“Já estávamos meio separados desde novembro de 2019, mas, em janeiro deste ano, ele voltou a morar aqui alguns dias por semana”, conta uma mulher de 36 anos, de São Paulo, referindo-se ao ex-marido. Ela, que é mãe de uma menina de 6 anos e prefere não se identificar, disse que, logo depois, a pandemia chegou e ajudou a dar um “ponto final” na relação. “Eu percebi que o interesse dele em estar aqui não era genuíno, somente uma questão de aluguel. A pandemia só fez que tudo ficasse mais evidente, devido à convivência mais intensa”, afirma. Ela resolveu formalizar o fim do casamento em meio a quarentena e, no final de julho, já estava tudo resolvido. “Minha advogada protocolou a petição. Em quatro dias, a juíza já tinha dado a decisão sobre alimentos provisórios e pedi para ele tirar as coisas dele de casa”, conta.
 
Mas outros casais ainda estão aguardando a pandemia passar para formalizar o fim da união, como é o caso desta mãe paulista de 47 anos. “Estamos esperando as coisas normalizarem para efetivarmos nossa separação”, afirma. Ela conta que tudo começou quando resolveu fazer uma cirurgia bariátrica, procedimento para redução do estômago, em 2015. “Desde então, senti ele inseguro e distante, com a perda dos 52 quilos que estavam me matando aos poucos. As lembrancas são as mais lindas, mas chegou a pandemia e o que estava desgastado tomou proporções nunca antes sonhadas, nem por mim, nem por ele. E o pior, agora estamos os três, literalmente trancados em 80 m². Para não afetar nosso filho, nem acabar de vez com o que restava desses vinte anos, sugeri que ele permanecesse em casa, porém, como pai do nosso pequeno”, desabafa. “O combinado foi: quando tudo acabar, efetivaremos a separação judicialmente. Se iremos fazer de fato, não sei responder, mas não culpo a pandemia, nem a covid, mas a rotina que desgasta qualquer relacionamento”, completa.
 
DIVÓRCIOS X PANDEMIA
 
De acordo com a assessoria de imprensa do Google, as buscas por perguntas do tipo: “Como entrar com um pedido de divórcio”, cresceram 3.750% nos últimos 6 meses. No mesmo período, as buscas por “divórcio online” cresceram 1.150%. Além disso, desde março de 2020, os termos relacionados a “divórcio” que mais cresceram nas buscas foram: divórcio quarentena, divórcio online gratuito, divórcio na quarentena, divórcio virtual e divórcio digital. “Todos os termos tiveram um aumento repentino, ou seja, um crescimento de 5.000%”, completaram.
 
Apesar das pesquisas on-line, na “vida real”, segundo Andrey Guimarães Duarte, vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP), ainda não é possível afirmar que houve um crescimento significativo no número de divórcios. “No começo da pandemia, tivemos uma queda muito brusca. Conforme os cartórios foram reabrindo, fomos notando uma subida considerável. Então, entre os meses de maio e junho, tivemos um aumento grande, mas atribuímos isso a uma demanda reprimida que foi sendo atendida aos poucos. Além disso, nesse período, tivemos a introdução de uma plataforma virtual que permitiu que alguns serviços, como divórcios, fossem realizados pela internet. Tivemos mais de 1,9 mil divórcios somente no mês de julho, em São Paulo. No mesmo mês do ano passado, esse número ficou em 1,4 mil. Então, apesar da grande procura dos últimos meses, na média, os números têm se mostrado estáveis. No estado de São Paulo, se pegarmos apenas os meses da pandemia, de março a julho, mesmo assim, os divórcios ainda caem em 13%”, afirma.
 
