A união estável é conceituada como a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. No entanto, não há na legislação atual a fixação de um lapso temporal mínimo para a sua configuração.

A união estável é conceituada como a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. No entanto, não há na legislação atual a fixação de um lapso temporal mínimo para a sua configuração.

O Código Civil de 2002 regulamenta a união estável, em título próprio. Entretanto, existe uma “omissão legislativa” no que diz respeito à relevância, ou não, do tempo de convivência na configuração da união estável.

Isso porque, um dos requisitos para o reconhecimento da união estável elencados no art. 1723 do CC/02 é a convivência duradoura. Muito embora a regulamentação atual deste instituto não estabeleça um prazo mínimo de duração para a sua configuração, ressalta-se que pelo atual diploma civil a durabilidade do relacionamento permanece como um requisito indispensável para a caracterização da união estável, razão pela qual surge a dúvida quanto à valoração que deve ser conferida ao requisito temporal.

Ressalta-se que antigamente, para ser reconhecida a união estável era necessário um lapso temporal de cinco anos de convivência entre os cônjuges, o que foi abolido pela nova legislação.

Acerca dessa questão Madaleno doutrina que “andou bem o legislador ao afastar um prazo mínimo para reconhecer a existência de uma união estável, porque importa ao relacionamento a sua qualidade e não o tempo da relação”.1

Frisa-se que não há qualquer requisito formal obrigatório para que a união estável reste configurada, como a necessidade de elaboração de uma escritura pública entre as partes ou de uma decisão judicial de reconhecimento. Exatamente por tais dispensas de formalidades, ao contrário do que ocorre com o casamento, tem variado muito a jurisprudência no enquadramento da união estável.

Ocorre que essa carência de critérios objetivos acerca da caracterização da união estável tem gerado inúmeras divergências jurisprudenciais, visto que não existe lapso temporal a ser considerado ou, ainda, se existe essa necessidade.

Desta feita, resta evidente que os elementos essenciais para configuração da união estável são abertos e subjetivos, razão pela qual se acredita existir uma verdadeira cláusula geral para a sua constituição.

A jurisprudência do STJ vem adotando os seguintes descritores: “tempo união estável”, “configuração união estável”, “união estável elementos”.

Percebe-se que, que muito embora a Corte Superior demonstre em suas decisões que o reconhecimento da união estável independe do tempo de convivência do casal, existe sempre uma ponderação do que tange ao lapso temporal.

Ao longo da análise jurisprudencial da Corte Superior, observou-se que não obstante a união estável possa ser configurada independentemente do tempo do relacionamento, nota-se a tendência do STJ em não reconhecer a união estável nos casos de curta duração de tempo dos relacionamentos, vejamos:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POS MORTEM. ENTIDADE FAMILIAR QUE SE CARACTERIZA PELA CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA, DURADOURA E COM OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA (ANIMUS FAMILIAE). DOIS MESES DE RELACIONAMENTO, SENDO DUAS SEMANAS DE COABITAÇÃO. TEMPO INSUFICIENTE PARA SE DEMONSTRAR A ESTABILIDADE NECESSÁRIA PARA RECONHECIMENTO DA UNIÃO DE FATO.

1. O Código Civil definiu a união estável como entidade familiar entre o homem e a mulher, “configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (art. 1.723).

2. Em relação à exigência de estabilidade para configuração da união estável, apesar de não haver previsão de um prazo mínimo, exige a norma que a convivência seja duradoura, em período suficiente a demonstrar a intenção de constituir família, permitindo que se dividam alegrias e tristezas, que se compartilhem dificuldades e projetos de vida, sendo necessário um tempo razoável de relacionamento.

3. Na hipótese, o relacionamento do casal teve um tempo muito exíguo de duração – apenas dois meses de namoro, sendo duas semanas em coabitação -, que não permite a configuração da estabilidade necessária para o reconhecimento da união estável. Esta nasce de um ato-fato jurídico: a convivência duradoura com intuito de constituir família. Portanto, não há falar em comunhão de vidas entre duas pessoas, no sentido material e imaterial, numa relação de apenas duas semanas.

