O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Bellizze, restabeleceu a determinação anterior que, reconhecendo a companheira como única herdeira, excluiu os herdeiros colaterais em ação de inventário. O entendimento teve como base o artigo 1.829, III, do Código Civil – CC, com atenção à já declarada inconstitucionalidade do artigo 1.790 pelo Supremo Tribunal Federal – STF.
 
Irmãos do homem morto e outros parentes colaterais interpuseram agravo de instrumento à decisão do magistrado de primeiro grau que, nos autos da ação de inventário ajuizada pela companheira, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC e reconheceu a autora como companheira e única herdeira.
 
A Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás – TJGO deu parcial provimento ao agravo para incluir os herdeiros colaterais nos autos de inventário, considerando a existência de bem imóvel fruto de herança deixada pela genitora dos agravantes e do homem morto, que não pode fazer parte da partilha, nos termos do art. 1.659, I, do CC.
 
Inconformada, a companheira interpôs recurso especial, apontando, além de divergência jurisprudencial, violação aos arts. 489, § 1º, VI, do Código de Processo Civil – CPC, e 1.829, III, do CC. Sustentou que o STF já apontou inconstitucionalidade na distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, prevista no artigo 1.790 do CC, devendo ser aplicado o regime do artigo 1.829 do CC.
 
Ela defendeu a necessidade de restabelecimento da decisão do Juízo do inventário, que determinou a adjudicação do patrimônio inventariado à companheira, única herdeira na ordem de sucessão, excluindo os colaterais do inventário. O entendimento foi assumido pela relator no STJ.
 
Parentes colaterais não concorrem com companheiro
A professora Giselda Hironaka, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, entende que a decisão do STJ foi absolutamente correta. “Se trata de compreender quem é chamado para herdar na ausência de descendentes e ascendentes, ou seja, de toda a parentalidade de linha reta”, explica.
 
Ela observa que, no caso concreto, o homem não deixou filhos, netos ou bisnetos, tampouco pais, avós ou bisavós. “Aqui, estamos falando de uma circunstância sucessória em que o companheiro herda, na frente de quaisquer outros parentes sucessíveis, já que o falecido não deixou descendentes nem ascendentes”, destaca Giselda.
 
Divergências sobre a constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, inclusive nos tribunais pelo o Brasil, foram superadas pelo STF em 2017, em sede de repercussão geral, com a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo. “O artigo 1.790 diferia a ordem da sucessão, colocando o companheiro sobrevivo apenas em quarto lugar, não em terceiro, como o cônjuge”, aponta Giselda.
 
“A Constituição de 1988, chamada de ‘constituição coragem’, já havia feito a coisa certíssima de passar a considerar a união estável como entidade familiar, colocada em grau de equalização com o próprio casamento, ambas capazes de formar a família legítima brasileira”, ressalta a especialista.
 
Confusão entre herança e meação
Na análise do caso concreto, Giselda Hironaka explica que o casal vivia sob regime da comunhão parcial de bens, ou seja, aquilo que adquiriram na constância da união estável se conformava em patrimônio comum dos dois. “Metade do patrimônio comum era a meação dela. A outra metade é que se transformou em herança pela morte do companheiro”, destaca.
 
Ela aponta que houve confusão, na decisão do TJGO, entre herança e meação. “Em um determinado momento, quiseram aplicar as regras da meação para a herança”, pontua a especialista. Os parentes colaterais defendiam que a companheira “somente possui direito de participar da sucessão no que diz respeito aos bens adquiridos a título oneroso durante a constância da união estável”. Eles pediam a exclusão dos direitos a que o homem tinha a terrenos que pertenciam à sua mãe, também já morta, ignorando que o quinhão fazia parte da herança deixada por ele.
 
“Tanto os advogados dos colaterais quanto o TJGO cometeram um engano, confundindo meação com herança”, avalia Giselda. “Essa regra de que a meação recai exclusivamente sobre os bens que foram adquiridos a título oneroso durante a constância da união estável serve apenas para regularizar o quantum de meação que caberia àquele que sobreviveu”, acrescenta.
 
A jurista observa que, na meação, de fato, a companheira sobreviva tinha direito a metade dos bens do patrimônio comum, mas não dos bens particulares. O caso, contudo, não trata de meação, mas de herança. “Não importa quais são os bens que compõem a herança. Se o chamado para herdar foi o companheiro sobrevivo, terceiro na ordem de vocação hereditária, ele herda tudo o que compõe a herança. Aí está o engano desse caso, agora finalmente julgado pelo STJ”, assinala Giselda.