Mas ele acredita que existe, sim, uma tendência de alta no período pós-pandemia. “Por enquanto, a pergunta é: 'Esse aumento é apenas a demanda reprimida ou é resultado da quarentena?' Ainda é difícil responder, precisamos de mais tempo. Mas eu acredito, sim, que os números vão aumentar. Até então, de maneira geral, o que tem prevalecido é a prudência. Parece que as pessoas estão esperando. As decisões importantes foram colocadas em standby”, completa. A advogada Barbara Heliodora também acredita que o número de pedidos de divórcios deve aumentar após a quarentena. Segundo ela, a previsão dos profissionais da área é de que até o próximo ano, a demanda na solicitação de divórcios cresça. “Esse aumento dos pedidos de divórcio decorre da convivência dentro de casa e da mudança de rotina. Muitos casais conviviam pouco e empurravam um problema conjugal para um momento posterior, para o crescimento dos filhos. Mas, conforme as pessoas foram colocadas em isolamento intenso, não houve mais espaço para falta de diálogo e os problemas foram expostos”, afirma a advogada.
 
Em relação à lei, não houve alteração. O divórcio, no Brasil, só acontece por sentença de juiz ou por escritura pública. O que mudou foi à flexibilização de ser feito de forma online, sem o comparecimento físico no cartório. No entanto, de acordo com a advogada, só podem recorrer a essa modalidade quem não tem filhos ou tem filhos maiores de idade. “De toda forma, não é tão fácil como parece. A formalidade e a necessidade do acesso ao certificado digital acabaram por causar entraves burocráticos que não tornaram a medida tão efetiva. E com a reabertura dos cartórios, a modalidade presencial voltou a funcionar. Ou seja, não houve modificação nos requisitos para obtenção do divórcio extrajudicial, mas apenas à forma. Continua sendo para os casos de casais sem filhos menores e que estejam em consenso,” explica Barbara.
 
PANDEMIA X CASAMENTO
 
Segundo a psicóloga Katree Zuanazzi, diretora do Instituto Brilhar Saúde Mental, de Curitiba, no Paraná, os relacionamentos foram abalados pelo excesso de convivência. “Isso trouxe algumas dificuldades subjacentes, como preocupação excessiva, impossibilidade de se divertir, mudança no estilo de vida e, principalmente, a eclosão de problemas psicológicos e emocionais. Quem tinha um problema conjugal antes da pandemia, agora está vivenciando esse problem com mais ênfase, além das problemáticas que vieram com a pandemia”, explica.
 
Para a psicóloga Marilene Kehdi, especialista em atendimento clínico, para evitar o conflito é fundamental que o casal tire um tempo a sós. “Para que melhore a harmonia e abaixe o nível de ansiedade e estresse causado pela própria pandemia, é essencial que o casal reserve um tempo durante a semana, não de quantidade de horas, mas de qualidade, para ficarem a sós e fazerem algo que os dois gostem. Para que possam se divertir juntos, rir juntos, relaxar juntos. Pode ser um filme, uma conversa sobre algo da relação que precisa ser melhorada ou apenas rever fotos de quando se casaram. O importante é a reaproximação. Isso ajuda a reacender a chama do desejo, fortalece a união e o amor”, orienta.
 
No dia a dia, segundo ela, outra boa dica é controlar o humor. “Tome cuidado para não projetar no outro o estresse que você está sentindo. São delicadezes e gestos diários que vão fortalecendo a união. Portanto, exercite a paciência, a tolerância com o outro, pois é justamente no excesso de conviência que os atritos e as diferenças aperecem. E isso é normal, o que não podemos é alimentar isso. Então, tenha respeito, estimule a troca de gentilezas e de carinho, faça algo de que o outro gosta, ajudem-se mutuamente. Para que o relacionamento dê certo, é preciso que os dois se empenhem no mesmo sentido”, completou.
 
Já aqueles que decidiram pelo divórcio, segundo Katree, quando o clima de guerra está instalado, o bom mesmo é divorciar o quanto antes. “Quando há possibilidade de a criança presenciar brigas e discussões, o ideal é que se faça a separação. Mas se o casal se tolera, respeita e consegue conviver, é possível esperar até o fim da pandemia. O ideal é que a criança não fique em um ambiente tóxico, desagradável e vivendo com tensão. Outro ponto importante é que os pais evitem de mudar o filho de casa nesse momento. Esse já foi um ano de muitas mudanças e o psicólogico sofre com isso”, finalizou.