4. Recurso especial provido.

(STJ – REsp 1.761.887/MS 2018/0118417-0, relator: ministro Luis Felipe Salomão, data de julgamento: 6/8/19, T4 – 4ª turma, data de publicação: DJe 24/9/19 RMDCPC vol. 92 p. 129)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA SEGURA QUANTO À CONFIGURAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL APÓS A SEPARAÇÃO JUDICIAL DO CASAL E O ÓBITO DO EX-CÔNJUGE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não configura ofensa ao art. 535, I e II, do Código de Processo Civil de 1973 o fato de o Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte recorrente, suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 2. Acórdão recorrido que manteve a improcedência do pedido de reconhecimento de união estável post mortem, sob o fundamento de que as provas produzidas nos autos não demonstraram a configuração de união estável no período entre a separação do casal e o falecimento do ex-cônjuge. 3. Segundo o Tribunal de origem, as provas produzidas indicaram que o casal, embora tenha mantido certo contato após a separação, separou-se definitivamente, não se revelando no período de doença do ex-esposo reconciliação ou continuidade da vida em comum, e sim laços de amizade, confiança e solidariedade entre eles, a indicar que a agravante teria prestado mero auxílio durante o tratamento da enfermidade. 4. A reforma do acórdão recorrido de modo a acolher a tese da agravante, de que a existência de união estável é amplamente descrita e comprovada pelas provas carreadas aos autos, demandaria reexame do acervo fático-probatório, inviável na via estreita do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 5. “A errônea valoração da prova que enseja a incursão desta Corte na questão é a de direito, ou seja, quando decorre de má aplicação de regra ou princípio no campo probatório e não que se colham novas conclusões sobre os elementos informativos do processo” (AgRg no AREsp 424.941/MS, rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 2/6/16, DJe de 7/6/16). 6. Agravo interno não provido.

(STJ – AgInt no REsp 1.602.194/MG 2011/0104904-4, relator: ministro Raul Araújo, data de julgamento: 25/4/17, T4 – 4ª turma, data de publicação: DJe 12/5/17)

Infere-se dos julgados do REsp 1.761.887/MS2 e do AgInt no REsp 1.602.194/MG3 que existe a análise temporal, visto que os ministros apontam em seus julgamentos a insuficiência do período de 2 (dois) e 5 (cinco) meses de relacionamento, respectivamente, para a caracterização da união estável, justificando que tempos exíguos como esses são não são suficientes para a configuração da união estável.

Para o ministro Luís Felipe Salomão, no Resp 1.761.887/MS “[…] um namoro de dois meses com coabitação de duas semanas, que, a meu juízo, não se mostra duradouro o suficiente para evidenciar a estabilidade de um relacionamento como a união estável, com comunhão de vida, comprometimento mútuo, planejamento familiar, em nítida convicção de se estar criando uma entidade familiar segura e permanente.”

Na mesma linha de raciocínio os julgadores do acórdão do Agravo Interno no REsp 1.602.194/MG concluíram que após a separação judicial do casal, no exíguo tempo de 5 (cinco) meses, não ficou efetivamente demonstrada a manutenção de laços afetivos entre o falecido e sua ex-esposa aptos a configurar a existência de união estável.

Os julgados supracitados deixam claro o entendimento do STJ em valorar o lapso temporal de convivência com o fito de reconhecer que o relacionamento deve existir por um tempo mínimo, a fim de que nele possa haver a demonstração dos outros elementos caracterizadores da união estável previstos pelo art. 1723 do CC/02, visto que o tempo de convivência possibilita a evidenciação de outros requisitos.

De tal modo, a durabilidade exigida pela norma civil diz respeito a uma avaliação cuidadosa do conjunto probatório para aferir se restou evidenciado que havia no relacionamento a estabilidade e a comunhão de vidas esperada de um relacionamento com potencialidade para o reconhecimento da união estável.

