No sistema brasileiro, não há jurisprudências uniformes relacionadas às normas de contratualização do Direito de Família. Vejamos, o namoro é um instituto sem previsão de normas que o regule, assim como entidades familiares que ainda não são legisladas em nosso ordenamento jurídico, mas algumas tiveram seus direitos reconhecidos graças ao Poder Judiciário.
À relação de duas pessoas somam-se a união estável, a aproximação dos deveres do casamento, como a lealdade, assistência, respeito, educação da prole, guarda e sustento, bem como direitos à fixação de alimentos, regime de bens e direitos sucessórios.
A união estável teve sua inserção no artigo 226, §3º, da Constituição Federal de 1988, “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e mulher como entidade particular, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”.
A regulamentação da união estável surgiu através das Leis 8.971/94 e 9.278/96, por meio das quais tornou-se possível conceder aos companheiros o direito aos alimentos, o regime de bens e o direito à sucessão.
A união estável tem como seu elemento a convivência pública, contínua, duradoura e com intuito de constituir família, não havendo a necessária coabitação e prole em comum.
O instituto da união estável estendida às relações homoafetivas, por meio do julgamento das duas ações pela Suprema Corte, a ADPF nº 132/RJ e da ADI nº 4.277/DF, permitindo ao artigo 1.723 CC interpretar como a Carta Magna, excluindo o dispositivo de impedimento do reconhecimento da união estável duradora, contínua, pública entre pessoas do mesmo sexo, que de forma unânime e com efeito erga omnes, declarou que a união homoafetiva fosse elevada a entidade familiar com os mesmos direitos e deveres da união estável.
O nosso renomado jurista Rodrigo da Cunha Pereira, em sua obra “Direito das Famílias”, entende que “não incluir a conjugalidade homossexual no laço social, deixando de dar-lhes legitimidade e desconsiderá-la como uma entidade familiar como outra qualquer, como acontecia no Brasil até 2011, é continuar repetindo injustiças históricas de exclusão de cidadanias”.
É manifesto que a jurisprudência criou resistências quanto ao reconhecimento do instituto da união estável homoafetiva. Denota-se em nosso ordenamento jurídico a luta pelos direitos dessa entidade familiar, que deve em especial receber a proteção do Estado.
A matéria da união estável foi inserida no livro da família, mais precisamente nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, pois os brasileiros não têm a cultura de lavrar a escritura pública da união estável no cartório, quiça avençar disposições de vontades e demais negócios jurídicos pelo instrumento do contrato de convivência.
O renomado Rolf Madaleno diz “pela via do contrato de convivência, os integrantes de uma união estável, promovem a autorregulamentação do seu relacionamento, no plano econômico e existencial, e a contratação escrita do relacionamento de união estável, não representa a validade indiscutível da convivência estável, porque o documento escrito pelos conviventes está condicionado à correspondência fática da entidade familiar e dos pressupostos de reconhecimento (CC, artigo 1.723), ausente os impedimentos previstos para o casamento (CC, artigo 1.521), porque não pode constituir uma união estável quem não pode casar, com as ressalvas do §1º do artigo 1.723 do Código Civil”.
O contrato de convivência não tem o condão de constituir uma união estável, seus requisitos estão contidos no artigo 1.723 CC, o que nada impede de futuramente esse contrato ser questionado judicialmente.
A elaboração do contrato de convivência por instrumento particular deverá ser atestada pela assinatura de duas testemunhas, ou por instrumento público, lavrada a escritura pública pelo tabelião, perante o cartório de notas, sendo irrefutável meio de prova para uma futura comprovação dessa união.
Observe que os bens adquiridos na constância da união estável, mesmo que constem apenas em nome de um dos companheiros, farão parte da partilha de maneira equivalente.
Soma-se às relações homoafetivas a união estável, que deverá ser instrumentalizada através de contrato público, pelo tabelião e perante o cartório de notas, evitando discussões pretéritas sobre a alegação de vício de arrependimento ou fraude.
O Supremo Tribunal Federal, em 10 de maio de 2017, determinou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, através do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694/MG, decidindo em primeira instância reconhecer ser a companheira de um homem falecido a herdeira universal dos bens do casal, vez que o falecido não tinha descendentes e nem ascendentes vivos, aplicando ao caso o inciso III do 1829 CC/02, dando tratamento equânime ao instituto da união estável em relação ao casamento, ou seja, o companheiro figura-se ao lado do cônjuge na ordem de sucessão.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família opôs embargos de declaração à Suprema Corte, alegando dúvidas de ser ou não este companheiro herdeiro necessário. O que não foi aclarado pelo STF com o fundamento de não ser o questionamento matéria pertinente ao julgamento.
Importante ressaltar que caso o companheiro passe a ser herdeiro necessário, isso implicará discussões na existência dos testamentos que afastam o companheiro da sucessão, a depender da modulação dos efeitos da decisão, podendo ensejar a extinção do testamento, causando embaraços ao planejamento patrimonial e sucessório.
Após a Constituição Federal de 88, surgiu o pluralismo das entidades familiares, embora todos tenhamos direitos de constituir família e não somos obrigados a conviver em um relacionamento que não seja instituição familiar.
As circunstâncias contemporâneas, mormente a convivência dos namorados, com o surto do coronavírus (Covid-19) desencadeou inseguranças e a necessidade das pessoas de se valer de sua liberdade e sua autonomia privada, em contratualizar suas relações, durante a pandemia, por não saber ao certo identificar se é um simples namoro ou união estável.
O namoro recebe o chamado de união livre, é um relacionamento amoroso de duas pessoas, baseado na afetividade, sem a intenção de constituir família.
As normas positivadas do nosso sistema não estão atingindo a realidade de cada entidade familiar, o contrato de namoro não tem a faculdade por si só de retirar os efeitos da união estável, no entanto, é perfeitamente possível a declaração das vontades das partes, afirmando ser um simples namoro, e não possuem direitos patrimoniais e sucessórios.
A formalização desse contrato não difere do contrato de convivência, devendo ser feito perante o cartório de notas e pelo tabelião por ter fé pública para confirmar a livre vontade das partes.
O jurista Rodrigo da Cunha Pereira diz “ser possível que o namoro leve a uma partilha patrimonial, fincada no direito obrigacional e com base na vedação ao enriquecimento sem causa, com olhos à aplicação da teoria da sociedade de fato”.
Importante ressaltar que o STJ já qualificou o namoro, como qualificado, sendo aquele relacionamento com o animus futuro de constituição de família, o que diferencia da união estável, sendo aquela relação que tem o animus atual de constituição familiar.
Há questionamentos quanto à validade jurídica do contrato de namoro e, constitucionalmente falando, presume-se a boa-fé por existir um instrumento que é válido e tem sua eficácia, conquanto, pode ser declarada a sua nulidade a qualquer tempo, cuja realidade vivida pelos envolvidos caracteriza união estável.
No término da relação, se comprovada a aquisição de algum bem, com esforço em comuns dos envolvidos, durante o namoro, a questão será regida pelas normas de Direito Civil da relação obrigacional, com direito a indenização, não alcançando o Direito de Família.
É primordial a proteção da dignidade do ser humano e a preservação de sua felicidade, seja nas relações de namoro ou nas mais diversas entidades familiares.
*Danielle Santos é advogada.