Em momentos extremos, paramos para pensar na vida e repensar nossos valores. Muitos desses valores influenciam nossas ações e reações dentro da sociedade e nos fazem tomar decisões e formar opiniões muito individuais. Muitas opiniões, para que sejam respeitadas, precisam ter publicidade, e é nesse momento que a Diretiva Antecipada de Vontade, ou testamento vital, se torna essencial.
 
Para entendermos a função do testamento vital, mister se faz esclarecer alguns princípios da bioética e do biodireito.
 
No Juramento de Hipócrates, aquele feito nas formaturas por todos os médicos, podemos extrair do trecho ”ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda” o Princípio da Não-Maleficência. Esse princípio norteia esses profissionais no sentido de não administrar tratamentos que tragam prejuízos ao paciente.
 
Temos também o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. 1º, inciso III, da nossa Constituição Federal, e é um dos que garante aos cidadãos o exercício pleno dos seus direitos fundamentais, como por exemplo, direito à vida, à segurança, à liberdade de crença religiosa, à saúde, à moradia, dentre tantos outros.
 
Outro princípio que precisamos ter em mente nesse momento é o Princípio da Autonomia do Paciente. Amplamente disseminado em nosso ordenamento jurídico, ele está presente no art. 15 do Código Civil, no art. 7º, inciso III da Lei Orgânica de Saúde (Lei 8.080/90), no art. 2º, inciso XXIII da Lei 10.241/99 do Estado de São Paulo, bem como nos art. 22 e 23 do Código de Ética Médica. Durante muito tempo, as decisões sobre os tratamentos que seriam ou não aplicados aos pacientes eram tomadas pelos médicos, o que se contrapõe ao que observamos na atualidade, pois se entendeu que uma das formas de respeito à dignidade da pessoa humana seria dar-lhe autonomia sobre sua própria saúde e seu próprio corpo. A partir disso, temos claro que o paciente tem total liberdade para decidir se aceitará ou não passar pelo tratamento sugerido (e não imposto) pelo médico.
 
Durante todo o tratamento o mais importante para o paciente é a comunicação com seu médico para que todas as dúvidas sejam sanadas, e o paciente possa exercer sua autonomia na hora de decidir se vai ou não aceitar o tratamento proposto. Uma vez esclarecido, o paciente deverá assinar um documento denominado Consentimento Informado, no qual constarão quais procedimentos o paciente concordou ou não em ser submetido.
 
E SE O PACIENTE ESTIVER INCONSCIENTE? EM COMA? Como ele poderá expressar sua vontade sem ter capacidade para isso naquele momento?
 
É aqui que notamos a importância do “testamento vital”, ou, Diretiva Antecipada de Vontade.
 
Esse é o documento que garantirá ao paciente que, mesmo inconsciente, sua vontade será conhecida e respeitada, pois no momento da lavratura do ato gozava dos pressupostos da autonomia: capacidade e liberdade.
 
O paciente poderá determinar, dentre outras coisas, quais tratamentos e procedimentos está disposto a ser submetido. Quais os limites que a equipe médica deverá respeitar, de acordo com sua vontade e autonomia.
 
Nele é possível, inclusive, nomear um terceiro para que tome decisões em caso de omissão.
 
É possível, ainda, nomear uma pessoa de confiança para gerir e administrar seus bens, sendo que o mandato constante na diretiva terá vigência apenas durante o período de incapacidade do declarante (paciente).
 
Outra disposição de extrema relevância que o declarante poderá fazer está relacionada a filhos menores ou incapazes. Nos termos do art. 1.634, inciso VI, do Código Civil, o declarante poderá nomear um tutor, sempre respeitando o poder familiar do outro pai.
 
Dentre outras determinações, o declarante poderá esclarecer sobre o desejo ou não de doar seus órgãos, e até mesmo sobre o desejo de cremação, o que deverá ser feito de suas cinzas, ou ainda onde prefere que seu corpo seja sepultado.
 
Insta esclarecer que uma Diretiva Antecipada de Vontade pode ser, a qualquer momento, alterada ou revogada pelo declarante, desde que lúcido.
 
O assunto, por sua tamanha relevância, foi debatido pelo Conselho Federal de Medicina, e está presente hoje no Código de Ética Médica, em seu art. 41, parágrafo único, e, mais especialmente, na Resolução nº 1.995/2012 do CFM, que tratou amplamente sobre o assunto e como os médicos devem atuar nesses casos.
 
É importante esclarecer que a Diretiva Antecipada de Vontade, muitas vezes também denominada testamento vital, não é, na verdade, um testamento, tendo em vista que seu objetivo é surtir efeitos durante a vida do declarante. Já um testamento terá efeito após o falecimento do testador.
 
Apenas quando aprendemos realmente sobre a abrangência de uma Diretiva Antecipada de Vontade é que entendemos a sua importância e como esse instrumento ainda precisa ser disseminado na nossa sociedade.
 
*Juliana Savagin é tabeliã substituta do 7º Tabelionato de Notas de Santos, Pós graduanda em Direito de Famílias e Sucessões.