Hoje, 25/06/2020, a CNN Brasil noticiou a lavratura de um divórcio eletrônico extrajudicial [1]. Nesse divórcio, a ex-esposa encontrava-se no Estado de São Paulo e o ex-marido, no Estado da Bahia. A advogada, em seu escritório em Brasília. O divórcio foi lavrado por um tabelião de Sobradinho no Distrito Federal.
O festejado Provimento 100/2020 do CNJ inovou, de maneira fantástica a matéria de Direito Notarial no Brasil. Hoje, através da plataforma nacional e-notariado, qualquer ato do tabelionato de notas pode ser feito de maneira rápida e on line. Escrituras diversas, inventários, testamentos, procurações, atas notariais, divórcios e quaisquer outros atos de notas, podem ser efetivados virtualmente. O sistema é muito seguro e eficiente. Foi elaborado por grandes experts da área e referendado por estudiosos no CNJ. Para usar o sistema digital, basta que as partes estejam munidas de seus certificados digitais (que pode ser o da ICP-Brasil, como p.ex. o E-CPF, ou o certificado notarial, que é emitido gratuitamente em qualquer tabelionato de notas do país) e requeiram ao tabelião de notas competente, o ato desejado. Este elaborará a minuta, trocará detalhes com as partes e seus advogados, conferirá o recolhimento dos impostos, se devidos e, estando tudo ajustado e em termos, agenda via plataforma enotariado uma videoconferência, com todos os envolvidos. Lá, o tabelião identificará as partes, lerá o ato, esclarecerá qualquer dúvida dos usuários e posteriormente, enviará por email e pelo sistema oficial, um documento no formato PDF-A (de longa duração e imodificável) para que as partes assinem, cada uma a sua vez, com seus certificados digitais. Uma revolução. Não temos notícia de haver em qualquer outro lugar do mundo, um sistema público tão eficiente e moderno.
Ocorre que, o CNJ fixou regras de competência e territorialidade. As partes não podem escolher qualquer tabelião do Brasil que desejarem, como acontece nos atos físicos. Nos atos físicos, desde que as partes se desloquem até o cartório, elas podem escolher qualquer notário do país. O notário não pode, nos atos físicos, colher assinaturas fora de sua circunscrição. Para os atos eletrônicos, as regras são diferentes: Os artigos 19 a 21 [2] do Provimento são claros ao fixar as regras exclusivas de competência tabelioa:
1. Para Escrituras em Geral: as partes devem escolher o tabelião da circunscrição do imóvel ou domicílio do adquirente.
2. Se na escritura houver mais de um imóvel e cada um dos imóveis estiver em uma circunscrição diferente, as partes poderão escolher o tabelião da circunscrição de qualquer dos imóveis.
3. Se o imóvel estiver dentro do mesmo Estado do domicílio do adquirente, as partes poderão escolher qualquer tabelião do Estado.
4. Para atas notariais, é competente o tabelião do local da constatação do fato, ou, se inaplicável esse critério, o do domicílio do requerente da ata.
5. Para procurações, considera-se competente o tabelião do domicílio do outorgante ou do local do imóvel.
A comprovação do domicílio das partes se dá pelo domicílio Eleitoral (consulta ao título de eleitor) se tratar-se de pessoa física, ou da sede da matriz ou filial, conforme os registros dos atos constitutivos), se pessoa jurídica.
Alguma discussão esses artigos trouxeram, pois afinal, estamos diante de um novo universo, o dos atos eletrônicos. Mas, era necessário que o CNJ fixasse alguns parâmetros, e nos “considerandos” do Provimento, o CNJ foi bem taxativo, ao estabelecer que era necessário “se evitar a concorrência predatória por serviços prestados remotamente que podem ofender a fé pública notarial”.
No caso da reportagem não foram obedecidos estes critérios de competência, pois ao que consta, não havia imóveis a serem partilhados, as partes não tinham domicílio eleitoral no DF e o tabelião levou em consideração o domicílio profissional da D.D. advogada, que ele considerou como “parte no divórcio”. Com todo o respeito ao colega, esse entendimento contraria frontalmente o artigo 1582 do Código Civil, que rescreve que o pedido de divórcio caberá apenas aos cônjuges. O advogado da parte, por mais que tenha uma procuração para requerer ao tabelião, age em nome de seus mandantes e não em nome próprio. Ele, obviamente, não é parte no divórcio, e sim, assistente jurídico dos divorciandos.
