A Lei de Alienação Parental (12.318/2010) esteve em debate, na última quinta-feira (31), na Câmara Municipal de São Paulo. O encontro reuniu profissionais do Direito e da Psicanálise a favor da manutenção da norma, além de outros que defendem sua revogação. Entre os debatedores, estavam a psicanalista Giselle Groeninga, diretora das Relações Interdisciplinares do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, e a advogada Sandra Vilela, também membro do Ibdfam.
 
A Lei 12.318/2010 considera alienação parental “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
 
Na semana passada, a audiência pública teve em vista a tramitação de um projeto de lei (PLS 498/18) que visa a revogação da Lei de Alienação Parental e outros três (PL 10.182/18, PL 10.402/18 e PL 10.712/18) que propõem sua modificação. Em quatro mesas de discussões, os pontos mais controversos relacionados à norma foram debatidos. Estiveram presentes advogadas, promotoras de Justiça, psicólogas e representantes de coletivos feministas.
 
Em favor da revogação da lei foram apresentados argumentos e acusações relativos ao difusor do conceito, o psiquiatra norte-americano Richard Gardner; houve uma associação entre a Lei 12.318 e a pedofilia; levantou-se suspeitas quanto aos laudos periciais; e foram feitas ligações entre lei e a ideologia marxista, a uma posição sexista e, mesmo indiretamente, à defesa da pedofilia.
 
Para Sandra Vilela, os argumentos apresentados foram infundados. “A mídia tem levantado a discussão sem nenhum fundamento legal, trazendo matérias sensacionalistas, surgindo a necessidade urgente de amplo debate acadêmico sobre essa lei”, contextualiza a advogada.
 
“Tais argumentações acabam por dificultar que se iluminem os pontos a serem aperfeiçoados na lei. E, ainda, a ligação da alienação parental com pedofilia presta um enorme desserviço ao necessário combate dessa prática nefasta”, avalia Giselle Groeninga.
 
Acusações de pedofilia sob perícia
 
Nos casos em que se contrapõem pedofilia e/ou alienação parental, segundo Giselle, tomar a palavra das crianças como se fossem acusações e transformá-las em provas pode representar uma grande violência psicológica.
 
“Isso absolutamente não quer dizer que não ocorram abusos sexuais e que as manifestações das crianças não devam ser levadas em consideração. Muito pelo contrário, devem ser tomadas com redobrada consideração a quem elas são – crianças, que podem fantasiar e que também são extremamente vulneráveis à sedução dos adultos”, pondera a psicanalista.
 
Segundo ela, a perícia estabelecida na Lei 12.318, que prevê a entrevista com todos os envolvidos, análise da personalidade, histórico do conflito e da demanda, representa o atendimento ao devido processo legal e à equanimidade quanto à produção da prova.
 
“A análise pericial feita por psicanalistas, psicólogos permite, inclusive, que se compreenda que uma suspeita e mesmo uma denúncia que não se prove verdadeira possa ser fruto de uma interpretação enviesada por fatores inconscientes”, expõe Giselle.
 
Inversão de guarda indiscriminadamente não é uma realidade
 
“As pessoas que apoiam a revogação desta lei sustentam que os juízes estão dando a guarda de filhos para pais pedófilos, pois, na opinião delas, de acordo com a lei, basta uma mãe fazer uma acusação de abuso sexual e esta acusação não se confirmar, ou, basta a acusação de alienação parental para que os juízes concedam a guarda da criança para o pai acusado de pedofilia ou de ter sido alienado. Alegam que isto estaria ocorrendo, inclusive, em muitos casos, com o deferimento da guarda em sede liminar”, conta Sandra.
 
Segundo a advogada, não é verdade que nossos julgadores estejam invertendo a guarda dos filhos pela simples ocorrência da alienação parental. O artigo 6º prevê: “Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso.”
 
“Nos julgamentos, o juiz adota a inversão da guarda somente em casos gravíssimos e pontuais, quando muitas outras medidas foram adotadas sem resultado, sendo a inversão da guarda a única medida capaz de retirar a criança daquela situação de agressão psíquica importante”, observa Sandra.
 
Lei de Alienação Parental é exclusividade brasileira
 
Detratores da Lei 12.318 sustentam ainda que o Brasil é o único país que ainda utiliza tal conceito em seus julgamentos. O argumento não é válido, segundo Sandra Vilela. Ela compara Lei de Alienação Parental à Lei Maria da Penha, também exclusiva de nosso País, e bastante elogiada no exterior.
 
“O Brasil não atribuía efetividade à igualdade parental e direitos dos filhos em ter os seus dois genitores em proximidade, sendo necessário, assim, a existência de uma lei específica sobre o tema”, comenta Sandra. “Observamos a diferença cultural do Brasil e demais legislações estrangeiras, o que fundamenta a necessidade de uma lei específica de alienação parental.”
 
“Mesmo não tendo regra legal expressa, todos os países estrangeiros utilizam a teoria da alienação parental em larga escala em seus julgamentos. Em todo tribunal estrangeiro que procurei, encontrei muitas decisões utilizando o tema da alienação parental. Ainda, não podemos nos descuidar que em muitas legislações estrangeiras, aquele genitor que impede o filho em ter relação de proximidade com o outro genitor comete crime, independente de se caracterizar alienação parental ou não”, compara a advogada.
 
