Animus domini x jus possidendi
Animus domini é a intenção de dono ou proprietário da coisa, mesmo quando se trata de possuidor do bem.
Trata-se de um dos requisitos da usucapião que o possuidor prove a posse em nome próprio e o animus domini, ou seja, a intenção de ser dono do bem.
No presente artigo, trataremos sobre as diferenças entre o animus domini e o jus possidendi para configuração da usucapião na locação de bem imóvel.
Diferença Entre animus domini e jus possidendi
Inicialmente, sabe-se que a locação de imóveis para moradia tem se disseminado cada vez mais em nossa sociedade, ainda que ela seja patrimonialista.
Além disso, com exceção da locação por temporada, um contrato dessa natureza pode durar longos períodos.
Aliás, não é raro o questionamento se, depois de anos a fio na posse do mesmo imóvel, o locatário poderia adquirir a propriedade do referido bem por meio de usucapião.
Todavia, ressalta-se que para haver a aquisição originária da propriedade por meio do usucapião é necessário que:
- o possuidor esteja no gozo de seus direitos e tenha, então, a possibilidade de pleitear a declaração de domínio;
- o bem seja passível de usucapião;
- tenha o pretendente exercido a posse com ânimo de dono, sendo que, em algumas modalidades, é necessária também a demonstração da existência de justo título e boa-fé; e
- o poder fático seja exercido pelo tempo exigido pela lei.
Dessa forma, a configuração do instituto da prescrição aquisitiva tem, desse modo, como um de seus requisitos o animus domini.
Vale dizer, o possuidor deve obrigatoriamente agir como dono em relação ao imóvel.
Na prática, isto significa que o possuidor precisa provar que exerce a posse em seu nome próprio ou pessoal com a intenção de ser dono.
Animus domini x jus possidendi
É pacífico entre os operadores do Direito que a posse que decorre do contrato de locação é destituída de animus domini.
Isso porque o proprietário ao entregar o imóvel em locação, não se demite totalmente da posse deste, mas apenas transfere ao locatário a posse direta, reservando para si a indireta.
Destarte, o titular de tal espécie de posse reveste-se, em verdade, do jus possidendi.
Por sua vez, por este instituto o possuidor encontra-se habilitado para invocar os interditos para defesa das posições que ocupa, contra os terceiros, e até contra o possuidor indireto, no caso, o locador.
Entendimento Doutrinário Acerca do animus domini
Outrossim, a respeito da natureza da matéria, as doutrinas de Carlos Roberto Gonçalves e de Silvio de Salvo Venosa, respectivamente, também explicam de forma singular que:
“Não tem ânimo de dono o locatário, o comodatário, o arrendatário e todos aqueles que exercem posse direta sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do direito dominial de outrem, obrigando-se a devolvê-la”.
(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 259).
“Quando examinamos a posse, deve ser levada em conta sua natureza. Há modalidades de posse que não permitem a aquisição. O locatário ou o comodatário, por exemplo, que tem posse imediata, não possui com ânimo de dono. Somente poderá usucapir se houver modificação no ânimo da posse. Entende-se, destarte, não ser qualquer posse propiciadora do usucapião, ao menos o ordinário. Examina-se se existe posse ad usucapionem. A lei exige que a posse seja contínua e incontestada, pelo tempo determinado, com o ânimo de dono. Não pode o fato da posse ser clandestino, violento ou precário. Para o período exigido é necessário não ter a posse sofrido impugnação. Desse modo, a natureza da posse ad usucapionem exclui a mera detenção.
(VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 211/212).”
Precariedade da Posse do Locatário
Além disso, diante da ausência de animus domini, na posse exercida pelo locatário o que se tem, enfim, é a precariedade da posse.
Em contrapartida, reconhece a supremacia do direito de terceiro sobre o bem, tornando-a ineficaz para a aquisição da propriedade nesse contexto.
Todavia, convém registrar que o eventual descumprimento das obrigações previstas para determinada relação locatícia.
Dessa forma, isto se dá independentemente da data em que ocorreu, na medida em que não tem o condão de transmudar a natureza da posse exercida pelo locatário.
Outrossim, não há como desconsiderar que a relação subjacente havida entre as partes advém de um contrato de locação.
Possibilidade da Usucapião na Locação
Por fim, sobre o assunto, a jurisprudência da Corte Catarinense se posicionou dessa forma:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DOS AUTORES. ALEGADO O PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA PLEITEADA. TESE RECHAÇADA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE REVELA A PRECARIEDADE DA POSSE EXERCIDA. EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE LOCAÇÃO CELEBRADO ENTRE O AUTOR E O PROPRIETÁRIO REGISTRAL DO IMÓVEL QUANDO DO INÍCIO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PERMANÊNCIA NO IMÓVEL POR MERA TOLERÂNCIA DO EX-EMPREGADOR, ATÉ QUE AS QUESTÕES DISCUTIDAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO SEJAM SOLUCIONADAS. POSSE AD USUCAPIONEM NÃO COMPROVADA ATOS DE MERA PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA QUE NÃO INDUZEM POSSE. REQUISITOS PARA O PREENCHIMENTO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NÃO EVIDENCIADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.”
(Apelação Cível. nº 0300519-81.2016.8.24.0070. Rel. Des. Haidée Denise Grin. Sétima Câmara de Direito Civil. J. em 4-7-2019).
Diante do exposto, conclui-se pela impossibilidade de o locatário adquirir a propriedade sobre o imóvel, quando a busca fazer por meio do instituto do usucapião.
Contudo, salienta-se que se de um lado ao locatário não cabe o usucapião este, ainda assim, pode vir a se tornar proprietário do bem locado por meio da celebração de venda e compra, sendo possível, ainda, que goze de direito de preferência em relação à terceiro interessado, caso o referido instrumento tenha sido averbado na matrícula do imóvel objeto da locação.