A pandemia decretada pela OMS, com um caráter de radical mudança nas interações humanas, originou algumas diretrizes de proteção contra a crise sanitária de dimensão planetária que são seguidas, com maior ou menor rigidez, em todo o mundo, inclusive no Brasil.
 
Uma das mais impactantes realidades impostas foi a que se convencionou denominar confinamento, na dinâmica do isolamento social. Essa medida deu ensejo a entendimentos polêmicos, entre outros os chamados “isolamento horizontal” ou “isolamento vertical”.
 
No Brasil acabou prevalecendo o regime de quarentena com o “isolamento horizontal”, que, inclusive, já havia sido adotado no precedente histórico da “gripe espanhola”.
 
Como seria de se supor, a alteração de rotina e da cotidianidade de milhões de pessoas originou realidades capazes de abalar as placas tectônicas do Direito de Família, eis que o bordão “fique em casa”, assumiu peculiaridades de estreitamento dos espaços físicos, psicológicos e morais de todos os indivíduos. Pretendo consignar algumas reflexões sobre a flexibilização do instituto da união estável, que escancarou a leitura da subjetividade, esse território íntimo que vai da preterintencionalidade até o fato de pessoas convivendo com as implicações jurídicas, efeitos legais daí resultantes.
 
No corpo do Código Civil, o artigo 1.723 (“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”) aflora na segunda construção a subjetividade do animus de constituir família.
 
Estamos diante de um impasse jurídico, eis que é de difícil objetivação caracterizar esse requisito legal, pois tanto um casal pode passar uma “temporada afetiva” com a intenção de se proteger no caso da Covid-19, mas sem a finalidade de constituir uma família, e por outro lado um casal que tem, sim, a firme decisão de montar uma família pode se ver na contingência do afastamento físico por meses a fio, para cuidar, por exemplo, de parentes idosos.
 
Outrossim contatou-se nos cartórios do Rio de Janeiro um aumento expressivo de 55% de casos de constituição de união estável durante o isolamento em virtude da pandemia.
 
A resposta social aos rigores impostos pela crise pandêmica, com ameaça de doença e morte, teve na informalidade que a união estável representa diante do casamento um indiscutível padrão contemporâneo, portanto atemporal e inespacial.
 
Certamente inúmeros outros desdobramentos surgirão desse fenômeno que ensejou de um lado o isolamento social e distanciamento, e de outro lado alimentou laços de intimidade e aproximação que sempre ocorreram em crises desta natureza, como por exemplo revoluções, guerras e outros traumas coletivos.
 
Finalmente, diante da constatação da fragilidade e da finitude da vida, muitas pessoas, principalmente jovens, procuram no outro o amparo da estabilidade à sua segurança.
 
Flavio Goldberg é advogado e mestre em Direito.