasileiros. Melhorando resultados, em matérias fundamentais, e preparando material, cursos, para que os jovens se interessem por novas áreas de conhecimento e profissionais. Isso poderá resultar, em futuro próximo, no avanço do próprio universo jurídico, em geral, e extrajudicial, em especial;
b) A formação de Núcleo de Pesquisa em assuntos atinentes ao Direito Notarial, para incremento, em nível de excelência, dos estudos notariais.
Gostaria que a Academia Paulista de Direito, que presido, pudesse trabalhar em conjunto com o extrajudicial nesse sentido, numa parceria que envolvesse ensino básico e especializado, pesquisas e publicações.
 
Jornal do Notário: Hoje, diversas instituições de renome como a PUC, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, a Damásio Educacional, a EPM, entre outras, já oferecem cursos de extensão universitária em Direito Notarial. Como enxerga atualmente a disponibilidade de cursos e produção acadêmica voltada à atividade extrajudicial?
 
Alfredo Attié: Essa oferta é importante. Pesquisa e ensino conjugados, sendo a disponibilidade de cursos também relevante. O incentivo aos jovens, na busca de novos percursos acadêmicos e profissionais. Valorizo sobretudo todo investimento que for feito na superação das deficiências, dos problemas de qualidade, na formação básica brasileira, igualmente no ensino jurídico, e no combate à desigualdade. Penso que é preciso aliar ensino, pesquisa e extensão à sociedade. Tornar acessíveis os serviços, as informações e a formação. O interesse no Direito Notarial, bem como em outros campos que igualmente têm assumido a ponta no desenvolvimento da teoria e da prática do direito, pode servir de âncora para uma renovação inteligente da educação jurídica. O Brasil merece a criação e a difusão de uma cultura educacional permanente, sustentável.
 
Jornal do Notário: Neste ano, a Lei n° 11.441/2007, que possibilitou a realização de inventários, partilhas e divórcios pelos cartórios de notas, completou 12 anos. Na opinião do senhor, qual tem sido a importância da lavratura de tais documentos em paralelo ao trabalho desenvolvido pelo Judiciário? O senhor é favorável à ampliação da competência dos notários para novas atribuições?
 
Alfredo Attié: Tenho defendido que o poder judicial (o poder de julgar, de resolver, mediar, arbitrar, conciliar e transformar conflitos) pertence não ao Estado, mas à sociedade. Quer dizer, é um poder societal e não propriamente estatal. Por isso, sou favorável a iniciativas sérias e inteligentes, criativas, de sistemas de solução de conflitos diferentes do tradicional estatal, exercido pelo Poder Judiciário. Concebi sistemas e estruturas tanto para a solução de conflitos em geral, quanto para áreas específicas, jurídicas, econômicas, sociais. Ajudei na implantação e na criação e difusão do sistema de ADR (alternative dispute resolution), no Brasil, especialmente a arbitragem, a mediação e a conciliação. Tem sido, há muito tempo meu trabalho, no Brasil e no exterior, em agências internacionais. Recentemente, na Academia Paulista de Direito criei Centro Internacional voltado para o tema. O envolvimento da estrutura e do sistema notarial nesse processo é muito importante. Uma parceria entre a Academia e esse sistema será muito bem-vinda.
Além disso, a possibilidade de solver questões relativas à chamada jurisdição voluntária e a problemas mais de ordem da administração também é extremamente bem-vinda. Não se trata de pensar em cartórios ou no judiciário, mas na sociedade, no interesse do povo. O poder de julgar pertence a ele. Facilitar, tornar a prestação de justiça (social, sem dúvida) célere, efetiva, cada vez mais apropriada, é um serviço de valor inestimável, sobretudo em nosso País, em que as injustiças são tão frequentes, e o descaso em sua correção, desanimador. Recentemente, falei e escrevi sobre “Políticas Públicas para a solução de conflitos, ou Políticas Públicas de Justiça”.  É preciso romper obstáculos e buscar novos paradigmas. Isso é jogar para a efetivação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. É trabalhar para a consecução dos direitos e garantias previstos em nossa Constituição e nos Tratados e Convenções Internacionais, pelos direitos humanos, pela democracia.
 
Jornal do Notário: Como o senhor enxerga a ata notarial no processo judicial?
 
Alfredo Attié: É mais um instrumento que traz segurança à prestação jurisdicional. Meio de prova previsto no artigo 384 do Código de Processo Civil, encontra seu fundamento na própria concepção constitucional dos serviços notariais. Numa época em que as relações e os meios de comunicação se tornam tão fluidos, é importante que haja marcos ou pontos seguros, para garantir a própria convivência humana, independentemente dos conflitos. 
 
Jornal do Notário: Considerando o Direito Civil atual, como o senhor avalia a evolução do Direito de Família dentro dos novos modelos de família existentes e o papel do extrajudicial para a formalização da vontade das partes?
 
Alfredo Attié: Num dos artigos que referi, na resposta à primeira questão, “Transformações do Humano”, discuto a questão da diversidade e o direito à sua expressão. A sociedade mudou, o humano mudou. No âmbito dos direitos humanos, não apenas os direitos e deveres correlatos se ampliaram, mas igualmente a concepção do humano sofreu transformações importantes. A sociedade e cada um de nós precisamos da diferença. Apenas a identidade não basta. Há uma interdependência entre igualdade e diferença. Os relacionamentos mudam e é uma característica da humanidade, do hominídeo, o processo de transformação constante, a adaptação, a evolução. A família continua a ser importante, como ambiente e relação de acolhimento, de educação. Os seres humanos dependem dessa relação familiar para a sua constituição. Mas o que venha a ser família também é um curso de alterações. A história da vida familiar não é outra coisa senão a narrativa dessas alterações. Os modelos mudam, as pessoas se modificam, as famílias passam a obedecer a novos comportamentos, novos padrões de convivência. Precisamos deixar de lado preconceitos de toda ordem, além da análise fria da ciência e da filosofia. Devemos caminhar para os espaços reais de coexistência, observar os espaços sociais. Acolher tais mudanças e expandir instrumentos para que se realizem com dignidade, reconhecimento, respeito, impedindo atos de desrespeito, intolerância, exclusão e opressão. A autonomia privada, assim como o desejo das partes devem continuar a ser prestigiados. O foro extrajudicial pode e deve desempenhar um papel essencial nessa consecução da evolução criadora dos direitos.
 
Jornal do Notário: Para o senhor, qual é o maior desafio para o futuro do notariado?
 
Alfredo Attié: Adaptar-se à transformação do humano, da sociedade. Ajudar na escolha dos melhores caminhos para o futuro, na adaptação e na melhor escolha das novas tecnologias. Tornar acessíveis seus serviços, auxiliar na superação das desigualdades, tornar o direito autêntico, próximo do desejo do povo, segundo os princípios do Estado de Direito e da Democracia, conservar e expandir os direitos humanos e tornar efetiva a realização dos deveres estatais. Continuar a cuidar da segurança, no sentido democrático: segurança da sociedade. Tornar-se cada vez mais uma instância segura para a garantia das relações humanas. O humano não pode ser substituído pelas máquinas. Quanto mais diálogo houver, maior a aproximação e o respeito entre as pessoas, mais a sociedade ganhará. O notariado deve estar ao alcance do humano.