Durante a abertura do seminário Novas tendências do direito imobiliário, realizado nesta segunda-feira (11) no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o presidente do tribunal, ministro João Otávio de Noronha, destacou a necessidade de diálogo entre o mercado e o Poder Judiciário e de uma jurisprudência sólida que não traga surpresas para o setor.
 
Noronha afirmou que é preciso evitar que entendimentos jurídicos sejam alterados frequentemente em razão de mudanças na composição de um tribunal. “O Brasil não pode ser uma areia movediça no campo da jurisprudência. Nossos entendimentos precisam ser sólidos”, disse o ministro.
 
O presidente do STJ citou a questão dos distratos para ilustrar que entendimentos firmados pelo Judiciário sem diálogo com os setores envolvidos podem atrapalhar o mercado, afastar investimentos e, como consequência, prejudicar empresas e consumidores.
 
“Não é razoável projetar, construir e vender, programar todo o fluxo de caixa da empresa de acordo com essa lógica e, de repente, o contrato não valer mais e o dinheiro ter que ser devolvido imediatamente”, comentou.
 
Para ele, o consumidor assume risco ao comprar um imóvel e não pode condicionar o negócio apenas ao cenário de supervalorização. “Se o imóvel não valorizar, eu devolvo?”, questionou o presidente do tribunal ao recomendar bom senso na construção e na manutenção da jurisprudência sobre o assunto.
 
Modulação de efeit​​os
 
No primeiro painel do seminário, o ministro do STJ Villas Bôas Cueva abordou os recursos repetitivos e a modulação de efeitos das decisões. Ele mencionou diferenças na construção e na interpretação de precedentes nos sistemas jurídicos common law e civil law – este último o modelo vigente no Brasil.
 
O ministro também falou sobre problemas na aplicação dos precedentes no Brasil, como o caso de juízes e tribunais que não seguem as teses firmadas no julgamento de recursos repetitivos.
 
Sobre a modulação de efeitos dos repetitivos, Villas Bôas Cueva afirmou não ser razoável a obrigatoriedade da modulação, já que o próprio Código de Processo Civil deixa esse ponto como uma faculdade do órgão julgador.
 
“Além disso, a modulação tem de ser feita com um zelo muito grande, com cuidado para não piorar a situação atual”, alertou o ministro ao comentar casos complexos que já passaram pelo STJ, destacando os possíveis riscos da modulação de efeitos.
 
Razão de decid​​ir
 
A professora Teresa Arruda Alvim, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tratou da razão de decidir nos repetitivos. Inicialmente, ela destacou que a jurisprudência no Brasil tem o papel de interpretar mudanças na sociedade e, por isso, deve ser lenta como essas transformações sociais, evitando que as alterações de orientação sejam banalizadas.
 
A análise das razões de decidir, segundo a professora, não é algo que possa ser “descoberto”, mas está presente na construção da argumentação do magistrado. “A teoria afirma que a ratio decidendi é tudo o que é necessário para sustentar a conclusão, mas isso é muito polêmico, porque cada um interpreta de uma forma o que é necessário para tal conclusão.”
 
Segundo Alvim, a interpretação ganhou destaque e teve reflexo até na forma de se referir aos juízes e às decisões. “Hoje em dia, não usamos mais a expressão ‘incidir’; usamos o termo ‘aplicar’, o que reforça o papel que o juiz tem ao escolher os elementos para decidir.”
 
Reclamaç​​ão
 
O tema do professor Osmar Mendes Paixão Côrtes, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), foi segurança jurídica e vinculação das decisões dos repetitivos. Ele disse que, em um cenário ideal, não seria necessário haver a reclamação para garantir o cumprimento de decisões, mas, devido à cultura jurídica de décadas, esse instrumento processual é importante.
 
“Ainda que sirva apenas como uma ameaça para fazer cumprir o precedente, é importante termos a figura da reclamação”, comentou. Ele saudou a possibilidade de novas afetações de processos para distinguishing de casos, contribuindo, dessa forma, para reduzir as dúvidas e os recursos sobre as teses firmadas em repetitivos.
 
Processos s​​uspensos
 
Paulo Henrique dos Santos Lucon, professor da Universidade de São Paulo, falou sobre a suspensão dos processos que tratam da mesma questão jurídica afetada para julgamento em recurso repetitivo. Ele destacou o embate entre segurança jurídica e celeridade processual, lembrando que o Brasil é um país único em diversas questões do direito, como o volume de processos.
 
A suspensão dos processos, de acordo com Lucon, muitas vezes pode deixar o jurisdicionado com dúvidas sobre a tramitação. O professor observou que, embora o limite de um ano para a suspensão já tenha sido flexibilizado, o STJ tem atuado para seguir esse prazo no julgamento das teses, conforme previa originalmente o CPC de 2015.
 
O uso crescente da inteligência artificial pelos tribunais, segundo Lucon, impôs aos advogados o desafio de preparar recursos que não caiam em filtros automáticos de admissibilidade. Como exemplo, disse que a menção a cláusulas contratuais pode levar à automática aplicação da Súmula 5 do STJ. “Agora, o advogado, além de direito, vai ter que entender de computação para garantir que o seu recurso seja aceito”, comentou o professor.