Ela ressalta que a falsa acusação de abuso sexual por parte de um genitor para afastar o outro é tão comum nos EUA que diversos estados têm legislação específica sobre o tema, repudiando a prática.
 
“A diferença é que, na alienação parental para todos os países estrangeiros, eu preciso do filho recusando, de forma injustificada, a companhia de um dos seus genitores. A lei brasileira tem um caráter preventivo e o que visamos é impedir que a alienação parental se instale e o filho passe a repudiar o seu genitor”, difere.
 
Não há misoginia na norma, segundo advogada
 
Pesa, ainda em relação à Lei de Alienação Parental, que se trata de um conjunto de normas misóginas.
 
“O que me parece é que as opositoras da lei falam em causa própria. Ou seja, são mães que se sentem prejudicadas pela aplicação da lei e a discussão perde um pouco de técnica, sendo levadas a um discurso emocionado. Precisamos acolher estas mães, mas entendo que não será com a revogação da lei”, defende Sandra.
 
“O que foi visto, por parte da maioria das pessoas contrárias à lei, foi a afirmação de que a maternidade é uma relação mais importante para os filhos que a paternidade e a nítida insistência em demonizar o homem, num discurso feminista muito perigoso”, opina a advogada.
 
“Essas mesmas pessoas que defendem a revogação da Lei da alienação parental, pedem, também, a revogação da lei da guarda compartilhada, demonstrando repúdio para o importante envolvimento do pai na educação dos filhos”, acrescenta Sandra.
 
Igualdade entre homens e mulheres foi ressaltada
 
Giselle Groeninga lembra que, em favor da lei, foi enfatizada a importância da participação paterna não só na criação e educação dos filhos, como na maior igualdade entre homens e mulheres; foi apontada a inadequação em tentar destruir um conceito por meio do ataque à reputação de Richard Gardner; foi apontada a presença, senão do conceito nomeado enquanto tal, do fenômeno de exclusão de um dos pais, em geral do pai.
 
“O que se depreende das críticas tecidas à lei, por ambos os lados, foi a necessidade de sua aplicação menos no sentido punitivo, e mais no sentido de prevenir sua má utilização, devendo-se aplicar outros dispositivos nela previstos, como o acompanhamento psicológico, por exemplo”, aponta Giselle. “Também foi frisada por todos a necessidade de uma boa utilização da prova pericial que, diga-se de passagem, está bem definida na lei.”
 
“Foi comum tanto em defensores da revogação quanto aos contrários, a confusão entre a prova pericial prevista na Lei 12.318, a ser realizada por especialistas, e os procedimentos previstos na Lei 13.431, de Escuta Especial e Depoimento Especial, a serem realizados por técnicos formados, mas não profissionais da psicologia e do serviço social. A oitiva e o depoimento da criança e do adolescente não se confundem com uma perícia psicológica”, salienta a psicanalista.
 
Discussão é interdisciplinar, diz psicanalista
 
O conceito de alienação parental é interdisciplinar, produto do conhecimento da Psicologia e do Direito, sendo prejudicial à sua compreensão a tentativa em inseri-lo em categoria médica ou jurídica, de acordo com Giselle Groeninga.
 
Ela acredita que a lei possa ser aperfeiçoada, sobretudo os dispositivos que indiretamente penalizam a criança e o adolescente, bem como as medidas extremas pouco eficazes na reversão da alienação parental. “Deveriam ser privilegiadas medidas como o acompanhamento psicológico previsto na lei, sendo que uma das modalidades é o acompanhante terapêutico que pode propiciar o fortalecimento do vínculo e a prevenção da continuidade da alienação”, opina a psicanalista.
 
“Acredito que, inclusive, a forma da perícia prevista na lei deveria ser empregada também em outra sede, sobretudo quando se analisam questões relativas ao abuso sexual. Traz enormes desafios, sendo que nem sempre os laudos podem ser conclusivos, mas a equanimidade da prova prova pericial por meio da análise psicológica seria de rigor”, assinala.
 
Lei garante direitos fundamentais aos filhos
 
Sandra Vilela é contra modificações na legislação, mas admite que determinados acréscimos podem ser bem-vindos. Ela diz que é possível criar mecanismos para assegurar que a guarda não seja deferida em prol de pais abusivos, sem desvirtuar o conteúdo da lei.
 
“Podemos colocar como regra expressa que uma mãe pode e deve buscar a ocorrência de um abuso sexual contra o filho, sem que tenha qualquer penalidade e que em casos da necessidade de ser concedida uma guarda unilateral em favor de um genitor, será escolhido sempre aquele que represente o interesse do filho”, propõe a advogada.
 
Ela ressalta que a Lei de Alienação Parental não traz nenhuma punição e seu artigo 6º, que trata da inversão de guarda, é aplicado para cessar o dano e, por consequência, proteger a higidez psíquica do filho.
 
“Foi a partir dessa lei que os filhos passaram a ser sujeito de direito, não podendo mais ser utilizado pelos seus pais como objeto para atingir o outro. Sua revogação seria um retrocesso, pois é a única capaz de assegurar a igualdade parental e o direito da criança em ter os dois genitores em sua vida”, acredita Sandra.