Um cartório em Campo Grande (MS) se recusava a reconhecer a paternidade afetiva de um servidor público federal em relação a uma fisioterapeuta tratada como filha. Mas uma decisão do Conselho Nacional de Justiça, aprovada na 69ª sessão do Plenário Virtual — encerrada em 17 de julho — reverteu a situação.
 
O Cartório do 2º Ofício de Notas e Registro Civil da 1ª Circunscrição da Comarca de Campo Grande terá cinco dias, de acordo com o acórdão publicado no dia 22/7, para alterar a certidão de nascimento da mulher e reconhecer a relação de paternidade socioafetiva estabelecida com o servidor público federal.
 
De acordo com o relator do processo, conselheiro André Godinho, o cartório se negava a reconhecer a relação devido a uma norma emitida pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, editada anteriormente e em contrariedade às atuais normas da Corregedoria Nacional de Justiça que tratam do tema.
 
O artigo 1º do Provimento 149 da norma sul-matogrossense não permitia o reconhecimento da paternidade socioafetiva nos casos em que o nome do pai biológico já constava nos registros de nascimento da pessoa que requeria o direito. Tal regra afronta o previsto nos provimentos 63/2017 e 83/20109 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como o decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário 898.060 (SC).
 
“Oportuno destacar que o entendimento sedimentado no Provimento n. 63/2017 está em consonância com o posicionamento firmado pelo STF no julgamento do RE n. 898.060/SC, relator ministro Luiz Fux, no sentido de que é juridicamente admitida a cumulação de vínculos de filiação derivados da afetividade e da consanguinidade, possibilitando o reconhecimento da dupla paternidade, com todos os efeitos jurídicos próprios”, afirmou em seu voto o conselheiro Godinho.
 
O relator afirmou também que o mencionado provimento, referendado à unanimidade pelo Plenário do CNJ, ao prever que tal reconhecimento não implicará o registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo filiação deixa claro ser “plenamente possível que os nomes do pai biológico e do pai afetivo constem simultaneamente nos registros de nascimento”.
 
Segundo as normas da Corregedoria Nacional, a paternidade ou maternidade socioafetiva deve ser estável e exteriorizada socialmente, podendo ser demonstrada por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade — casamento ou união estável — com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.
 
“A instrução deste procedimento administrativo revelou que os autores (pai e filha afetivos) atendem aos requisitos para a averbação da paternidade socioafetiva postulada. Ademais, o Tribunal requerido não informou outros óbices (empecilhos) ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, além do superado artigo 1º do Provimento n. 147/2017 (da CGJMS) e do equivocado entendimento pelo qual a averbação da paternidade socioafetiva não é possível para pessoas que já estejam registradas em nome do pai e da mãe biológicos”, concluiu o conselheiro Godinho, relator do Pedido de Providências. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.
 
PP 0001963-72.2020.2.00.0000