A grande preocupação reside no fato de que o mesmo Provimento 100 em seu artigo 6º. diz que a competência para a lavratura do ato é absoluta, o que fulminaria de nulidade o ato lavrado por tabelião de notas incompetente [3]. Do mesmo jeito que o Provimento no art. 37, parágrafo único, fala em nulidade do ato lavrado sem o selo digital, nos Estados em que existem tal selo [4].
E, uma vez que o ato padece de nulidade, não poderá produzir efeitos.
No meu entender, por mais ilustre e renomado que seja o colega que lavrou a escritura, este caso em tela padece de grave irregularidade e caberá ao oficial de registro civil das pessoas naturais do casamento, obstar a inscrição desta escritura, sob pena de concorrer com a incúria administrativa, no mínimo.
As novas ferramentas vêm para facilitar, agregar, agilizar. O sistema é sensacional e a população têm se sentido muito satisfeita, tanto que ele datou de 26 de maio e já há hoje, em menos de um mês, mais de 3 mil atos eletrônicos lavrados em todo o país. Do mesmo modo que foram extremamente bem sucedidos os atos previstos na Lei 11.441/07, (inventários e divórcios extrajudiciais), já tendo passado hoje de 2,5 milhões de escrituras lavradas no Brasil.
Não podemos esquecer que os tabeliães de notas existem para PREVENIR LITÍGIOS e imprimir SEGURANÇA JURÍDICA nos atos em que intervém. Não é aceitável que nem ele e nem os advogados das partes, por suas conveniências e conviccões pessoais, coloquem em risco os usuários e clientes do serviço. Ser o tabelião de confiança de alguém, engloba, a meu ver, o dever ético e legal, previsto na Lei 8.935/94, de se aconselhar as pessoas nos procuram, devidamente e sobre todas as consequências jurídicas que podem advir de suas escolhas.
[2] Art. 19. Ao tabelião de notas da circunscrição do imóvel ou do domicílio do adquirente compete, de forma remota e com exclusividade, lavrar as escrituras eletronicamente, por meio do e-Notariado, com a realização de videoconferência e assinaturas digitais das partes.
§ 1º Quando houver um ou mais imóveis de diferentes circunscrições no mesmo ato notarial, será competente para a prática de atos remotos o tabelião de quaisquer delas.
§ 2º Estando o imóvel localizado no mesmo estado da federação do domicílio do adquirente, este poderá escolher qualquer tabelionato de notas da unidade federativa para a lavratura do ato.
§ 3º Para os fins deste provimento, entende-se por adquirente, nesta ordem, o comprador, a parte que está adquirindo direito real ou a parte em relação à qual é reconhecido crédito.
Art. 20. Ao tabelião de notas da circunscrição do fato constatado ou, quando inaplicável este critério, ao tabelião do domicílio do requerente compete lavrar as atas notariais eletrônicas, de forma remota e com exclusividade por meio do e-Notariado, com a realização de videoconferência e assinaturas digitais das partes.
Parágrafo único. A lavratura de procuração pública eletrônica caberá ao tabelião do domicílio do outorgante ou do local do imóvel, se for o caso.
Art. 21. A comprovação do domicílio, em qualquer das hipóteses deste provimento, será realizada:
I – em se tratando de pessoa jurídica ou ente equiparado: pela verificação da sede da matriz, ou da filial em relação a negócios praticados no local desta, conforme registrado nos órgãos de registro competentes.
II – em se tratando de pessoa física: pela verificação do título de eleitor, ou outro domicílio comprovado.
Parágrafo único. Na falta de comprovação do domicílio da pessoa física, será observado apenas o local do imóvel, podendo ser estabelecidos convênios com órgãos fiscais para que os notários identifiquem, de forma mais célere e segura, o domicílio das partes.
[3] Art. 6º. A competência para a prática dos atos regulados neste Provimento é absoluta e observará a circunscrição territorial em que o tabelião recebeu sua delegação, nos termos do art. 9º da Lei n. 8.935/1994.
[4] Art. 37. Nos Tribunais de Justiça em que são exigidos selos de fiscalização, o ato notarial eletrônico deverá ser lavrado com a indicação do selo eletrônico ou físico exigido pelas normas estaduais ou distrital.
Parágrafo único: São considerados nulos os atos eletrônicos lavrados em desconformidade com o disposto no caput deste artigo.
Priscila Agapito é a 29ª. Tabeliã de Notas de São Paulo, capital, fundadora da Comissão de Notários e Registradores do IBDFam Nacional e Vice-Presidente da Comissão de Direito e Tecnologia do IBDFam Nacional.