A Vara da Família, Infância e Juventude da Comarca de Jaraguá do Sul, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC, considerou procedente o processo de sobrepartilha de uma mulher com relação ao seu ex-companheiro. O entendimento é que houve, da parte do homem, uma tentativa de sonegar o valor para não incorrer na divisão de bens.
 
No caso, as partes haviam transigido em relação aos bens comuns do casal no ano de 2017, de modo que não foi mencionado no acordo a existência da ação judicial, que tramitava no Tribunal de Justiça da Bahia – TJBA, referente à indenização material e moral que o homem pleiteava em nome próprio.
 
O casal, que viveu em união estável entre os anos de 1995 e 2012, possui um crédito, ainda em trâmite junto ao TJBA, que atualmente gira em torno de R$ 70 mil. O homem afirmou que os valores pretendidos na ação indenizatória referem-se a contratos de compra e venda de dois veículos, os quais foram adquiridos antes de maio de 1996, apenas em nome do autor, período que vigia o regime jurídico da sociedade de fato, cujo pressuposto é a demonstração da prova do esforço comum para fins de partilha (Súmula 380 do STF).
 
Em contrapartida, a mulher afirmou que o negócio entre o seu ex-companheiro e a montadora foi parcelado em 40 meses, de 1996 a 1999, o que leva à conclusão de que o patrimônio ainda não estava constituído ante a ausência de quitação ao tempo  do contrato pelo réu. Segundo disposição contratual, quando se havia pago mais de 70% do valor dos veículos, o homem solicitou a entrega dos bens no período que já convivia em união estável com ela, contudo não os recebeu, afinal, não faria sentido demandar judicialmente antes do descumprimento do contrato.
 
Assim, a mulher defende que não se pode considerar que os bens foram adquiridos no momento da assinatura dos respectivos instrumentos contratuais, uma vez que ainda estavam pendentes de pagamento pela parte contratante que, aliás, somente teve seu direito adquirido no dia em que honrou com o débito da prestação que correspondia a 70% ou mais do valor pactuado
 
Diante da inexistência de disposições acerca do regime patrimonial a ser adotado, o TJSC aplicou ao caso o regime da comunhão parcial de bens. A decisão teve como embasamento a comprovação do esforço da autora e o artigo 271, inciso I, do CC 1916, aplicável ao caso em tela, pois o início do relacionamento se deu anteriormente à entrada em vigor do Código Civil de 2002, e na forma do artigo 2.039 da nova Lei, o crédito oriundo da ação em tramitação, pela fundamentação acima exposta, deve ser partilhado em 50% para cada um, abatidas as custas processuais e honorários advocatícios.
 
Partilha poderia ser constituída no momento da quitação
 
A advogada Marília Menegon Zimmermann, que participou do caso com o advogado Erick Francisco Justino da Silva, comentou a decisão do TJSC. Ainda que o julgamento tenha sido procedente, ela afirma discordar no sentido de que para fins de análise da partilha de bens o Juízo tenha compreendido que o bem (consórcio de veículo) tenha sido constituído no ato da assinatura do contrato e não no momento da quitação deste, que por sua vez aconteceu em 1999, conforme alegado pela autora.
 
“Assim, se a parte não honrasse com os pagamentos do consórcio, não haveria bem passível de partilha. Portanto, deveria o Juízo considerar como esforço presumido, uma vez que a aquisição do bem se deu efetivamente em 1999, momento da quitação do consórcio. Ou seja, não houve tradição de bem móvel, pois este não existia, tratando-se de crédito, e se tratava de bem que só haveria a entrega quando no momento da quitação”, afirma.
 
A advogada ressalta que no mínimo deveria ter sido considerado o esforço comum em relação às parcelas pagas após 1996 e não ter “obrigado” a parte autora a comprovar o esforço. Pois, se a autora não tivesse comprovado de forma documental o esforço comum, poderia ter sido uma sentença de improcedência.
 
“Também poderia ser melhor utilizada na interpretação do caso, a interpretação conforme a constituição, pois em que pese exista a Lei 9.278/1996 e o STJ entenda que não há atribuição de efeito retroativo, não há como a interpretação constitucional suprimir direitos por um mero formalismo”, analisa.
 
Marília finaliza dizendo que a inovação do caso está mais atrelada à mudança da análise no Direito das Famílias, no sentido de resguardar direitos, especialmente às mulheres. “Estruturalmente na sociedade e diante dos casos fáticos em que já atuamos, é comum existir por parte do homem, a sonegação dos bens. Por muitos anos, inclusive, as suas companheiras foram prejudicadas em relação  a isso. Então, consideramos ser um avanço nesse sentido, em especial para evitar fraude à partilha de bens”, conclui.