Nessa perspectiva, percebe-se que o lapso temporal, por si só, não se mostra suficiente para evidenciar a existência da união estável, sendo necessário analisar as circunstâncias do caso concreto para apontar a sua existência ou não. Os requisitos, nesse contexto, são que a união seja pública – no sentido de notoriedade, não podendo ser oculta, clandestina -, contínua – sem que haja interrupções, sem o famoso “dar um tempo” – e duradoura, além do objetivo dos companheiros ou conviventes de estabelecer uma verdadeira família.

Flávio Tartuce, valendo-se dos ensinamentos de Álvaro Villaça Azevedo, melhor explica os requisitos essenciais da união estável:

Como reconhece o professor Villaça, a lei não exige prazo mínimo para a sua constituição, sendo certo que o aplicador do direito deve analisar as circunstâncias do caso concreto para apontar a sua existência ou não.

Os requisitos, nesse contexto, são que a união seja pública (no sentido de notoriedade, não podendo ser oculta, clandestina), contínua (sem que haja interrupções, sem o famoso “dar um tempo” que é tão comum no namoro) e duradoura, além do objetivo de os companheiros ou conviventes de estabelecer uma verdadeira família.

Para a configuração dessa intenção de família, entram em cena o tratamento dos companheiros (tratactus), bem como o reconhecimento social de seu estado (reputatio). Nota-se, assim, a utilização dos clássicos critérios para a configuração da posse de estado de casados também para a união estável.4

Com efeito, “deve-se examinar a presença cumulativa dos requisitos de convivência pública (união não oculta da sociedade), de continuidade (ausência de interrupções), de durabilidade e a presença do objetivo de estabelecer família, nas perspectivas subjetiva (tratamento familiar entre os próprios companheiros) e objetiva (reconhecimento social acerca da existência do ente familiar)”5.

A propósito, diante das dificuldades que a realidade costuma apresentar e da delicada fronteira entre o namoro e a união de fato é que se deve socorrer da técnica da ponderação, expressamente adotada pelo art. 489, § 2°, do CPC/15 e que se mostra como o “meio adequado para a solução de problemas práticos atinentes ao Direito das Famílias e das Sucessões”6.

De todo modo, constata-se que os elementos essenciais para configuração da união estável são abertos e subjetivos. Portanto, a verificação de quanto tempo é suficiente para considerar este requisito preenchido é realizada casuisticamente pelo magistrado, tendo em vista a ausência de fixação de parâmetros objetivos na norma civil. O juiz deve, portanto, verificar, caso a caso, se a união perdura por tempo bastante ou não para o reconhecimento da união estável.

De mais a mais, independente do cenário fático, sempre deverá haver a comprovação do objetivo de “constituir família”, visto que essa é a chave hermenêutica para o reconhecimento ou não da entidade familiar.

O desejo de constituir uma família, por seu turno, é essencial para a caracterização da união estável pois distingue um relacionamento, dando-lhe a marca da união estável, ante outros tantos que, embora públicos, duradouros e não raras vezes com prole, não têm o escopo de serem família, porque assim não quiseram seus atores principais.

Finalmente, é necessária uma certa continuidade, durabilidade da relação. Não há um prazo, com rigor absoluto, para determinar a partir de quando a relação se caracterizaria como união estável ou concubinato.

É em adição a outros elementos, como affectio societatis, estabilidade, projetos de vida em comum, relação de dependência econômica, e a elementos que cada caso apresenta, que se caracterizará a união estável, a entidade familiar. O que se mostra indispensável é que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento

De qualquer modo, algum lapso temporal será preciso, na convivência, para que ela seja considerada durável. Se a relação é passageira, efêmera, ou se foi estabelecida com outros objetivos – como os noivos que passam a viver juntos em caráter experimental, para ver “se vai dar certo” -, não configura união estável. E já o nome com que a Constituição batizou esta entidade familiar demonstra que ela tem de estar revestida de estabilidade.

Ademais, verifica-se que, diante da previsão normativa abstrata da união estável, o estabelecimento de um lapso temporal mínimo poderia trazer significativa contribuição no que diz respeito à segurança jurídica e a um mínimo de previsibilidade das decisões judiciais concernentes ao reconhecimento da união estável.